Ex-governador Wilson Martins é acusado de participação em esquema de concessão ilegal de terras; sozinho, deputado Marcelo Castro declarou 17 mil hectares
Por Bruno Stankevicius Bassi
Na rota de expansão do agronegócio, o Piauí tem assistido à proliferação dos casos de grilagem. Com um amplo estoque de terras a preços atrativos, o sul do estado atrai a atenção de investidores – tanto brasileiros como empresas transnacionais – e vem provocando uma escalada nas disputas e conflitos fundiários. Os políticos não estão à margem desse cenário. Muito pelo contrário. Em alguns casos, chegam a ser protagonistas.
Entre eles se destaca o ex-governador Wilson Martins (PSB). Candidato ao Senado, ele foi alvo de inquérito no Ministério Público do Estado do Piauí por irregularidades na concessão de 61 títulos de propriedade rural transferidos em 2012, durante sua gestão. Os lotes totalizavam 21 mil hectares. Segundo a denúncia, um dos principais favorecidos foi Alverito Pereira Lopes, ex-presidente do Sindicato Rural dos Trabalhadores Rurais de Baixa Grande do Ribeiro, município onde era vereador pelo PPS.
Em 2017, outro inquérito apurou denúncias de que Alverito Lopes ameaçou camponeses em Baixa Grande para que deixassem suas terras, facilitando a ação de empresas grileiras. Uma dessas empresas, a Sorotivo Agroindustrial, foi citada pela Vara Agrária da Comarca de Bom Jesus como responsável pela grilagem de 27 mil hectares.
A Sorotivo pertence ao Grupo Insolo, um dos operadores do fundo de pensão da Universidade de Harvard, que vinha adquirindo terras no estado para especulação financeira. De acordo com relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Harvard possui, ao todo, 153 mil hectares no Piauí. Em 2015, o estado já havia sido alvo de operações envolvendo outro fundo de pensão estadounidense, o TIAA-CREF, que comprou terras do paulista Euclides De Carli, acusado pela grilagem de 124 mil hectares.
UM DESCONTO MUITO ESPECIAL
O nome de Wilson Martins voltou a a ser investigado por irregularidades na venda de terras públicas. Em 2014, ele foi acusado de beneficiar um aliado político, Nonato Marreiros, diretor administrativo da Águas e Esgotos do Piauí S/A na compra de 2.500 hectares em Uruçuí.
A Lei nº 5.966/2010, que rege a regularização fundiária do estado, concede desconto na compra de terra pública para os ocupantes que estiverem produzindo nela, cumprindo assim sua função social. Mesmo sem ter iniciado nenhum cultivo, Marreiros teve acesso ao desconto, pagando R$ 625 mil pelas terras. Na época da venda, o preço de mercado da área era avaliado em R$ 6,5 milhões.
Cinco anos antes, quando ainda era vice-governador na chapa de Wellington Dias (PT), Martins recebeu em seu gabinete a atriz global Regina Duarte e seu marido, o pecuarista Eduardo Lippincott. Interessados em investir no Piauí, o casal provou iguarias regionais e conversou sobre os incentivos dados pelo governo à criação de gado no estado. O facilitador da reunião, Herbert Spencer Miranda Carranca, foi um dos protagonistas da série De Olho no Paraguai, que trata da expansão do agronegócio brasileiro sobre o país vizinho: no Chaco paraguaio, sua empresa é acusada de expulsar indígenas isolados da etnia Ayoreo.
A atração de investimentos na agropecuária segue sendo a prioridade do governo piauiense. Em 2018, o sucessor de Wilson Martins e candidato à reeleição, Wellington Dias (PT), assinou um convênio de US$ 120 milhões com o Banco Mundial para a implementação do projeto “Piauí: Pilares de Crescimento e Inclusão Social”.
O programa, cujo foco é a regularização e titulação de terras, motivou uma carta assinada por mais de 60 organizações, alertando a instituição sobre os riscos de uma nova corrida por “grilagens legalizadas”. Segundo o Incra, existem no Piauí cerca de 350 mil hectares com indícios de grilagem.
EX-MINISTRO É DONO DE 17 MIL HECTARES
Entre os quatro deputados federais do Piauí vinculados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também há histórias de disputa por terras. Marcelo Castro (MDB) solicitou, em 2015, a reintegração de posse contra uma família de agricultores gaúchos que teriam, segundo o deputado, se apossado de uma de suas fazendas, com 4 mil hectares, há mais de dez anos. O pedido foi negado pela Comarca de Santa Filomena devido à falta de documentos comprobatórios.
