Em meio a avalanche de projetos que atacam direitos dos povos do campo e destroem biomas, deputados da FPA, alguns com conflito de interesse explícitos, são destacados para Agricultura, Meio Ambiente, Educação, CCJ e Minas e Energia
Por Mariana Franco Ramos
O governo Bolsonaro saiu fortalecido na tentativa de aprovar, com rapidez, os projetos do chamado “combo da morte“. Deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), face mais organizada da bancada ruralista, foram destacados para as presidências das principais comissões da Câmara. As eleições aconteceram nesta quarta-feira (27), nas reuniões de instalação dos trabalhos.
Dono de propriedades rurais na região de Foz do Iguaçu (PR) e no Mato Grosso, Giacobo (PL-PR) comandará a Agricultura, Pecuária e Abastecimento Rural (CAPADR). O correligionário do presidente, que retorna ao posto após oito anos, já foi coordenador político da FPA, de 2015 a 2016, e segundo vice-presidente da Câmara, na gestão de Eduardo Cunha (MDB-RJ).
No Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), o escolhido é Covatti Filho (PP-RS). Oriundo de uma família tradicional de políticos e donos de terras gaúchos, ele é autor de um dos textos que inspirou o Projeto de Lei nº 6299/02, conhecido como PL do Veneno. Os vices são Júlio Delgado (PV-MG) e o ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT), este último um autodeclarado inimigo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Outra pasta que ganhou importância para a FPA é a da Educação. De Olho nos Ruralistas mostrou o envolvimento direto de líderes ruralistas com o grupo “mães do agro”, que defende a revisão de apostilas e livros didáticos brasileiros buscando uma visão mais “positiva” do setor: “Lobby do agronegócio se organiza para “fiscalizar” material escolar“.
O escolhido para presidir a comissão foi Kim Kataguiri (União-SP). Mais conhecido por liderar o Movimento Brasil Livre (MBL), que protagonizou protestos a favor do impeachment de Dilma Rousseff, o deputado paulista ganhou posição de destaque na FPA ao assumir a relatoria do PL do Licenciamento Ambiental.
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa e por onde passam todas as propostas legislativas, mais um ruralista. Arthur Oliveira Maia (União-BA) substitui Bia Kicis (PL-DF), prometendo um ano “grandioso”. General Peternelli (União-SP), que chegou a ser cotado para a Educação, foi eleito para a terceira vice-presidência.
Quem ficará à frente da Comissão de Minas e Energia (CME) pelos próximos doze meses é o bolsonarista Fabio Schiochet (União-SC), de 33 anos, cuja família é dona de postos de combustíveis em Jaraguá do Sul (SC). Antes de assumir o colegiado, ele percorreu o sul de Santa Catarina, para se encontrar com empresários do setor e mineradores.
Na pauta do encontro, estavam questões como a defesa da privatização da Petrobras. Schiochet será responsável por acompanhar as discussões do Novo Código da Mineração e do PL 191/20, que libera a mineração em terras indígenas, e prometeu ritmo de trabalho “acelerado. “Daremos um tom com muita agilidade e trataremos dos assuntos mais importantes dessa Casa”, disse à Agência Câmara.
Em 2019, um gasto de R$ 7,2 mil do deputado em combustíveis chamou a atenção. A nota era do Posto Flex, de propriedade de sua família. Do valor, o parlamentar recebeu reembolso de R$ 6 mil, conforme coluna de Patrícia Moraes, do OCP News. Na época, porém, ele alegou que o negócio fora vendido meses antes.
Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o político não declarou bens. Apesar de novato, ele se mostra alinhado à FPA e ao Palácio do Planalto. Em suas redes sociais, chamou de “circo para idiotas” a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, que investigou atos e omissões do governo na gestão da pandemia, criticou a vacinação em crianças e postou fotos em uma motociata de apoiadores do presidente, realizada em Chapecó (SC).
Em outubro, o catarinense votou a favor da proposta que altera a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis, apresentada por Bolsonaro e apoiada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Giacobo substitui na CAPADR Aline Sleutjes (Pros-PR), sua conterrânea e parceira no lobby do setor leiteiro. Ele é um dos autores, ao lado de Schiochet, do requerimento de criação da Frente Parlamentar em Apoio ao Produtor de Leite, protocolado em setembro de 2021.
De atuação “municipalista”, o paranaense se orgulha de destinar emendas para compra de maquinário e outras benfeitorias no oeste do estado. “Todos defendemos algo muito importante, que é o agronegócio do homem e da mulher com mãos calejadas”, afirmou, também à Agência Câmara, logo após a eleição.
O parlamentar é conhecido, ainda, por ter sido premiado 12 vezes na loteria, em 1997, e por ser o paranaense “campeão” de processos judiciais. Entre as ações estão cobranças de dívidas da Receita e um suposto crime de sequestro e cárcere privado, já prescrito, cometido em uma fazenda que adquiriu no Mato Grosso.
Giocobo foi acusado de manter o gerente do imóvel, José Adílson dos Santos, preso por trinta horas, após desconfiar da autenticidade dos documentos de compra fornecidos por ele. O político nega as acusações.
Nas eleições de 2018, o deputado declarou R$2.211.016,14 em bens, porém, nenhuma propriedade rural. No entanto, segundo o Sistema Nacional de Cadastro Rural do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (SNCR/Incra), ele é o único proprietário da Fazenda Papoula, um imóvel de 2.961 hectares em Alta Floresta (MT).
Ele é um dos raros casos de parlamentares que perderam patrimônio. Em 2006, havia declarado pouco mais de R$ 3 milhões ao TSE, incluindo terrenos em Cascavel e Francisco Beltrão.
Covatti Filho ganhou projeção nacional por ser autor do PL 3200/215, que ampliou o escopo do PL 6299/02, de autoria do sojeiro e ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, transformando-o no atual PL do Veneno. O texto foi relatado pelo paranaense Luiz Nishimori, personagem de uma série de reportagens do observatório: “Nishimori, do PL do Veneno, fez acordo por dívida de R$ 1,5 milhão com a Syngenta“.
Assim como Nishimori, o gaúcho recebeu financiamento do setor. Um dos principais doadores de sua campanha em 2018, com R$ 50 mil, foi Canisio Froelich, presidente da Cooperativa de Produtores de Algodão (Unicotton) e dono de fazendas no Mato Grosso e no Tocantins.
O pepista é autor do PL 10499/18, que modifica as regras para a concessão de crédito rural, em tramitação. Além disso, foi secretário de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul (2019-2021). “Obviamente vamos ter alguns embates, mas essa presidência sempre vai ser pela construção”, comentou Covatti.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
Imagem principal (De Olho nos Ruralistas): Indicações para presidência de comissões devem facilitar a vida do governo e da FPA
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