Líderes à frente das conversas são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária e donos de terras; após racha em bloco de partidos, PP, PL, Republicanos, PSD, PSC, PROS, Avante e Solidariedade negociam cargos no governo, que busca isolar Rodrigo Maia
Por Bruno Stankevicius Bassi
O Centrão embarcou de vez no governo. Após ter servido de saco de pancadas durante a campanha presidencial e também no primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro, o bloco de partidos de centro, frequentemente associado pelo presidente à “velha política”, deu início à partilha de cargos em troca da sustentação parlamentar do governo. Promessa similar àquela feita à ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015.
O Progressistas (PP) ficou com a chefia do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), apontado em 2018 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como um dos órgãos do governo mais suscetíveis a risco de fraudes e corrupção.
O partido também tentou emplacar um de seus indicados na presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), mas foi vetado pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, gerando revolta entre os pepistas, um dos filhos diretos da Arena.
Outro descendente do partido oficial da ditadura, o PL de Waldemar Costa Neto, ex-deputado condenado no escândalo do “mensalão”, ganhou a diretoria do Banco no Nordeste e aguarda nomeação para a Secretaria de Atenção Especializada, do Ministério da Saúde.
A Secretaria Nacional de Mobilidade, vinculada ao ministério do Desenvolvimento Regional, ficou com o Republicanos (ex-PRB). Ainda aguardam na “fila”: PSD, PSC, PROS, Avante e Solidariedade.
Além da maleabilidade ideológica e do hábito de trocar frequentemente de nome, esses partidos têm em comum o histórico de atuação na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), face mais organizada da bancada ruralista no Congresso. Juntos, os partidos do Centrão detêm 117 das 290 cadeiras mantidas pela FPA e ocupam 11 dos 28 cargos diretivos da entidade, incluindo a vice-presidência no Senado, com Luis Carlos Heinze (PP-RS), e na Câmara, com Evair Vieira de Melo (PP-ES).
Mas nem tudo são flores para o Centrão. Na última terça-feira (12), a negociação em torno da votação do relatório do deputado Zé Silva (SD-MG) na Medida Provisória nº 910/2019, a MP da Grilagem, que regulariza ocupações de terras públicas, levou ao racha do grupo.
A proposta de retirada de pauta da medida, sugerida pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e acatada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), esquentou o clima na sessão. Líder do PP na Câmara, o deputado alagoano Arthur Lira elevou o tom e acusou Maia e o líder emedebista de trair o acordo firmado entre os líderes para votar a MP ainda na terça, impedindo que a medida caducasse. Segundo a CNN, no dia seguinte Lira deixou o grupo de WhatsApp com os demais líderes partidários, que articulam o retorno da matéria à pauta como projeto de lei.
As tensões internas no Centrão não são novas e já vinham sendo exploradas por Bolsonaro na tentativa de enfraquecer a liderança do DEM no Congresso, minar a tentativa de Maia de disputar mais um mandato na presidência da casa ou de eleger um sucessor. Junto a MDB, PSDB, Podemos, Cidadania e PV, o DEM foi deixado de fora da partilha de cargos executivos.
A cisão do Centrão já teria inclusive gerado dois novos blocos: o “Novo Centro“, próximo a Maia, e o “Centrão Raiz“, capitaneado pelo presidente nacional do Progressistas, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), e os deputados Arthur Lira (PP-AL), Diego Andrade (PSD-MG), Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) e Wellington Roberto (PL-PB), líderes de seus respectivos partidos na Câmara. Ao longo de abril, Bolsonaro recebeu no Planalto esses cinco líderes, todos eles membros da bancada ruralista.
Dono de uma empresa agropecuária acusada de apropriação de área pertencente ao Departamento Nacional de Infraestrutura (Dnit), Ciro Nogueira é um dos principais representantes no Senado da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Em 2018, sua esposa, a deputada Iracema Portella, declarou à Justiça Eleitoral possuir uma ilha de 659 hectares no litoral do Maranhão, em área pertencente à União e parte integrante da reserva extrativista marinha do Delta do Parnaíba. A ilegalidade foi revelada em reportagem veiculada pelo De Olho nos Ruralistas no ano passado.
Diferente do colega de partido, Arthur Lira mantém suas propriedades agrícolas em terra firme. À Justiça Eleitoral, ele declarou ser dono de metade das fazendas Pedra e Santa Maria, ambas em São Sebastião (AL) e herdadas do pai, o ex-deputado Benedito Lira, com quem é sócio na D Lira Agropecuária e Eventos Ltda, empresa autuada em 2012 pelo Ministério do Trabalho por irregularidades trabalhistas.
As fazendas dos Lira foram alvo de polêmica em 2018 após uma reportagem do BuzzFeed News identificar que, na relação de bens entregues pelo ex-presidente e candidato ao governo alagoano Fernando Collor, apareciam imóveis rurais e outros bens que também constavam, de forma idêntica, na declaração de Arthur. O desembargador do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, Paulo Zacarias da Silva, atribuiu a duplicação a um “erro de digitação“.
Em fevereiro de 2017, a 11ª Vara Federal de Curitiba, a pedido da Advocacia-Geral da União, bloqueou R$ 10,4 milhões pertencentes aos Lira. Dois anos depois, em 2019, Arthur se tornou réu no Supremo Tribunal Federal por corrupção passiva, acusado de ter recebido R$ 106 mil em propinas.
A multiplicação de bens também faz parte do histórico do líder do PL. Em 20 anos na política, Wellington Roberto viu sua fortuna dobrar e chegar a R$ 3,69 milhões em 2018, quando declarou sua primeira propriedade rural.
O deputado paraibano se tornou célebre por ser um dos membros mais aguerridos da “tropa de choque” de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, preso desde 2017 em um desdobramento da Operação Lava Jato. Roberto chegou a trocar tapas e empurrões com o deputado Zé Geraldo (PT-PA), que reclamava da “turma do Cunha” no Conselho de Ética da Câmara.
Avesso a agressões, Diego Andrade prefere discutir com seus colegas durante o cafezinho. O líder do PSD é um dos principais articuladores, junto a colegas da bancada mineira, da Frente Parlamentar do Café. Ele foi um dos 99 membros da FPA que, segundo as delações de Joesley Batista e de Ricardo Saud, receberam dinheiro da JBS nas eleições de 2014. O deputado nega.
Apesar de não ter declarado terras ou empresas agropecuárias à Justiça Eleitoral, o líder do Republicanos na Câmara, Jhonatan de Jesus, é um defensor do setor agropecuário. É dele o Projeto de Lei (PL) nº 1.304/2020, que transfere para os estados de Roraima e do Amapá terras pertencentes à União, com o propósito de promover a “regularização” das áreas. O PL é criticado por deputados da oposição por permitir a legalização de fraudes fundiárias ao não exigir o georreferenciamento das áreas a serem transferidas.