Syngenta foi dona de fazenda sobreposta à TI Porquinhos, no Maranhão

Multinacional fabricante de agrotóxicos vendeu imóvel de 900 hectares incidente no território do povo Canela-Apãnjekra; UOL contou que funcionários da empresa conspiraram para esconder amostras de insumos altamente poluentes durante inspeção do Ibama

Por Bruno Stankevicius Bassi

Relatório mostra participação do agronegócio no ataque aos direitos indígenas.

Dona de um quarto do mercado mundial de agrotóxicos e 9,2% da produção global de sementes transgênicas, a holding sino-suíça Syngenta tem uma história marcada por fatos desabonadores. Da perseguição a cientistas que questionaram a segurança do pesticida Paraquate à condenação pelo assassinato de um sem-terra no Paraná, são várias as denúncias de movimentos sociais, imprensa e grupos de pesquisa contra o modus operandi da multinacional.

A última dessas denúncias ocorreu nesta terça-feira (02), em reportagem publicada pelo UOL, que revelou a ação de funcionários da empresa para ocultar embalagens do bactericida bronopol, um insumo altamente poluente, antes de uma inspeção de fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na planta da empresa em Paulínia (SP). A conspiração para esconder o produto foi comprovada por mensagens internas de funcionários e executivos da empresa e motivou uma multa ambiental de R$ 1,3 bilhão. Segundo o Ibama, 292 lotes de agrotóxicos receberam a adição de bronopol, considerado perigoso para a vida marinha e no caso de ser ingerido por humanos.

Um lado menos conhecido da Syngenta é a sua faceta fundiária. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), compilados para a produção do relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, a empresa aparecia como dona, até 2021, da Fazenda Olho D’Água, em Fernando Falcão (MA), um imóvel de 900,87 hectares inteiramente sobreposto à área demarcada para ampliação da Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apanyekrá. A TI se espalha por quatro municípios maranhenses e aguarda a conclusão de seu processo de reestudo desde 2009.

Segundo os dados do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Incra, a fazenda teve sua titularidade transferida em 2022, passando da Syngenta Proteção de Cultivos Ltda para o fazendeiro Neuri Genevro, cujo CPF aparece no descritivo de restrição de uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do imóvel, que também aponta a sobreposição em área indígena. A data da atualização do CAR é justamente de 2022.

Dono da Agropecuaria Italbrasil, Neuri é dono de duas fazendas de pecuária em Monte Do Carmo, no Tocantins, sendo a maior delas de 2.358,27 hectares. Ele também é presidente da Associação dos Produtores Rurais da Fazenda Olho D’Água da Soledade, com sede em São Félix de Balsas (MA).

Enquanto isso, o povo Canela sofre com o desmatamento de seu território tradicional: a TI Porquinhos foi a mais desmatada do Cerrado brasileiro em 2019, conforme estudo do Instituto Cerrados.

Confira abaixo o mapa da sobreposição do imóvel vendido pela Syngenta:

OBSERVATÓRIO DESTACA CASOS EM SÉRIE DE REPORTAGENS

A aventura em terras maranhenses não foi a única sobreposição ligada à Syngenta identificada no relatório “Os Invasores“. A 2.500 quilômetros da TI Porquinhos, no município de Itaporã (MS), fica a Fazenda Vazante, que possui 13.626,94 hectares incidentes sobre a área de reestudo demarcada da TI Cachoeirinha. Trata-se da sexta maior sobreposição em terra indígena do Brasil, ocupando 37% da área total delimitada para a ampliação do território do povo Wedezé.

Unidade da rede Agro Jangada, comprada pela Syngenta em 2022. (Foto: Grupo Jangada)

A propriedade pertence a Waldir da Silva Faleiros, antigo dono da Agro Jangada, distribuidora de agrotóxicos e insumos agrícolas comprada pela multinacional suíça, em negociação aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em outubro de 2022. A negociação faz parte da estratégia de verticalização da Syngenta, que vem adquirindo distribuidoras regionais de modo a ampliar seu controle sobre a cadeia produtiva.

As 1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo observatório comprovam que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo agrário. Entre os atores dessa política de expansão desenfreada sobre os territórios tracionais estão algumas das principais empresas do agronegócio brasileiro e global.

Os casos descritos na pesquisa estão sendo explorados também em uma série de vídeos e reportagens deste observatório. Com detalhes — muitos deles complementares ao dossiê — sobre as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.

Confira abaixo o vídeo sobre o relatório:

| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |

Foto principal (Lunaé Parracho/Repórter Brasil): agrotóxico produzido pela Syngenta continha doses ilegais de bactericida altamente tóxico para vida marinha

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