Coordenador da Rádio Yandê conta história de sua etnia e de sua família, marcada pelo contexto urbano e, no retorno à aldeia, pela violência
Por Alceu Luís Castilho
Com mãe negra e pai tupinambá, Anápuáka Muniz Tupinambá Hã-Hã-Hãe ouviu desde cedo, do pai, quem ele era: “Ser indígena no Brasil é nascer morto”. Indígena nascido na urbe, em São Paulo, conheceu as tradições de seu povo quando criança, após o pai decidir voltar para a aldeia, no sul da Bahia. E testemunhou a realidade dos jagunços: perdeu o irmão decapitado, um sobrinho dilacerado, viu mulheres da aldeia serem violadas.
Por isso tudo Anápuáka tem medo. Um dos coordenadores da Rádio Yandê, a primeira rádio web indígena do Brasil, ele sofre com as violências e invoca a ancestralidade como motivação: “Eu tenho medo, muito medo. Mas é um medo que me obriga a lutar. Penso que um dia pode não ter indígena. A Yandê não vem da coragem, vem do medo. A Rede de Cultura Digital Indígena também, vem do medo. Tenho o medo como um sentimento de auxílio na minha própria luta”.
Ele concedeu entrevista ao De Olho nos Ruralistas no estúdio do observatório, no Bexiga, em São Paulo. Dentro do De Olho TV, um programa quinzenal de WebTV. O primeiro bloco trata da trajetória de sua etnia e de sua família. Com uma introdução ao universo político – e jurídico – de seu povo. O segundo bloco detalhará os conflitos com os fazendeiros e com o poder político. O terceiro contará a história da Rádio Yandê e os planos do projeto para 2017.
Anápuáka não narra com romantismo a história dos Tupinambá. A história da etnia é também uma história de dominação, de conquistas. De mulheres e crianças mortas. De expansão e, depois, de extermínio – pelos brancos. Até as retomadas, com as histórias recentes de conflitos com fazendeiros. Ele define essa etnia como essencialmente política – e é essa tradição que ele procura seguir.
AS REGRAS SÃO CLARAS
Anápuáka destaca o papel do universo jurídico na luta dos indígenas. Sua família leu o Código Civil, o Código Ambiental, a Constituição. Entende o poder do conhecimento para enfrentar o inimigo – os brancos que querem ocupar terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas. “Policiais não entendem de direito”, exemplifica. Quando tentam agir de forma abusiva, indígenas barram na hora.
Ele considera as regras dos brancos menos claras que as regras indígenas. “Complicam demais. A gente é muito mais objetivo. A explicação indígena é muito pontual. Toda cercada de vivências, de experiências que todo ser humano devia ter. E, normalmente, as explicações jurídicas que o não indígena produz são redundâncias, baseadas na submissão ao outro. Povo tradicional sabe o que quer”.