Pecuaristas e madeireiros ameaçam povo Krikati, no Maranhão

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Nogueira Krikati foi assassinado em julho, enquanto dormia na rede; decisão da Justiça, em junho, animou os invasores da Terra Indígena

Por Renato Santana, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Nogueira Krikati talvez nem tenha percebido a morte levá-lo. Dormia numa rede, amarrada entre duas árvores do quintal de uma casa no bairro Vaquejadas, em Montes Altos (MA), quando dois indivíduos não identificados desferiram pauladas em sua cabeça. Era manhã do dia 1 de julho.

O assassinato de Nogueira encerrou os primeiros seis meses do ano com algo nunca visto entre a população de 1200 indígenas do povo Krikati: 15 mortes relacionadas a causas inseridas exclusivamente no duríssimo contexto a que estão submetidos; três suicídios, um assassinato e 11 falecimentos decorrentes do alcoolismo.

Para a Polícia Civil, o caso de Nogueira ainda está sob investigação. Duas hipóteses são ventiladas: a homologação da Terra Indígena Krikati envolve uma área de Montes Altos, gerando um ambiente hostil aos indígenas; ou seja, um crime de ódio. Em outra linha, Nogueira teria flagrado ações de madeireiros na terra indígena.

“Estamos num momento crítico, com uma decisão judicial que acirrou o conflito e as ameaças contra o nosso povo”, explica Edilena Krikati. A indígena se refere a uma decisão de junho da Primeira Vara da Justiça Federal de Imperatriz (MA) onde um novo laudo pericial deverá ser feito para comprovar se a área da aldeia Arraia é tradicional.

Trata-se do Bloco F da demarcação. Nele estão mais de 240 posseiros e fazendeiros de gado; uns ocupantes de boa-fé e outros não. A Fundação Nacional do Índio (Funai) começou a indenizá-los para completar a desintrusão, e muitos já tinham se retirado – a Terra Indígena Krikati está registrada, etapa posterior à homologação, com 144.775 hectares entre os municípios de Montes Altos, Sítio Novo e Amarantes (Cimi, 2017).

Na terra indígena vivem ainda indígenas Tenetehar/Guajajara. “Com a decisão esses posseiros e fazendeiros que tinham saído começaram a voltar, mesmo os indenizados, e ganharam força. Ameaças, agressões e invasões aumentaram muito”, explica Edilena Krikati. No último final de semana, o cacique André Krikati, da aldeia Arraia, sofreu nova ameaça.

Distante cerca de 200 metros da aldeia, um bar reúne diariamente toda a gente que costuma praticar violências contra os Krikati. “Entraram na aldeia e xingaram, ameaçaram. Tememos pelas mulheres e crianças. Todo final de semana acontece a mesma coisa”, relatou na manhã desta segunda-feira, 14, o cacique André.

O Ministério Público Federal (MPF), a Funai e a Polícia Federal foram comunicados dos acontecimentos. Pouco antes do assassinato de Nogueira, dois indígenas adultos e quatro crianças foram pescar no rio Arraia, o maior que cruza o território. Homens armados apareceram e os expulsaram a tiros. Ninguém ficou ferido.

“Impedem a gente de pescar, pegar frutos, caçar, fazer a retirada de embira para adornos e o babaçu, que a gente coleta também”, destaca Edilena. As fazendas incidentes na terra indígena são de gado, o que tem gerado desmatamentos associados à exploração madeireira.

FUNAI SUCATEADA

Os Krikati denunciam ainda o completo sucateamento da Funai. Na Coordenação Técnica Local (CTL) de Montes Altos já não há mais servidores. Conforme os autos processuais, o órgão não ajuizou ação pedindo a saída dos invasores da terra, sobretudo os já indenizados, o que para os Krikati se tornou um argumento a mais para que a Justiça Federal mantivesse a determinação por um novo laudo.

“Agora os políticos ligados aos fazendeiros se reuniram com o atual presidente da Funai (o general Franklimberg Ribeiro de Freitas). Nas ameaças eles fazem questão de dizer. E cada um destes fazendeiros ajuizou ações pra rever a demarcação. A Funai foi acionada pela Justiça, mas não representou”, pontua Edilena Krikati.

A execução de empreendimentos dentro da terra indígena também é alvo de protesto dos Krikati. A rodovia MA-280, as linhas de distribuição de energia da Companhia Energética do Maranhão, cabos de fibra óptica da OI e linhões da Eletrobrás rasgam o território sem gestão do órgão indigenista para políticas de mitigação.

Tudo isso envolve um processo de 20 anos de demarcação desta terra indígena sem conclusão. E agora estamos prestes a retroceder do que conseguimos conquistar. Não tínhamos vivido isso, de 15 Krikati morrerem do jeito que morreram. Podemos dizer que hoje só a Sesai tem alguma atuação na terra”, afirma Edilena.

O desafio dos Krikati agora é mover a Secretaria Especial de Saúde (Sesai) para uma gestão mais voltada à saúde mental. Com alcoolismo, suicídios e a pressão permanente de invasores sobre as seis aldeias que compõem o território, os Krikati temem por mais mortes advindas de tais dissociações.

GUAJAJARA ASSASSINADA

Também natural da Terra Indígena Krikati, Jaqueline Lopes de Souza Guajajara, de 25 anos, foi assassinada no dia 26 de julho, em Amarante, a golpes de faca. Conforme o Boletim de Ocorrência, a jovem foi morta por um homem e uma mulher que a surpreenderam de moto.

Pouco antes, a indígena foi abordada pelo mesmo casal em um bar e xingada, o que teria iniciado uma discussão. De acordo com testemunhas, outros indígenas que acompanhavam Jaqueline foram agredidos pelo homem com golpes de capacete. A polícia afirma ter identificado os assassinos, mas estes se encontram foragidos.

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