Terceiro episódio da série Endereços, sobre o poder em SP, mostra acusações contra Janaína Reis; ela e a mãe de Ricardo Nunes ilustram os tentáculos dele no município vizinho, crucial para o abastecimento de água na metrópole, onde ele e a esposa têm casa
Por Tonsk Fialho e Alceu Luís Castilho
— Ladrão, cobra falsa, canalha, seu puto, prefeitinho do caralho. Cobra a gente mata para não picar a gente. Aguarde meu irmão.
Quem fala é a advogada Janaína Reis Miron, nascida Janaína Reis Costa Barboza, conforme denúncia feita em 2022 pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). O irmão dela é o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. A mãe deles sempre pertenceu ao mesmo partido do filho, o MDB. Por ele foi vereadora e, segundo a filha, é pré-candidata à prefeitura de Embu-Guaçu, onde presidiu a Câmara.
Não é o único registro de ameaça — ou de suposta ameaça — feita por Janaína. Nesse caso, ela teria ficado indignada com a disposição do prefeito José Antônio Pereira de deixar o partido. Além de demonstrar profunda insatisfação com sua gestão. De Olho nos Ruralistas teve acesso a diversos processos na Justiça contra ela. E a um boletim de ocorrência onde ela é acusada de dizer estar disposta a “acabar com a vítima”.
A irmã de Ricardo Nunes é um dos personagens principais do terceiro episódio da série Endereços, sobre o poder em São Paulo. De Olho nos Ruralistas postou nesta quarta-feira (26) o vídeo em seu canal no YouTube, sobre as conexões políticas do prefeito com o município de Embu-Guaçu, na região metropolitana.
Confira:
Dois dias antes, na segunda-feira, a reportagem enviou as perguntas relativas ao episódio à Secretaria Especial de Comunicação da prefeitura paulistana. A resposta chegou na tarde de ontem. Segundo sua assessoria de imprensa, Ricardo Nunes disse que “a postura do veículo De Olho nos Ruralistas tem se assemelhado a perseguição, um crime previsto na Lei Federal 14.132, de 31 de março de 2021”.
Este observatório enviou também perguntas para Janaína, mas ainda não obteve respostas. Caso ela se pronuncie, o espaço está garantido para que ela divulgue suas versões em relação aos casos mencionados.
O episódio envolvendo o prefeito Zé Antônio (União Brasil) ocorreu em dois momentos. Ele registrou um primeiro boletim de ocorrência na polícia no dia 19 de janeiro de 2022. Ele apresentou uma conversa no Whatsapp onde ela diz que ele não terá mais legenda, o MDB, porque “é cobra”. E cobra “a gente mata para não picar a gente”. Após algumas referências imprecisas a um montante de R$ 1,5 milhão, Janaína diz — segundo o B.O. — que ele não vale nada. “Aguarde meu irmão.”
Janaína foi intimada por policiais, mas se recusou a assinar a intimação. Foi quando ela passou a usar o Facebook para fazer novas ameaças ao prefeito, conforme a denúncia feita pelo Ministério Público: “Indo para o DEM? Infidelidade partidária, safado. Vou te detonar a cada dia mais. Você tem saco roxo, seu pilantra? Mexeu com a pessoa errada. Pois se você tem saco roxo, seu veado (…), manda polícia na minha casa, seu veado enrustido. Me processa, seu vagabundo do caralho”.
Zé Antônio administra um município de 70 mil habitantes, com dois núcleos urbanos principais: Embu-Guaçu e o distrito de Cipó-Guaçu, mais ao sul, onde moram Maria do Céu Reis, mãe de Ricardo Nunes, e Janaína. O prefeito tem casa no condomínio Fazenda da Ilha, ao leste do centro, em nome da mulher, Regina Carnovale Nunes. O distrito de Cipó-Guaçu fica numa latitude próxima à do Sítio Vista Verde, propriedade do prefeito em Marsilac, extremo sul de São Paulo. A família tem cavalos nos dois municípios, não declarados à Justiça Eleitoral.
Embu-Guaçu tem 100% de seu território em área de mananciais e integra a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, criada em 1991 pela Unesco. O município é responsável por 30% da capacidade da represa de Guarapiranga, que abastece 4 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo. Em períodos de estiagem, o reservatório da zona sul chega a ultrapassar o Sistema Cantareira em distribuição, cumprindo um papel fundamental na segurança hídrica da capital.
Janaína foi denunciada pelo Ministério Público pelas duas ameaças direcionadas ao prefeito. Mas nunca se manifestou nos autos: a Justiça não conseguiu localizá-la em nenhum dos endereços em Embu-Guaçu e São Paulo. Um deles, o da antiga sede da Nikkey em Cipó-Guaçu, mesmo endereço informado pela mãe em declarações à Justiça Eleitoral.
Janaína Reis também foi alvo de acusação em Embu das Artes, outro município na região metropolitana de São Paulo que compõe a Bacia do Guarapiranga.
Em dezembro de 2018, o feirante Jessé Ferreira da Silva afirmou ter recebido uma ligação da advogada; ela oferecia seus serviços para facilitar a emissão de licenças de operação junto à prefeitura. Ele decidiu contratar os serviços de Janaína. O relato de Jessé consta do processo que tramita no Juizado Especial Cível, em Sorocaba. Logo após o acordo verbal, a irmã de Ricardo Nunes afirmou ter sido roubada e passar por dificuldades financeiras. E solicitou que fossem adiantados R$ 3 mil dos R$ 5 mil estabelecidos como honorários.
