Amazon Global Consult, representada por Antônio da Justa Feijão, entrou com requerimento para pesquisa na TI Waiãpi, no Amapá, em 2011; ex-deputado, ele já foi preso por garimpo ilegal e continua, até hoje, fazendo lobby do setor no Congresso
Por Mariana Franco Ramos
“Só pensam no presente, em dinheiro, dinheiro, dinheiro”, denunciava o líder Matapi Wajãpi, numa reunião sobre o avanço da mineração e da siderurgia em terras indígenas no Amapá. O encontro no Ministério Público Federal (MPF) aconteceu em 2012, um ano depois de Antônio da Justa Feijão entrar com requerimento de pesquisa na TI Waiãpi, situada entre os municípios de Pedra Branca do Amapari e Laranjal do Jari.
O geólogo e ex-deputado federal estava presente na audiência. Não na condição de invasor ou de inimigo, mas como autoridade:
— Será que foi o governo que fez a terra? E que fez a floresta? Será que foram os não índios que fizeram tudo isso? Então, que direito eles têm de ameaçar isso?
Feijão não tinha respostas. Natural de Sobral (CE), mas radicado em Macapá, ele é, desde a década de 1980, um notório defensor do garimpo. Já foi preso por falsidade ideológica, em 2017, e responde a processos por outros nove crimes, incluindo usurpação de bens da União, lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva.
Antes de exercer três mandatos na Câmara (1995-2003 e 2009-2011), trabalhou em empresas de mineração, percorrendo vários estados, e chefiou o antigo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) — atual Agência Nacional de Mineração (ANM). Foi nesta condição que ouviu — sem atender — as reivindicações dos povos originários. “A vontade dos Waiãpi deve prevalecer”, escreveu, à época, no Facebook.
Passados dez anos, ele ainda é recebido de portas abertas em Brasília, nos diferentes espaços de poder. O Instituto General Villas Bôas, espécie de think tank informal do bolsonarismo, o convidou para falar sobre “extrativismo sustentável” num simpósio virtual de “saúde e tecnologia como ferramentas de desenvolvimento na Amazônia”. A participação do político no evento, prevista para ocorrer hoje (5/7), foi revelada por Johanns Eller, da coluna de Malu Gaspar, no O Globo.
Os dados do pedido para atuar na TI, de 607 mil hectares, constam de um levantamento do Instituto Socioambiental (ISA). Na época, a esposa de Feijão, Iraciara Santos de Araújo, respondia legalmente pela Amazon Global Consult, autora da solicitação.
Foi ela que assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) após o flagrante de “conduta lesiva ao meio ambiente”, na queima involuntária de pinus e eucalipto. Desde 2013, a empresa está em nome de Carlos Rusivelton Santos de Araújo, embora o geólogo ainda seja o rosto público da empresa.
A coluna destaca também a participação no webinar de Marcelo Norkey Pereira Duarte, que se apresenta como “garimpeiro e conselheiro de unidades de conservação no Pará”. Nas redes sociais, ele ironiza movimentos camponeses e replica publicações do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ). Nada muito diferente do que fazem os donos da Amazon Global Consult.
A palestra de Feijão é intitulada “Mineração na Amazônia e os inimigos invisíveis”. O tema é o mesmo que ele costuma tratar em seus artigos. Em um deles, por exemplo, chama as TIs de “terras ditas indígenas” e afirma que “o Brasil etnocêntrico nos agride”. A participação de Norkey tem como título “A Amazônia que os satélites não conseguem ver: o extrativismo mineral sustentável, um sonho possível”.
Os garimpeiros dividirão o palco virtual com o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e assessor especial da Presidência, e com outros políticos da linha de frente do bolsonarismo, como a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). A ex-ministra dos Direitos Humanos Damares Alves (Republicanos-DF), pré-candidata ao Senado pelo Distrito Federal, participou na última terça-feira (28).
De acordo com o delegado Alexandre Saraiva, afastado da Polícia Federal (PF) no ano passado por investigar o ex-ministro do Meio Ambiente, Zambelli integra a “bancada do crime”, financiada por madeireiros e que apoiaria atividades ilegais na floresta. Os demais membros seriam Jorginho Mello (PL-SC), Telmário Mota (Pros-RR), Zequinha Marinho (PL-PA) e Mecias de Jesus (Republicanos-RR).
O webinar é mediado pelo jornalista bolsonarista Alexandre Garcia, um dos responsáveis por disseminar fake news durante a pandemia de Covid-19, como o observatório contou no vídeo “Jornalistas e patrões fazem jogo sujo do negacionismo“.
A ligação entre Feijão e Norkey vai além do evento ultraconservador. Eles são, respectivamente, presidente e vice da Fundação Instituto de Migrações e Meio Ambiente (Finama). É por meio da organização que são recebidos com frequência por membros do alto escalão do Executivo e do Legislativo, em encontros dentro e fora da agenda oficial. As portas já estavam abertas desde a gestão de José Sarney, mas, com Bolsonaro, ficaram escancaradas.
