Apib e deputado Túlio Gadelha (Rede-PE) acionam Ministério Público e Procuradoria após declaração da coordenadora jurídica da Frente Parlamentar da Agropecuária; líder indígena destaca relação entre ameaças de parlamentares e ataques aos territórios
Por Nanci Pittelkow e Bruno Stankevicius Bassi
As falas violentas e ameaçadoras da deputada Caroline de Toni (PL-SC) durante uma coletiva de imprensa promovida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em 27 de setembro, geraram uma reação imediata do movimento indígena e de membros do Congresso. Na ocasião, a líder ruralista comentava a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que tornou a tese do Marco Temporal inconstitucional, conforme revelado pelo De Olho nos Ruralistas: “Coordenadora jurídica da FPA promete “banho de sangue” se Marco Temporal não se tornar lei“.
No dia seguinte à reportagem, em 29 de setembro, o deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE), líder de seu partido na Câmara, acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo que a deputada fosse investigada por ameaça e incitação ao crime. Segundo o requerimento, a parlamentar “mentiu para tentar manipular a população”.
Em 2 de outubro, foi a vez da a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entrar com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra a catarinense. Segundo o ofício encaminhado à procuradora Eliana Peres Torelly de Carvalho, “resta-se nítida à ameaça à integridade física de povos indígenas do Brasil”.
“Nós achávamos que a violência iria retroceder com a eleição de Lula, mas os resquícios do bolsonarismo ainda são fortes”, disse Dinaman Tuxá, coordenador executivo da Apib. Para o líder indígena, a política do novo governo ainda não está gerando resultados práticos no enfrentamento da violência sistemática cometida contra os territórios.
A nota da Apib reforça que, no mesmo dia da fala da deputada, a aldeia Barra Velha, do povo Pataxó, em Porto Seguro (BA), foi atacada com mais de cem tiros. O ofício assinado pela entidade destaca a declaração de Caroline de Toni: “Ao sugerir um derramamento de sangue, a parlamentar promove discurso de ódio, carregado de preconceito, e, principalmente, incita um conflito armado contra seres humanos em situação de extrema vulnerabilidade social”.
As ameaças da dirigente da FPA não foram as únicas registradas na coletiva. Durante o evento, presidentes de outras 21 frentes parlamentares — vários deles, também ruralistas — prometeram travar o Congresso e derrubar decisões recentes do Supremo, como a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, a legalização do aborto, a retomada da contribuição sindical e a rejeição da tese do “legítima defesa da honra” em casos de feminicídio. Na esfera agrária, além do Marco Temporal — rejeitado na sessão de 21 de setembro —, os ministros referendaram, no início do mês, o cumprimento da função social como requisito para que um imóvel produtivo não possa ser desapropriado para fins de reforma agrária.
Confira, em vídeo, os trechos mais marcantes da “declaração de guerra” dos ruralistas ao STF:
“Esperamos minimamente que o nosso ofício questione o decoro da deputada e relação à sua fala”, afirma Dinaman Tuxá. “Instituições sérias não deveriam permitir a difusão de falas de ódio e racistas no parlamento”, completou o coordenador da Apib.
Em relação às demais declarações que ocorreram durante a coletiva, como as do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), a articulação também estuda medidas judiciais. Sobre a derrubada da tese do Marco Temporal, o ex-presidente da FPA disse que os laudos antropológicos usados para atestar a presença indígena nos territórios são uma “picaretagem de uma ONGs de vigaristas”, visando explorar as riquezas “sobre e sob os territórios”.
Presidente da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel e diretor de Política Agrícola da FPA, Moreira defendeu a votação de uma nova Constituição que restrinja os poderes da corte: “Se necessário for, chegaremos à Constituinte outra vez, para redefinir os Poderes”, vociferou.
“Temos feito uma luta árdua para defender nossos direitos, principalmente em relação ao ódio desses servidores eleitos”, acrescenta Dinamam. “Agora, vamos continuar nos organizando para pedir ‘veta tudo, Lula’, em relação ao projeto de lei aprovado no Senado”.
A outra reação ao veto ao Marco Temporal pelo STF foi a aprovação, horas depois da coletiva, do Projeto de Lei nº 2.903/2023 no Senado. Segundo levantamento deste observatório, dos 43 votos pró-Marco Temporal, 35 vieram de membros da FPA: “Frente Parlamentar da Agropecuária deu 81% dos votos para aprovação do Marco Temporal no Senado“.
O projeto aguarda sanção presidencial. Segundo o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), líder do governo no Senado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve vetar o projeto parcial ou integralmente. Antecipando este posicionamento, líderes da FPA já articulam o número de votos necessários para derrubar o veto.
A tese do Marco Temporal foi criada durante o julgamento da demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol e considera válidas apenas as áreas ocupadas por indígenas de forma ininterrupta desde 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
O dispositivo ignora o histórico de invasões, expulsões e violências perpetrados pelo agronegócio e pela ditadura militar contra os povos originários, antes e depois da constituinte. O relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado em abril por este observatório, detalha empresas, empresários e políticos com terras que incidem em territórios já reconhecidos.
| Nanci Pittelkow é jornalista. |
| Bruno Stankevicius Bassi é pesquisador e coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |
Imagem em destaque (Reprodução/Facebook): coordenadora jurídica da FPA, deputada Caroline de Toni prometeu “banho de sangue”, se Marco Temporal se tornar lei.
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