Repórteres de “O Livre” detalham aquisição de terras de ministro em parque no MT; um deles era velho conhecido, de licitação suspeita, no RS
Há duas semanas, os repórteres Bruno Abbud e Ednilson Aguiar, do jornal O Livre, foram enxotados do Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco, no Mato Grosso, por dois policiais civis carregando metralhadoras. O motivo? Apuravam a existência de uma pista de pouso clandestina nas fazendas do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, compradas em área do parque. Os jornalistas ludibriaram os policiais e saíram às pressas, mas não se intimidaram. Na semana passada começaram a publicar uma série de reportagens sobre as irregularidades nas fazendas do ministro.
Na primeira delas, intitulada “As estranhas terras do ministro Padilha“, uma revelação: as fazendas Paredão I e Cachoeira foram compradas de executivos da CMT Engenharia. Um dos sócios-proprietários da empreiteira foi investigado, junto com Padilha, na época deputado federal (PMDB-RS), em operação da Policia Federal no Rio Grande do Sul. Ele é Francisco José de Moura Filho, investigado pela PF em 2007, na Operação Solidária. Moura e Padilha eram suspeitos de tramar a fraude na licitação da barragem do Arroio Taquarembó, que tinha uma previsão de investimento de R$ 54,6 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Padilha teria agido para que a empreiteira vencesse a licitação. A suposta fraude foi descoberta em 2010; em 2012 a PF abriu inquérito e o MPF denunciou o caso. Em 2016, oito anos após a operação ser deflagrada, quatro funcionários da ex-governadora Yeda Crusius (PSDB-RS) foram condenados a 6 anos de prisão. O caso de Padilha foi parar na mesa do Supremo Tribunal Federal (STF) por causa do foro privilegiado. Sua defesa conseguiu anular as interceptações telefônicas. O inquérito foi arquivado. Moura Filho, absolvido.
A empreiteira participa de obras de infraestrutura em todo o país. Em junho de 2015, o MPF de Tocantins qualificou a empresa como “detentora de inquestionável histórico de desvios de recursos públicos ocorridos na realização de grandes obras de engenharia nos últimos anos”, ao investigar as obras da rodovia TO-070, que tiveram, segundo os procuradores, um superfaturamento de R$ 14 milhões.
CONEXÃO URUGUAIA
De acordo com a reportagem, a fazenda Cachoeira, de 2.348 hectares – onde foram desmatados ilegalmente 735 hectares – foi comprada por R$ 380 mil, pelo ministro Padilha, de uma offshore uruguaia representada por Moura Filho e Edson Navarro Mendes Penna, diretores da CMT Engenharia. A antiga proprietária da fazenda era a empresa Gallardia Administração de Bens e Participações Ltda, constituída em 2002 com um capital social de R$ 200 mil.
Desse total, R$ 199,999 mil pertenciam à Nicton Group S/A, offshore sediada no Uruguai, e o R$ 1 restante pertencia ao empreiteiro Moura Filho, representante da Nicton no Barsil. Três anos após a descoberta da fraude no Rio Grande do Sul, a Gallardia vendeu 40% da fazenda para a Jasmin Agropecuária e Florestamento Ltda, de propriedade do ministro e de sua mulher, Maria Eliane Aymone Padilha. Os outros 60% ficaram com seu ex-assessor – e sócio em outras fazendas no Mato Grosso – Marcos Antonio Assis Tozzati.
A Gallardia foi extinta em 2015. Em julho de 2006, como observaram os repórteres de O Livre, o endereço foi transferido de Montevidéu, no Uruguai, para a Rua Uruguai, 117, no Jardim São Luiz, em Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo. Além disso, a empresa passou a valer, em 2005, R$ 6,6 milhões – o que representa um salto de mais de 3.000% em apenas dois anos.
A fazenda Paredão I, de 2.955 hectares – dos quais 1.344 foram desmatados pelo ministro e seu sócio -, foi comprada em 2013 pela Agropecuária Dersena Ltda, empresa de Edson Navarro Mendes Penna. Penna teve uma rápida passagem pela Gallardía em 2004 e também foi diretor da CMT Engenharia. Em 2007, a fazenda Paredão I foi transferida da Gallardia para a Darsena.
MINISTRO FOI DENUNCIADO PELO MPE
O ministro foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPE) por desmatar ilegalmente 2 mil hectares. Somando os outros réus, o parque no Mato Grosso já perdeu 19 mil hectares, dos 158 mil hectares de sua área, segundo levantamento do MPE e da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Eles identificaram desmatamento irregular, atividade pecuária sem licença e até mesmo trabalho escravo, entre 1998 e 2015.
Em dezembro, Padilha e outros fazendeiros foram condenados pela Justiça e tiveram cerca de R$ 949,5 milhões em bens bloqueados, por causa da degradação ambiental.
Um mês depois, o procurador-geral de Justiça em exercício do Mato Grosso, Luiz Alberto Esteves Scaloppe, e a promotora de Justiça Regiane Souza de Aguiar acusaram o governador Pedro Taques (PSDB) de usar a Procuradoria Geral do Estado para reverter as ações do MPE na Justiça e beneficiar os fazendeiros. “Uma pessoa que consegue mover um governador, um vice-governador e a diretoria da Sema tem que ser poderosa e eu deduzo que seja o ministro Padilha”, afirmou o procurador-geral.
As multas relativas ao desmatamento de 2 mil hectares, nas fazendas Cachoeira e Paredão I, somam R$ 108 milhões.
O QUE DIZ O GOVERNO ESTADUAL
Em nota, o governo estadual negou terem ocorrido ameaças à equipe do portal O Livre. Disseram que os jornalistas foram barrados pelos fiscais da Sema por causa das normas de segurança do parque. Sobre os policiais no local, a nota diz que eles fazem a segurança da equipe da Sema: “A Polícia Civil também esclarece que os dois policiais civis estavam uniformizados e armados, por se tratar de trabalho ostensivo e a região apresentar perigos relacionados a conflitos agrários e ainda ser rota do narcotráfico”.
Em nota, ministro declarou: “Não tenho nada a declarar, pois o alegado fato não existe”.
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