Satélites apontaram destruição de vegetação nativa em propriedades da Terra Santa Agro e da SLC Agrícola ao longo de 2020; em processo de fusão, empresas somam quase 600 mil hectares no Cerrado, uma área maior que a do Distrito Federal
Por Luís Indriunas
Cerca de 2 mil quilômetros separam os municípios de Tasso Fragoso, no Maranhão, e Nova Maringá, no Mato Grosso. Um trajeto que, de carro, é percorrido em dois dias de viagem quase ininterrupta, que liga a Amazônia mato-grossense a um dos últimos remanescentes intactos do Cerrado. Essa distância, no entanto, é muito mais curta do que parece.
Os dois municípios estão ligados pela atuação da maior empresa agrícola brasileira e por casos recentes de desmatamento, detectados pelo consórcio Rapid Response, que monitora alertas de desmatamento ligados a cadeias de soja e pecuária. Parte desses dados foi lançada hoje com exclusividade pelo observatório: “De Olho nos Ruralistas publica relatórios sobre desmatamento na Amazônia e no Cerrado“.
Dona de 448,5 mil hectares divididos em dezesseis propriedades, a SLC Agrícola administra, no Maranhão, a Fazenda Palmeira. Entre janeiro e maio de 2020, uma área de 4.667 hectares de vegetação nativa foi desmatada, representando 41% do tamanho total do imóvel. A fazenda é o resultado de um desmembramento de outra propriedade: a Fazenda Parnaíba, controlada por uma subsidiária da SLC.
Em Nova Maringá (MT), os responsáveis pela Fazenda Iporanga suprimiram 607 hectares dentro de área de proteção ambiental entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020. O imóvel pertence à Terra Santa Agro, grupo de gestão de terras oficialmente incorporado pela SLC em janeiro, após aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Com a fusão, a SLC passará a controlar 133.300 hectares em áreas próprias e arrendadas pela Terra Santa, totalizando 581,8 mil hectares em terras — equivalentes ao território da Palestina — e empatando com o Grupo Bom Futuro, de Eraí Maggi, no topo da lista de maiores proprietários de terras do Brasil. O acordo também transforma o grupo gaúcho no maior produtor de soja do mundo.
Procurada pela reportagem, a SLC Agrícola não nega o corte de vegetação na sua área e afirma que a ação está no “ciclo de abertura de novas áreas”. Segundo comunicado enviado ao De Olho nos Ruralistas, “ao longo de sua história, a SLC tem atuado em conformidade com as leis aplicáveis e com as devidas autorizações/licenças. A empresa também ressalta que 33% da área total é destinada à preservação (99.400 ha)”. Veja a nota completa aqui.
A Terra Santa afirma que na fazenda existe uma operação de manejo florestal que segue todas as regulamentações ambientais necessárias. “Na área de 607 hectares em questão, entre os meses de novembro de 2019 e fevereiro de 2020, foi realizada extração de madeira nativa devidamente licenciada, conforme Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) determinado”, diz a nota.
O controle extensivo sobre parte do território brasileiro é relativamente novo na trajetória da SLC. A empresa iniciou suas atividades em 1945, no município de Horizontina (RS), originalmente como uma oficina mecânica e serraria aberta por Balduíno Schneider e Frederico Logemann, ambos colonos de origem alemã. A entrada no setor agrícola viria dois anos depois com a compra de um moinho em sociedade com o empresário Arnaldo Ulmann (daí a sigla SLC, com o C de Companhia).
Ulmann ficaria na empresa até 2001, quando vendeu sua participação societária após a compra da divisão de máquinas agrícolas pela americana John Deere. É de uma de suas empresas, a Weisul Agrícola Ltda, o título da área onde foi constatado desmatamento em Tasso Fragoso (MA), em uma porção da Fazenda Catuaí Norte, arrendada à SLC.