A Finama também foi, em tese, comandada por Iraciara. A esposa do político, contudo, é citada somente nas convocações para assembleias de conselheiros. Em 2010, ela recebeu um único voto para deputada federal pelo antigo PTC. Justificou-se dizendo que trabalhou a favor do partido. O principal candidato da legenda, na ocasião, foi Antônio da Justa Feijão.
Naquela mesma campanha, ele declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um imóvel rural de mais de R$ 5,6 milhões: o Retiro Ilha Grande, localizado em Macapá, na margem esquerda da rodovia Duque de Caxias. A propriedade fica em área de preservação ambiental.
Entre 2012 e 2013, Iraciara foi secretária municipal de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Postura Urbana (Semam) na capital amapaense, durante a gestão do prefeito Clécio Luis (PSol). Antes, entre 2008 e 2009, seu marido comandara interinamente a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amapá, no governo de Waldez Góes (PDT).
O Ministério Público chegou a mover uma ação contra a Finama, “por ausência de prestação de contas e inércia na regularização da pessoa jurídica”. O processo foi extinto em 2021, logo que Feijão apresentou os balanços contábeis.
Em setembro de 2019, a Comissão de Minas e Energia da Câmara promoveu uma audiência pública sobre extração mineral na Amazônia, a pedido dos deputados Silas Câmara (Republicanos-AM) e Joaquim Passarinho (PSD-PA). Entre os convidados estava o ex-parlamentar.
No mesmo mês, Feijão esteve com o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP), o garimpeiro Altino Machado, diretor da Associação dos Mineradores do Alto Tapajós (Amot) e a quem chama de “amigo irmão”, o empresário Dirceu Frederico Sobrinho, dono da F.D’Gold, uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), e o ex-senador Flexa Ribeiro (PP-PA).
O encontro fora da agenda foi registrado pelo InfoAmazonia, que se baseou numa denúncia do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Flexa foi o autor da medida provisória (MP) nº 790/2017, que alterou o Código da Mineração, dando mais poder aos garimpeiros.
Em setembro de 2021, tanto o presidente como o vice da Finama foram chamados pela deputada Greyce Elias (Avante-MG) para debater a legislação, ao lado de Machado, de José Antunes, da Amot, e de Sérgio Leitão, do Instituto Escolhas.
A agência Repórter Brasil detalhou como empresários e garimpeiros trabalham para pressionar mudanças na lei e permitir devastação nos territórios. Tudo isso com as bênçãos de Bolsonaro e do vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), pré-candidato ao governo do Rio Grande do Sul.
No dia 23 de junho, Passarinho foi escolhido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como relator do Grupo de Trabalho (GT) que discutirá o novo Código da Mineração. O coordenador é o deputado federal Filipe Barros (PL-PR). De acordo com reportagem do Valor, a maioria dos integrantes pertence à base aliada, caso de Greyce Elias.
O debate ganha ainda mais importância porque o chefe do Legislativo não colocou em votação, até o momento, o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que altera os critérios de realização de pesquisa e lavra de recursos minerais e hídricos em terras indígenas. O texto do Executivo é considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF).
Em março, enquanto cerca de 17 mil pessoas se mobilizavam no Ato pela Terra, convocado pelo cantor Caetano Veloso e outros quarenta artistas, além de líderes indígenas, camponeses e quilombolas, os deputados aprovavam um requerimento de urgência para tramitação da proposta. Dos 279 que apoiaram a pauta, 152 são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conforme publicou o observatório: “Ruralistas deram 54% dos votos que aprovaram urgência na mineração em terras indígenas“.
Havia o temor de que o PL 191 passasse pelo plenário rapidamente, como aconteceu com outras matérias do chamado “combo da morte” ou “pacote da destruição”.
O que se comenta nos bastidores é que Lira pode, sem alarde, priorizar iniciativas de conteúdo similar — ao menos seis outras propostas semelhantes foram apresentadas nos últimos trinta anos. Há ainda a hipótese de que a bancada ruralista se articule para incluir a demanda na alteração do Código, como “jabuti”.
De Olho nos Ruralistas iniciou em junho uma cobertura especial e inédita, com o objetivo de esmiuçar as políticas agrárias e ambientais dos últimos anos, as candidaturas do agronegócio e o funcionamento da FPA, maior e mais influente bancada do Congresso.
Até as eleições de outubro, lançaremos dossiês em português e inglês, visando o público internacional, e multiplicaremos as reportagens e os vídeos, com uma equipe ampliada. Confira um spoiler de tudo o que vem por aí: “Jornalistas preparam cobertura eleitoral inédita sobre questão agrária”.
O Brasil decidirá nos próximos meses se quer manter um presidente fascista, fiador de genocídios, ou apoiar candidaturas do campo democrático. Em paralelo a isso, o país tem as eleições estaduais, com menor visibilidade, e a renovação do Parlamento. Outra Câmara é possível, outro Senado é necessário. Precisamos de uma bancada socioambiental — uma bancada que defenda a vida.
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|| Mariana Franco Ramos é jornalista. ||
Foto principal (Reprodução): Antônio Justa Feijão em Serra Pelada, em 1984; defensor do garimpo, ele foi convidado a palestrar sobre a Amazônia
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