Dossiê “Os Invasores” mostra incidência de duas exportadoras de madeiras nativas nas TIs Batelão e Aripuanã; sócios comandam setor no Mato Grosso e vendem imagem sustentável na Conferência do Clima; invasor Siderlei Mason é ex-sócio de Junior Durski, do Madero
Por Bruno Stankevicius Bassi e Tonsk Fialho
Da extração de espécies nativas da Amazônia à indústria do eucalipto nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, o Brasil se destaca como um dos maiores produtores mundiais de madeira, gerando US$ 82,5 milhões em receitas de exportação. O setor madeireiro também se destaca por outro motivo: como um dos principais catalisadores do desmatamento no país.
Dados de 2016 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que entre 43% e 80% de toda madeira nativa extraída da Amazônia são obtidos de forma ilegal — isto é, sem o Documento de Origem Florestal (DOF) emitido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Isso costuma significar que as toras tiveram origem em terras públicas, como Unidades de Conservação e territórios indígenas.
O setor é um dos destaques do relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado na última quarta-feira (19) pelo De Olho nos Ruralistas. Com base nos dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o estudo identificou pelo menos quinze grandes incidências de empresários do ramo madeireiro em terras indígenas demarcadas pela Funai no Mato Grosso, Maranhão, Pará e Bahia.
Entre conexões políticas e multas por desmatamento ilegal, esses executivos compartilham um histórico de lobby nacional e internacional, defendendo a “sustentabilidade” do setor madeireiro enquanto suas empresas avançam, ocultas, sobre os territórios tradicionais.
Confira abaixo na tabela:
Baseada em Curitiba, a Sinopema Indústria e Comércio de Madeiras é a única proprietário da Fazenda Sinopema, um mega latifúndio de 64,5 mil hectares, dos quais 20.570,01 ha incidem diretamente sobre a TI Batelão, em Brasnorte (MT). Esta Terra Indígena atualmente aguarda a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) iniciar a demarcação dos limites do território. Em 2012, a empresa foi investigada pela Polícia Federal na Operação Jurupari, que apurava a ocorrência de fraudes na concessão de licenciamento e autorização de desmatamentos em Mato Grosso.
Entre os acusados pelo Ministério Público Estadual estavam dois dos sócios da Sinopema, Antônio Necy Cerri Cherubini e Luiz Carlos Fávero. A denúncia foi anulada em 2022 após uma decisão da 5ª Vara Federal de Mato Grosso, que remeteu o caso à Justiça comum. Apesar das ocorrências, a Fazenda Sinopema é considerada referência em manejo sustentável na Amazônia.
Um terceiro sócio, Alvarez Cherubini, foi chefe do Departamento de Defesa e Sanidade Animal da Secretaria da Agricultura do Paraná em 2005, durante o segundo governo de Roberto Requião (então no MDB). Edgar Cherubini, da mesma família, é dono da Jatobá Agronegócio Ltda, da Noroeste Agronegócio e da Agrobil Madeiras, com subsidiárias em Tabaporã e Chapada dos Guimarães (MT).
Único sócio que não pertence à família Cherubini, Luiz Carlos Fávero é fundador e presidente do Sindicato das Indústrias Madeireiras do Norte do Estado de Mato Grosso (Sindusmad), principal associação representativa do setor e cuja atuação vem extrapolando as fronteiras nacionais. Seu filho, Aroldo Fávero, também ocupou a presidência em 2021, e atualmente compõe a diretoria da organização.
Em 2009, o sindicato enviou pela primeira vez um representante à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), em sua 15ª edição, com a missão de “mudar a imagem dos empresários madeireiros”. Dez anos depois, em 2019, a associação enviou uma delegação própria à COP25, em Madri, com a proposta de reforçar o papel do setor madeireiro como defensor do ambiente. Nessa linha, o sindicato anunciou em 2021 o registro da marca “Guardiões da Floresta” — coincidentemente, o mesmo nome adotado pelo grupo de indígenas Guajajara da TI Arariboia, no Maranhão, que teve dois de seus principais líderes assassinados enquanto patrulhavam o território para expulsar madeireiros ilegais.
Além das articulações internacionais, o Sindusmad de Luiz Carlos Fávero integra o Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira do Estado de Mato Grosso (Cipem), que congrega o setor madeireiro no estado. Em 2019, o Cipem realizou um de seus encontros justamente na Fazenda Sinopema, administrada por Fávero e pela família Cherubini.
Desde 2018, o centro é presidido por Rafael José Mason, sócio na SM Laminados Importação e Exportação. A empresa de comércio exterior é uma subsidiária da SM Laminados, grupo fundado por Siderlei Luiz Mason, um dos principais empresários do setor madeireiro de Mato Grosso.
Outro braço do grupo, a SM Agroflorestal possui uma sobreposição de 5,56 hectares nos limites da TI Aripuanã, vizinha da Fazenda Gleba Paraíso. O território do povo Cinta Larga é regularizado desde 1991, o que faz dessa incidência uma invasão ilegal, segundo os dados do Incra.
Membro da diretoria da Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso (Fiemt), Siderlei foi sócio de Júnior Durski, dono da rede de restaurantes Madero. A empresa dos dois, chamada MGM Agroflorestal, aparece em um inquérito da Polícia Federal, de 2005, apontada como coordenadora das invasões à TI Kawahiva do Rio Pardo, em Colniza (MT), conforme revelou uma reportagem conjunta de O Joio e o Trigo e De Olho nos Ruralistas.
Mason teve prisão temporária solicitada à época pelo Ministério Público Federal, acusado por um funcionário da Funai de “estimular e fornecer meios para que uma frente de ocupação de grandes proprietários se instale nos limites e entorno da TI Kawahiva do Rio Pardo”. Apesar do inquérito contra a MGM, Durski só abandonou a atividade madeireira oficialmente em 2018, quando assumiu o projeto de expansão da rede Madero, que hoje conta com mais de 270 restaurantes, incluindo unidades nos Estados Unidos.
As 1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo relatório “Os Invasores” comprovam que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo agrário. Entre os atores dessa política de expansão desenfreada sobre os territórios tracionais estão algumas das principais empresas do agronegócio brasileiro e global.
Os casos descritos na pesquisa estão sendo detalhados também em uma série de vídeos e reportagens, publicada pelo observatório. Em muitos casos elas trazem informações complementares às do dossiê, mostrando as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.
Confira abaixo o vídeo sobre o dossiê:
| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |
|| Tonsk Fialho é estudante de Direito na UFRJ e pesquisador, com foco em sindicatos e movimentos sociais. ||
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