Com a venda da SLC Máquinas, o grupo pode focar inteiramente em sua expansão no mercado de terras. A partir de 2007, com a abertura do capital na Bolsa de Valores, a SLC passou a comprar imóveis no Matopiba e em Mato Grosso, atraindo a atenção de investidores internacionais. Além de aportes do Deutsche Bank, do Credit Suisse e do instrumento de investimentos do Banco Mundial, a empresa atua em joint venture com a gigante japonesa Mitsui, parceira do grupo gaúcho em duas fazendas, e com o fundo de private equity inglês Valiance, com quem administra a imobiliária agrícola SLC LandCo, uma das principais negociantes no mercado de terras no Matopiba, área do cerrado nordestino que reúne municípios do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Essa especulação deixa rastros de grilagem e violação de direitos humanos na região, como mostra um estudo da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
A empresa é controlada hoje pelos netos de Frederico, os irmãos Eduardo e Jorge Silva Logeman, que detêm 52,98% das ações através da SLC Participações, sendo seguidos pelo fundo britânico Odey Asset Management, com 9,13%. Em 2014, os dois entraram a lista de bilionários brasileiros da Forbes.
Com tantas parcerias internacionais, não é a toa que Eduardo Logemann seja um entusiasta da liberação da compra de terras por estrangeiros no Brasil. Em entrevista ao jornal Zero Hora, ele classificou a restrição como um “grave erro”. Além de Eduardo, o CEO da SLC, Aurelio Pavinato, traz o tema recorrentemente às suas entrevistas.
Mas a pressão sobre o tema não para por aí. Nas eleições de 2018, os irmãos Longemann doaram, cada um, R$ 100 mil à campanha do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), ex-presidente e um dos membros mais influentes da FPA. Famoso pela virulência na defesa dos interesses ruralistas, Heinze foi um dos principais articuladores por trás da aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 2.963/2019, do senador Irajá Abreu (PSD-TO), que facilita a posse e o arrendamento de propriedades rurais por estrangeiros no Brasil.
Outro favorecido pelas doações foi o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que recebeu um aporte conjunto de R$ 50 mil para sua campanha. Em 2019, ele protocolou um requerimento na Câmara pedindo o desarquivamento de outro projeto similar, mas mudou de opinião após Jair Bolsonaro se declarar contrário à flexibilização. “Acho burrice nossa gastar energia em um projeto que o próprio presidente disse que vetará”, afirmou, durante evento organizado pelo Insper.
Até a venda da fatia responsável pela administração das terras à SLC, a Terra Santa Agro era controlada pelos grupos de investimentos Bonsucex Holding (42,52% de participação), Laplace Investimentos (22,94%) e Gávea Investimentos (5,72%), empresa do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Antes disso, quando ainda se chamava Vanguarda do Brasil, a empresa pertencia ao empresário Otaviano Olavo Pivetta, ex-deputado estadual e atual vice-governador do Mato Grosso, que vendeu sua cota de 11,99% das ações em 2017.
Listado entre os cincos políticos mais ricos do país, Pivetta aparece no quadro de sócios de, pelo menos, doze empresas no Brasil, em sua maioria subsidiárias da Agropecuária Margarida. Nas eleições municipais de 2018, seu patrimônio declarado era de R$ 380 milhões.
Segundo levantamento realizado pelo De Olho nos Ruralistas, a Terra Santa Agro S.A. esteve entre as maiores devedoras da União: “Com empresas vinculadas a políticos ruralistas, setor de grãos deve R$ 23,6 bilhões“. Em 2019, o calote era de R$ 137 milhões. Ao todo, as dívidas da empresa fecharam o ano retrasado em R$ 1,15 bilhão.
Apenas no Tribunal Superior do Trabalho, a empresa é citada em cinquenta processos. Um caso vai ficar para a história. Em novembro de 2020, a nova direção da Terra Santa Agro teve de lidar com uma derrota milionária na Justiça do Trabalho, sendo obrigada a pagar R$ 19 milhões para apenas um ex-executivo da empresa, que foi o criador de um sistema de informática para a empresa que acabou se fundindo à Terra Santa.
Ao histórico trabalhista se soma um passivo de más práticas comerciais. Ainda como Vanguarda, em 2010, a empresa teve de responder na Justiça por calote. A empresa de Pivetta vendeu antecipadamente milhares de sacas de soja, mas, na hora H, acabou não entregando.
Além do desmatamento detectado pelo consórcio Rapid Response em 2020, a Terra Santa Agro também tem terras sobrepostas em área indígena. Trata-se da Fazenda Terra Santa, que invade a Terra Indígena Batelão em mais de 18,8 mil hectares, segundo dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) mato-grossense.
| Luís Indriunas integra a equipe de editores do De Olho nos Ruralistas. |
Foto principal (Divulgação): Fazenda Palmeira, da SLC Agrícola, onde foi detectada destruição de vegetação nativa