Um dia após dançar o Toré e falar sobre a luta pela terra em evento, ele foi morto na porta de sua casa, na aldeia em Palmeira dos Índios, dez anos após a morte de Maninha Xukuru-Kariri
Por Renato Santana, do Cimi
João Natalício dos Santos Xukuru-Kariri, histórica liderança dos povos indígenas do Nordeste, foi assassinado a facadas na madrugada desta terça-feira (11/10) na porta da casa onde vivia, na aldeia Fazenda Canto, Terra Indígena Xukuru-Kariri, a 7 quilômetros da cidade de Palmeira dos Índios, Alagoas. Seu João, como era chamado, participou ontem da abertura do II Seminário Pedagógico: A Caminhada dos Guerreiros e Guerreiras Xukuru-Kariri, que trouxe a memória de Maninha Xukuru-Kariri, morta há dez anos. A foto acima, durante a atividade, foi o último registro de Seu João – que está de boné, camisa de botão e bermuda.
De acordo com o chefe da Coordenação Técnica Local (CTL) da Fundação Nacional do Índio (Funai), Cristóvão Marques da Silva, presente na aldeia Fazenda Canto, até o final da manhã o corpo ainda estava no local no aguardo da perícia da Polícia Civil e do Instituto Médico Legal (IML). “Eu estive na delegacia para agilizar os procedimentos e ao que parece, além das facadas, João foi atingido também por disparos de arma de fogo”, explica Silva. O apelo da morte é tamanho que indígenas de todo o território foram para a casa de Seu João.
Por volta das 4 horas da madrugada, enquanto Seu João se preparava para ir ao roçado que mantinha, dois indivíduos não identificados chamaram a liderança. O indígena saiu da casa para ver quem era. Com alguma conversa atraíram o Xukuru-Kariri e desferiram os golpes de faca; também os disparos de arma de fogo, a serem confirmados pela perícia. Ao que tudo indica, os assassinos conheciam Seu João.
“A região tem um histórico de violência por conta da luta pela terra. Seu João era uma liderança antiga do povo”, afirma uma liderança Xukuru-Kariri que não identificamos por razões de segurança. O indígena explica que a aldeia Fazenda Canto é composta pelos 72 hectares demarcados em 1952, onde Seu João morava, e pela retomada realizada nos últimos anos e parte da demarcação em curso pela Funai, mas paralisada.
Integrantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) estiveram ontem com Seu João, na abertura do Seminário com a tradicional procissão do povo com a imagem de Nossa Senhora Aparecida. “É uma situação muito triste. Ele estava feliz e falando da luta do povo pela terra, relembrando com muita felicidade de Maninha Xukuru-Kariri”, diz Francisco Bispo, padre e missionário do Cimi.
Na abertura do II Seminário, Seu João fez uma fala emocionada sobre Maninha Xukuru-Kariri e dançou o Toré. Participou da procissão e de toda a programação do dia. “Cancelamos o II Seminário, que deveria acabar só amanhã. Estamos todos assustados e tristes. Não sabemos quem foram os autores desse crime. Seu João não era envolvido com nada de errado, mas alguém já antigo e respeitado pelo povo”, diz um Xukuru-Kariri.
Angelo Bueno, também missionário do Cimi, conheceu Seu João em 1992, durante uma reunião da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). “Sempre uma pessoa discreta e fiel guerreiro do movimento indígena, ajudando nas ações de planejamento e avaliação da luta como também sempre foi um animador do Ritual, do Toré”, ressalta Bueno.
Seu João gostava de uma boa prosa. Em entrevista ao Cimi, durante a Assembleia Xukuru-Kariri de 2014, o indígena fez questão de conversar apenas depois de fazer um café, enrolar um cigarro e acomodar a todos na sala de sua casa, em cujo quintal foi morto. Nas paredes caiadas de azul, Seu João mantinha os retratos pintados de seus pais, em molduras antigas e gastas, além de instrumentos rituais do povo: cocar, maracás e arcos e flechas.