Servidores buscam reparação pelo envenenamento por pesticidas usados contra vetores da malária, febre amarela e dengue
Por Inês Castilho
O Estado Brasileiro foi denunciado à Organização dos Estados Americanos (OEA) pelo abandono dos trabalhadores federais da extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), gravemente intoxicados por DDT ao combater endemias como febre amarela, malária e dengue, ao longo do século 20. A denúncia ocorre no mesmo momento em que um surto de febre amarela assalta o país, irradiado pela Minas Gerais pós-Samarco.
A denúncia, feita pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais de Rondônia (Sindsef/RO), aponta a omissão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário diante da violação dos direitos à saúde e à vida de centenas de trabalhadores – muitas vezes também de esposas e filhos –, e pede que o Governo arque com as despesas de tratamento de saúde e indenização por danos morais.
O Sindsef/RO – que tem um de seus dirigentes, Daniel Pereira (PSB), acumulando o cargo de vice-governador de Rondônia – espera que a denúncia seja acatada e encaminhada a julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos, presidida pelo juiz brasileiro Roberto de Figueiredo Caldas.
Câncer, diabetes, problemas neurológicos, alergias, danos no fígado e nos rins são doenças associadas à exposição ao DDT (dicloro-difenil-tricloroetano), considerado cancerígeno. O pesticida foi usado em larga escala no Brasil para combater os vetores de endemias por mais de 50 anos, até a década de 90, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste.
A demora da tramitação dos processos na Justiça é também objeto da denúncia: ações se arrastam há décadas na Justiça Federal e do Trabalho. Pouquíssimos servidores conseguiram ser tratados por determinação judicial, embora existam muitas decisões nesse sentido, pois a União recorre das decisões e suspende o cumprimento das ordens judiciais.
Há m Projeto de Emenda à Constituição no Senado, a PEC 17/2014, que prevê indenização de R$ 100 mil por vítima. Está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, sob relatoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO). O líder do governo, senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP), questionou a medida e pediu vistas.
O movimento pelo tratamento à saúde e indenização dos trabalhadores da extinta Sucam, substituída em 1991 pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), abrange trabalhadores do Acre, Pará, Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Alagoas e Distrito Federal.
“ELIXIR DA MORTE”
Somente em 2009, quando mais de 40 países já haviam proibido o DDT, é que foi impedido no Brasil o seu uso, fabricação, importação, exportação, manutenção em estoque e comercialização. Isto conforme a Lei 11.936/2009, de iniciativa do então senador Tião Viana (PT-AC), hoje governador do Acre.
A produção em massa do DDT chegou ao máximo no início da década de 60, quando a bióloga norte-americana Rachel Carson expôs os danos causados por ele no livro Primavera Silenciosa, de 1962. A droga, descrita pela autora como “elixir da morte”, é um potente inseticida que contamina os lençóis freáticos e pode ser absorvido pela pele, pela respiração e por via digestiva. De efeito cumulativo na fauna e na flora, provoca sua lenta degradação, contaminando seres humanos diretamente ou por intermédio da cadeia alimentar.
O DDT foi utilizado em larga escala no Brasil até 1992, sem nenhuma proteção para os trabalhadores. Por falta de informação, os próprios “malaieios”, como eram chamados, usavam o mesmo balde em que preparavam o veneno para armazenar água de sua alimentação. Muitos familiares também foram intoxicados, já que suas roupas eram lavadas em casa pela esposa e pelos filhos.
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