Controlada pela bancada ruralista, CPI criminaliza até procuradores; associações ligadas aos direitos indígenas divulgam protestos
Por Izabela Sanchez
Foto principal: Mídia Ninja
Pensada, articulada e aprovada pela bancada ruralista, a segunda Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) aprovou o relatório final na quarta-feira (17/05). Ele pede o indiciamento de mais de 70 pessoas. Associações ligadas aos direitos indígenas e aos povos do campo e entidades criminalizadas pela CPI emitiram notas de repúdio.
O relatório final tem mais de 3 mil páginas. A lista de indiciados inclui procuradores da República, antropólogos, entidades indigenistas e lideranças indígenas. A CPI foi presidida pelo deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), que já defendeu abertamente a resistência armada conta indígenas, durante uma audiência no Rio Grande do Sul. O relator foi o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
A CPI foi chamada de arbitrária pelas entidades, que criticam, além do peso da bancada ruralista, a falta de rito dos processos. O advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Henrique Eloy, por exemplo, sequer foi ouvido pela Comissão.
PROCURADORES CRITICAM CPI
Diversos procuradores da República integram a lista de indiciamentos. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) emitiu nota em apoio ao trabalho do Ministério Público Federal, assinada pelo procurador regional José Robalinho Cavalcanti. Para a Associação, há uma tentativa de constranger a atuação do MPF:
– Causa preocupação, ainda, que o relatório da CPI, além de tentar constranger a atuação regular e institucional do MPF, acuse e intimide antropólogos e associações que se empenham na defesa das causas indígenas e de comunidades tradicionais. Defender o direito às terras de nossas comunidades indígenas é uma imposição da Constituição e um dever de toda a sociedade brasileira. Desconhecer estes direitos, e atacar os que atuam em sua defesa, por outro lado, apenas traz prejuízos à democracia, à lei e à paz.
Confira a nota na íntegra.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também repudiou a CPI, em nota que critica a “militarização e loteamento da Funai”. Para a associação, a nomeação de um general do exército para o comando da pasta e a Comissão Parlamentar foram ações articuladas:
– A nomeação pelo Ministro Chefe da Casa Civil, Eliseu Lemos Padilha, do General Franklimberg Ribeiro de Freitas para exercer, interinamente, o cargo de Presidente da Funai constitui mais uma afronta aos povos e organizações indígenas de todo o país, que durante intensas jornadas de mobilização em 2016 se posicionaram, contra a indicação do militar ao cargo de presidente da instituição, não só por sua vinculação militar, mas também pelo fato de ser um indicado do Partido Social Cristão (PSC), agrupação reconhecidamente contrária aos direitos indígenas dentro e fora do Congresso Nacional.
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Indiciados pela CPI, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também se posicionaram. O CTI classificou a Comissão de “perseguição política e criminalização de adversários da bancada ruralista”. A nota critica o indiciamento de membros do CTI e emite preocupação sobre as propostas ruralistas do relatório final:
– As proposições apresentadas no texto base do relatório da CPI são extremamente preocupantes para a sociedade brasileira e para a democracia: o relator da CPI nega, mas na prática o relatório defende a extinção da Funai e a criação de um novo órgão que perderia o papel de coordenação dos processos de demarcação de terras indígenas.
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O Cimi foi alvo, em 2016, de CPI na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. O Ministério Público Estadual em Mato Grosso do Sul (MPE-MS) e o Ministério Público Federal no Mato Grosso do Sul (MPF-MS) arquivaram as investigações. Por meio de nota, o Cimi afirma que nenhum membro da entidade foi chamado para prestar esclarecimentos:
– Num contexto de perseguição política, ataque deliberado contra os marcos constitucionais, tentativa de retorno ao escravagismo no campo e venda do território brasileiro para estrangeiros por parte dos ruralistas, ser acusado e indiciado por eles no âmbito da CPI da Funai/Incra constitui-se num atestado de bons serviços prestados ao Brasil, à Constituição brasileira e à causa indígena em nosso país.
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PERSEGUIÇÃO A ANTROPÓLOGOS
Os antropólogos que trabalharam nos processos de demarcação de terras também foram criminalizados. A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) manifestou apoio aos profissionais da antropologia:
– A Presidência e a Diretoria da Associação Brasileira de Antropologia – ABA manifestam indignação sobre a trágica solicitação de indiciamento de indígenas e de quem em diferentes funções contribui para a defesa dos direitos de indígenas e quilombolas, por parte de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI Funai/Incra2 que se faz em nome de interesses de setores políticos e grupos econômicos.
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O Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Brasília (UnB) também emitiu nota e declarou que a CPI foi arbitrária:
– A arbitrariedade que marcou a condução dos trabalhos se mostra de maneira particularmente acentuada no fato de que a grande maioria dos antropólogos que a CPI quer indiciar não foram sequer ouvidos, e aqueles que o foram se viram submetidos a acusações sem qualquer fundamento e sem qualquer preocupação em considerar os procedimentos metodológicos que guiam a produção científica da disciplina. Assim, a CPI não leva em conta que estes estudos técnicos e laudos periciais estão baseados em evidências empíricas, nem observa que estes trabalhos tiveram o objetivo de avaliar, em contextos concretos, a adequação ou não das situações estudadas aos requisitos previstos na Constituição brasileira de 1988 quanto aos direitos de indígenas a terras e de quilombolas a territórios.
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