Coordenadora jurídica da FPA promete “banho de sangue” se Marco Temporal não se tornar lei

In Bancada Ruralista, De Olho na Política, De Olho nos Conflitos, Em destaque, Povos Indígenas, Principal, Últimas

Deputada Caroline de Toni (PL-SC) diz que relativização da propriedade privada levará a massacres de indígenas; em coletiva, bancada ruralista declara guerra ao STF, promete obstruir pautas do governo e diz que ministros que não colaborarem “serão enquadrados”

Por Bruno Stankevicius Bassi e Nanci Pittelkow

Presidente da FPA lidera “frente ampla” contra decisões do STF. (Foto: Reprodução)

Apenas seis dias após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar — por 9 votos a 2 — a inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal como critério para demarcação de terras indígenas, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) saiu para o ataque.

Em coletiva de imprensa realizada no dia 27 de setembro, dirigentes ruralistas e de outras 21 frentes parlamentares declararam guerra à Suprema Corte. A articulação, puxada pelos líderes do Partido Liberal (PL) e do Novo, ocorreu após a presidente do STF, ministra Rosa Weber, colocar em pauta o julgamento de temas polêmicos, como a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, a legalização do aborto, a retomada da contribuição sindical e a rejeição da tese do “legítima defesa da honra” em casos de feminicídio. Na esfera agrária, além do Marco Temporal — rejeitado na sessão de 21 de setembro —, os ministros referendaram, no início do mês, o cumprimento da função social como requisito para que um imóvel produtivo não possa ser desapropriado para fins de reforma agrária. Nesta quinta (28/09), tomou posse o novo presidente do STF, Luís Roberto Barroso.

Única mulher a falar na coletiva, a coordenadora jurídica da FPA, Caroline de Toni (PL-SC), questionou a legitimidade do Supremo e fez ameaças explícitas aos povos indígenas. Em um discurso exaltado, a deputada prometeu “um banho de sangue”, caso a decisão do STF seja cumprida:

Votação no Senado ocorre uma semana após vitória histórica de indígenas no STF. (Foto: MPI)

— A decisão do Marco Temporal, que vem relativizar a propriedade privada e gerar uma imensa insegurança jurídica, vai trazer um banho de sangue no campo brasileiro. Temos milhares e milhares de famílias de pequenos agricultores que serão expropriadas de suas terras sem direito à indenização. E eles não querem indenização, eles querem ficar na terra.

No mesmo dia, o STF definiu, ao referendar sua decisão sobre o Marco Temporal, que proprietários que ocuparam terras indígenas de boa-fé devem receber indenizações, em um processo separado à demarcação.

O tom beligerante da deputada foi similar ao adotado pelo líder da frente ruralista na mesma coletiva. O deputado Pedro Lupion (PP-PR) abriu a coletiva dizendo que o grupo não aceitará novas restrições do Supremo ao Poder Legislativo. “Não aceitamos invasão ou usurpação de competências”, afirmou. Segundo o presidente da FPA, a aprovação do Projeto de Lei nº 2.903/2023, do Marco Temporal, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ), “mostra que a maioria da população está conosco”.

Horas depois do pronunciamento, o plenário do Senado votou pela aprovação da proposta, que segue agora para sanção presidencial. Para seus aliados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que irá vetar a lei. Dos 43 votos pró-Marco Temporal, 35 vieram de membros da FPA: “Frente Parlamentar da Agropecuária deu 81% dos votos para aprovação do Marco Temporal no Senado“.

OPOSIÇÃO PROMETE OBSTRUIR VOTAÇÕES

Idealizada pelo deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), líder do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro na Câmara, a nova frente ampla reúne 349 parlamentares — todos de viés conservador — e tem como propósito inicial o “enquadramento” do STF contra o que considera ativismo judicial e usurpação de competências do Congresso. “Não teve votação ontem, não teve hoje e não terá amanhã”, ratificou Lupion.

Alceu Moreira e Domingos Sávio defendem intervenção do Congresso no Supremo. (Foto: Reprodução)

“Que fique aqui muito clara nossa ação: estamos em obstrução”, afirmou o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), presidente da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado e integrante da FPA. “Esta casa está parada até que o STF volte para o seu quadrado. Ou volta para o quadrado, ou será enquadrado”, ameaçou.

“A partir de amanhã o STF vai ter que pensar duas vezes”, afirmou Alberto Fraga (PL-DF), da Frente Parlamentar da Segurança Pública. “Aquelas matérias inerentes ao Congresso, que foram votadas aqui e usurpadas pelo STF, nós teremos que refazer. Quem tem que mudar esses parâmetros é o Congresso Nacional”.

Fraga foi sucedido por outros dois colegas ruralistas. Representando a Frente Parlamentar do Comércio e Serviços — grupo incubado pela FPA, conforme este observatório mostrou em reportagem conjunta com O Joio e o Trigo —, Domingos Sávio (PL-MG) defendeu que seja votada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de sua autoria, que outorga ao Congresso o poder de suspender decisões do STF. Depois dele veio Alceu Moreira (MDB-RS), da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel, que defendeu a votação de uma nova Constituição, que restrinja os poderes da corte: “Se necessário for, chegaremos à Constituinte outra vez, para redefinir os poderes”, vociferou.

Fraga, Sávio e Moreira são líderes históricos da FPA e atualmente ocupam a diretoria da organização.

Além dos grupos já citados, também assinam a nota conjunta as frentes parlamentares dos produtores de leite, evangélica, católica, em defesa da vida e da família, contra as drogas, pela defesa das prerrogativas, pessoas com deficiência, do Brasil Competitivo, do cooperativismo, dos rodeios e vaquejadas, do Semiárido, em defesa da “educação sem doutrinação ideológica”, e dos colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs).

| Bruno Stankevicius Bassi é pesquisador e coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |

| Nanci Pittelkow é jornalista. |

Imagem em destaque (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados): coordenadora jurídica da FPA, deputada Caroline de Toni prometeu “banho de sangue”, se Marco Temporal se tornar lei.

LEIA MAIS:
Frente Parlamentar da Agropecuária deu 81% dos votos para aprovação do Marco Temporal no Senado
Frente Parlamentar da Agropecuária reuniu 76% dos votos a favor do Marco Temporal
Ruralistas trabalharam para adiar julgamento do Marco Temporal, revela Neri Geller
“Surpresa vai ser se Mendonça mudar suas posições de servidão ao governo”, diz Eloy Terena
General Peternelli colhe assinaturas para apressar votação do Marco Temporal
“Marco Temporal levará à extinção de povos indígenas e regularizará grilagem”, diz professor da USP
PL compõe 1/4 da bancada ruralista na Câmara, que chega a 300 deputados

 

You may also read!

Prefeito de Eldorado do Sul terraplanou terreno em APA às margens do Rio Jacuí

Empresa em nome de sua família foi investigada pelo Ministério Público após aterrar área de "banhado" da Área de

Read More...

Expulsão de camponeses por Arthur Lira engorda lista da violência no campo em 2023

Fazendeiros e Estado foram os maiores responsáveis por conflitos do campo no ano passado; despejo em Quipapá (PE) compõe

Read More...

Estudo identifica pelo menos três mortes ao ano provocadas por agrotóxicos em Goiás

Pesquisadores da Universidade de Rio Verde identificaram 2.938 casos de intoxicação entre 2012 e 2022, que causaram câncer e

Read More...

Leave a reply:

Your email address will not be published.

Mobile Sliding Menu