Os serviços não foram prestados. Nas trocas de mensagens anexadas ao processo, Janaína negocia a devolução do valor, afirmando que pediria o dinheiro emprestado ao irmão. Logo depois, ela afirma que não conseguiu contato com Ricardo Nunes, na época em seu segundo mandato como vereador em São Paulo, pois ele estava em Dubai.
Enquanto alegava dificuldades para devolver o dinheiro, Janaina fazia promessas. Em uma das mensagens, ela afirmava possuir influência em prefeituras como São Lourenço da Serra e Itanhaém, e que faria de Jessé “um homem muito rico”. Diante das cobranças, sempre segundo o feirante, a irmã de Nunes se irritou e o ameaçou, afirmando ser “mulher de bandido”.
Foi nesse momento que Jessé acionou a advogada judicialmente, requerendo a devolução da quantia e indenização por danos morais. Janaína foi condenada na esfera cível, mas o processo acabou sendo arquivado posteriormente por falta de manifestação do autor quanto à execução. O pedido de danos morais foi negado.
Janaína Reis Miron chegou a ser presa em duas circunstâncias. Em outubro de 2022, na Rodovia SP-209, altura de Botucatu (SP), dois policiais militares pararam uma caminhonete que andava em “zigue-zague”, quase colidindo com outros veículos. A advogada, que estava na direção, se negou a fornecer seus documentos.
Segundo o boletim de ocorrência, ela apresentava “situação de embriaguez flagrancial”. Ao receber voz de prisão, Janaína gritou com os agentes, definindo-os como “um bando de vagabundos, inferiores ao seu marido, capitão da Polícia Militar”. Ela ainda insinuou, de acordo com a polícia, que estava sendo conduzida à delegacia somente porque os policiais “queriam dinheiro”.
Após a detenção, durante a audiência de custódia, a irmã de Nunes foi solta para responder em liberdade. O processo está em curso. Em sua defesa, Janaína afirma que estava sob efeito de remédios prescritos para tratamento de saúde mental, e que não havia consumido álcool na ocasião. O capitão da PM citado por Janaína era seu ex-marido Claudecir Messias Miron. Segundo o processo, a advogada havia sido presa por furto em 1999; foi liberada após passar a noite na delegacia. O documento cita ainda antecedentes por maus tratos, lesão corporal e embriaguez ao volante. Não houve condenação em nenhum dos casos.
Nos próximos dias publicaremos mais detalhes sobre Embu-Guaçu, conforme os temas já abordados no vídeo. O tema da próxima semana será A República de Interlagos, sobre um grupo de empresários que acompanha Ricardo Nunes nas últimas décadas em São Paulo, das atividades privadas ao cenário político, na Câmara Municipal e na Prefeitura.
A cobertura eleitoral do De Olho nos Ruralistas começou com a série de vídeos Endereços, em nosso canal no YouTube, mas continuará nos meses seguintes. Você pode se inscrever aqui. Com isso acompanhará semanalmente cada um dos doze episódios da série sobre o poder em São Paulo, que vão ao ar nas noites de quarta-feira. Nos dias seguintes o observatório faz neste site o detalhamento dos assuntos do vídeo, como feito no primeiro episódio, sobre o Sítio Vista Verde, imóvel do prefeito em Marsilac, extremo sul do município.
O canal tem mais de 350 vídeos e se aproxima de 1 milhão de views. Ele é uma das principais plataformas do De Olho, que surgiu como veículo jornalístico em 2016 e se afirma como observatório e produtor de conteúdo audiovisual — dos vídeos no canal a documentários, como o premiado “Elizabeth“, sobre a líder camponesa Elizabeth Teixeira, protagonista do clássico “Cabra Marcado Para Morrer”, de Eduardo Coutinho.
De Olho nos Ruralistas é um observatório sobre agronegócio e seus impactos sociais e ambientais. Sua interface no Congresso, a Frente Parlamentar da Agropecuária, é conhecida como bancada ruralista e inspira a série De Olho no Congresso. Um de nossos trabalhos mais importantes, o relatório “Os Invasores”, fala da sobreposição de fazendas em terras indígenas por empresas e por políticos. Outro dossiê importante divulgado pelo observatório, sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira, ganha também resumo em vídeos no canal.
A série Endereços marca o início de uma cobertura espacial sobre o poder municipal no Brasil. E não somente sobre eleições. O poder na maior metrópole do país está sendo esmiuçado também em suas relações com o ambiente. O sítio de Ricardo Nunes, por exemplo, fica em uma região de Mata Atlântica, perto da Serra do Mar, em área de mananciais e de proteção ambiental. Até outubro falaremos de prefeitos e agronegócio, secretários de Meio Ambiente e mineração, em uma lógica de expansão econômica, legal ou ilegal, e territorial.
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| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas. |
|| Tonsk Fialho é pesquisador e repórter. ||
Imagem Principal (De Olho nos Ruralistas): Janaína Reis Miron é irmã de Ricardo Nunes por parte de mãe
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