Candidato ao Senado em 2018, Castro é o político piauiense com maior volume de terras declaradas. Apenas em Santa Filomena, palco da disputa com os gaúchos, são 5.790 hectares. O deputado possui outros 9.550 hectares no sul do Piauí – incluindo fazendas no município de João Costa, fundado por sua família – e 1.924 hectares no Maranhão. No total, as 38 propriedades de Marcelo Castro somam 17.266 hectares.
Além das terras, Marcelo Castro possui cotas de capital da Mangal Frutas Tropicais de Exportação. Os sócios da empresa são os irmãos do ex-ministro, João Costa e Castro e Humberto Costa e Castro. Eles também são donos da Construtora Jurema, flagrada, em 2011, com seis trabalhadores em condição análoga à escravidão. Também investigada por superfaturamento em obra pública, a empresa doou R$ 50 mil à campanha de Marcelo em 2014.
Ministro da Saúde durante o segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, Marcelo Castro recebeu o apoio entusiástico da candidata petista ao Senado por Minas Gerais: “No Piauí, o meu candidato, o candidato do meu coração é o meu querido companheiro, o querido amigo, meu ex-ministro Marcelo”. Entre os membros da FPA, Castro foi um dos poucos que votaram contra o impeachment, em 2016.
SENADOR AVANÇOU EM TERRAS DO DNIT
Na disputa pela reeleição ao Senado, Ciro Nogueira (PP) também vem de uma dinastia poderosa no Piauí. Seu pai é o ex-deputado federal Ciro Nogueira Lima (DEM), falecido em 2013. Seu irmão, Raimundo Neto, foi presidente da Águas e Esgotos do Piauí S.A. e se tornou alvo da Polícia Federal na Operação Rio Verde, que investigava dois inquéritos sobre crimes ambientais.
Alvo de cinco processos no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente nacional do Partido Progressista é dono da Ciro Nogueira Agropecuária e Imóveis Ltda, acusada de apropriação de área pertencente ao Departamento Nacional de Infraestrutura (DNIT) na capital Teresina, em 1985. Ele tem ainda outras duas empresas, a CNFL Empreendimentos Imobiliários e a Ciro Nogueira Comércio de Motocicletas Ltda.
De acordo com as declarações de bens entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seu patrimônio cresceu 1.081% entre 2010 e 2018.. Saltou de R$ 1,9 milhão para R$ 23,3 milhões. As terras, no entanto, foram declaradas por parentes. A mãe de Ciro, Eliane Nogueira (PP), indicada como sua primeira suplente, registrou duas fazendas em Teresina.
Sua mulher, a deputada federal candidata à reeleição Iracema Portella (PP), declarou uma gleba de 659 hectares em Água Doce (MA). Ela também é herdeira de uma longa linhagem de políticos. Seu pai, Lucídio Portella Nunes, foi governador biônico do Piauí durante a ditadura militar, indicado por Ernesto Geisel. A deputada é sobrinha de outro ex-governador, Petrônio Portella, conhecido como “estrela civil da ditadura” por seu papel como articulador político no Senado durante a abertura promovida por Ernesto Geisel e João Figueiredo.
As terras da família Nogueira não têm sido dedicadas exatamente à produção. Em julho de 2017, cerca de mil famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a fazenda Junco, que não consta nas declarações entregues à Justiça eleitoral. Lideranças do movimento relataram ter encontrado uma área sem qualquer cultivo ou criação de animais. Segundo a dissertação da pesquisadora Sandra Helena Gonçalves, em 2010, Ciro Nogueira possuía 4.995 hectares improdutivos.
CONHEÇA OUTROS RURALISTAS DO PIAUÍ
Além de Ciro Nogueira e do deputado Marcelo Castro, a Frente Parlamentar da Agropecuária conta com outros três representantes piauienses que disputam a reeleição na Câmara. No Congresso desde 1987, Átila Lira (PSB) concorre a seu oitavo mandato. Dessa vez, traz seu filho Átila de Melo Lisa (PSB) para ser primeiro suplente de Wilson Martins. Juntos, pai e filho declararam sete propriedades rurais.
O deputado e ex-senador Heráclito Fortes (DEM), o “Boca Mole” da planilha da Odebrecht, famoso por seus cochilos no plenário, é sócio da Reflorestadora Acácia, em Teresina. No registro da empresa, também aparece o jornalista José de Arimateia Azevedo, inimigo declarado do emedebista Marcelo Castro. Fortes foi um dos articuladores, na Câmara, do impeachment de Dilma Rousseff.
Seu colega Júlio Cesar (PSD) é dono da Agropecuária Guadalupe e da Agrolupe Florestal, ambas no município de Guadalupe, onde ele foi prefeito por duas vezes: de 1977 a 1985 e de 1989 a 1991, quando assumiu a Secretaria de Agricultura do Piauí. Como deputado, Júlio Cesar presidiu a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural entre 2011 e 2013, durante da votação do Novo Código Florestal.