Agroecologia: institucionalizando a alternativa?

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A ascensão das candidaturas populares, alimentadas por integrantes de movimentos sociais, deflagra em movimentos agroecológicos uma nova perspectiva de interação com as instituições

Por Inés Morales Bernardos, Jon Sanz Landaluze, Marian Simón Rojo*, Diagonal Periodico

Não veremos uma revolta do pão em nossas ruas. Ser parte, inclusive como convidado modesto, do “clube de ganhadores” nos faz sentir a salvo da fome e de crises alimentares, beneficiados pelo sistema alimentar globalizado. Ainda assim, uma parte da nossa sociedade privilegiada quer reagir perante aos problemas que gera esse sistema sustentado na exploração, que concentra o poder cada vez em menos mãos, aumentando a desigualdade e nos fazendo extremamente vulneráveis na satisfação de uma necessidade fundamental, a alimentação.

Em 1996, a Plataforma Rural, acompanhando o movimento da Via Campesina em nível mundial, impulsionou um processo de cooperação entre agricultores ecológicos e consumidores urbanos que, com o apoio de coletivos do movimento anti-Maastricht em Madrid, proporcionou em 1997 a criação dos grupos autogestionários de consumo. Grupos que se configuram como espaços de militância no cotidiano, organizados conforme princípios de apoio mútuo e autogestão cuja articulação em rede constituiu o começo do movimento agroecológico em Madri.

Logo, outras experiências como Bajo el Asfalto está a Horta ou Surco a Surco buscaram construir espaços de relação e intercâmbio à margem do mercado. O panorama foi se enriquecendo com a Coordenação de Grupos de Consumo Agroecológico, Iniciativa pela Soberania Alimentar, Rede de Hortas Urbanas, Rede Autogestionada de Consumo e redes agroecológicas de bairros, como a RAL. Sua articulação com outros movimentos sociais, ecologistas, anticapitalistas ou de economia solidária, com mobilizações nas Semanas de Luta Social ou as Semanas Estatais Contra os Transgênicos e pela Soberania Alimentar, situam o movimento agroecológico no mapa de movimentos sociais de Madri.

(Foto: Álvaro Minguito)
(Foto: Álvaro Minguito)

ASSALTO ÀS INSTITUIÇÕES

Durante muito tempo, com o território madrilenho submetido a políticas neoliberais, esses coletivos foram espaços de resistência da soberania alimentar, para recuperar o controle social da produção e dos canais de acesso aos alimentos. A incursão das candidaturas populares, alimentadas pelos movimentos sociais, oferece a oportunidade de unir esforços e pensar uma nova maneira de interagir com as instituições. Assim, a Rede de Economia Alternativa e Solidária, em seu congresso de novembro de 2014, elaborou a Carta pela soberania alimentar de nossos municípios.

Em paralelo abriram-se espaços de debate local e candidaturas com Ahora Madrid na capital, que incorporaram em seu programa medidas voltadas para a economia social e sustentável, fomentando o consumo alternativo e os projetos agroecológicos. Em janeiro de 2015, coletivos vinculados à agroecologia criaram a plataforma Madri Agroecológica, que tem uma forte vontade de reivindicar políticas agroecológicas que transformem o modelo de produção e consumo de alimentos na bioregião.

Nem todos se enquadram nessa dinâmica: uma parte das iniciativas agroecológicas, como os coletivos autônomos que integram a produção e o consumo, optam por se manter fora das instituições. São espaços imprescindíveis, com um enorme valor simbólico, apesar de sua reduzida dimensão, pois traduzem os princípios da soberania alimentar em novos modos de se organizar, trabalhar e consumir. Enquanto isso, quem decidiu explorar o caminho institucional vai aprendendo sobre como se passa dos modos de “co-criar” na gestão coletiva de recursos naturais e alimentos para um papel ativo e consciente na “coprodução” de políticas públicas.

PROPOSTAS E REALIDADES

Com as eleições municipais (maio 2015) chegou o “assalto institucional” e os partidos das candidaturas cidadãs ganharam prefeituras e obtiveram um lugar de destaque na oposição, permitindo a abertura de espaços de construção coletiva nas políticas públicas. Neste novo contexto, a plataforma Madri Agroecológica e outras iniciativas parecidas contribuíram com suas propostas, que se dividiram em dois blocos: o autônomo e o municipal. A escala autônoma, com um governo conservador, não avançou grande coisa. A plataforma se somou ao comitê do Plano de Desenvolvimento Rural, que não passa de um espaço bastante burocrático.

madridagrocomposta

A nível municipal, em diferentes territórios, existem coletivos trabalhando para incorporar um foco agroecológico nas políticas públicas. Como acontece na Serra do Norte, em Leganés, em Zarzalejo e Serra Oeste e no corredor de Henares. Acontece também na cidade de Madri, onde as propostas da plataforma já foram traduzidas em projetos concretos: Madrid Agrocomposta recupera restos orgânicos e os destina a hortas periféricas onde são realizadas compostagens; há também os Mercados Agroecológicos que permitem aos produtores/as agroecológicos/as das áreas periféricas vender diretamente seus produtos no centro da cidade. A plataforma também participa na comissão do Pacto de Milão e trabalha para que sejam implementados refeitórios ecológicos em escolas infantis de gestão municipal.

Nem tudo tem sido um mar de rosas; embora seja cedo para fazer um balanço, estes meses têm permitido constatar que o mecanismo institucional tem uma grande inércia em sua lógica e funcionamento. Desenhar regulações e normas, que não estão totalmente pensadas a partir da agroecologia, revelou-se possível no caso de novos projetos como a da agrocompostagem ou dos mercados ambulantes. Para os resíduos, a prova de fogo chegará com a revisão de contratos e projetos, num momento crítico para reconduzir a gestão a partir da economia social. Por outro lado, nos lugares onde as demandas cidadãs se ancoram em lugares concretos, com um passado de espaços disputados pelos desenvolvimentos urbanísticos (como a Quinta de Torre Arias ou o SPA Maravillas, ameaçado por um despejo iminente), as mudanças parecem lentas e podem tomar um rumo oposto.

Esses espaços em disputa mostram que os governos de candidaturas populares ainda estão submetidos as pressões e interesses que têm dominado esta região durante os últimos 25 anos. Assim, fica evidente a necessidade de que as ruas sigam vivas como um contrapoder cidadão, que questione as relações de poder e exija dos governos o cumprimento de seus compromissos. Os movimentos agroecológicos entendem que a alimentação também é política e se colocam contra a opção de seguir trabalhando alternativas à margem do sistema ou assumir a dose necessária de responsabilidade para construir junto às instituições um novo modelo econômico e social.

Plataformas como Madri Agroecológica têm optado firmemente pela última alternativa, mas são conscientes de que é essencial manter o pulso como um movimento social. Que se consiga ou não, dependerá da capacidade de envolver coletivos e consolidar uma base social comprometida e ativa.

Isso passa por sair dos tradicionais âmbitos de influência e por espalhar as mensagens a uma camada mais ampla da sociedade. É o que pretende Madri Agroecológica com a campanha #LoQueEscondeLaComida. Em outubro estarão presentes nas festas populares do bairro de Pilar (Madrid), com atividades variadas – com a comida como epicentro – que combinam arte e denúncia e convidam a questionamentos ao atual sistema agroalimentar.

* Pesquisadoras de movimentos osciais e agroecológicos e membros do coletivo Surcos Urbanos.

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