Seguindo os passos políticos da senadora, candidata a vice de Ciro Gomes, herdeiro da ex-ministra da Agricultura desmatou área de preservação e pediu o fim de licenciamento ambiental
Por Bruno Stankevicius Bassi
Um dos candidatos mais jovens ao Senado, Irajá Abreu (PSD-TO) herdou da mãe, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), não só o capital político, mas também seu talento para polêmicas. Sua rápida ascensão no Congresso, de deputado desconhecido a expoente da Frente Parlamentar da Agropecuária, foi financiada diretamente pela ação irregular de Kátia, ministra da Agricultura durante o governo Dilma Rousseff, conhecida por ter recebido das mãos de Sonia Guajajara, em 2010, o troféu “motosserra de ouro”, do Greenpeace.
Três anos depois, a senadora foi denunciada pela Procuradoria-Geral da República pela prática de arrecadação ilícita de fundos para campanha. Segundo o inquérito, ela ainda era filiada ao DEM, em 2010, quando se valeu da condição de presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) para enviar 600 mil boletos de cobrança para agricultores de todo país, convocando-os a doar para a candidatura do filho e de outros cinco aliados. Realizada sem o conhecimento do partido, a campanha arrecadou mais de R$ 700 mil, dos quais R$ 200 mil financiaram a eleição de Irajá, então com 27 anos.
Em 2014, já filiada ao MDB, depois de uma breve passagem pelo PSD, a senadora recebeu R$ 350 mil em doações eleitorais da Fiagril, uma das 15 maiores usinas do país.
O dono da empresa, Marino José Franz, ex-prefeito de Lucas do Rio Verde (MT), foi apontado na Operação Terra Prometida como o braço financeiro de uma organização criminosa que comercializava terras da reforma agrária no assentamento Tapurah-Itanhangá, o maior da América Latina, com 115 mil hectares. Segundo a denúncia, o grupo movimentou mais de R$ 1 bilhão. Junto a Marino Franz, foram presos dois irmãos de Neri Geller (PP-MT), antecessor de Kátia no Ministério da Agricultura.
IRAJÁ RECEBE DOAÇÃO DE FAZENDEIROS
Com o fim do financiamento privado de campanha, Irajá teve de se contentar com valores menores. Na sua campanha para o Senado, Irajá recebeu R$ 30 mil do pecuarista Marcos de Alencastro Curado. Dono da Agropecuária Terra Bravia S/A, Curado foi denunciado em 2006 pelo desvio de R$ 8,5 milhões da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) em Tocantins.
No mesmo ano, a Fazenda Três Poderes, vinculada a outra empresa da família Curado, teve a matrícula suspensa por sobreposição de títulos, um problema comum no Tocantins. Localizado em Nova Olinda, o imóvel media 5.960 hectares. Além das fazendas, os Curado são donos de mineradoras em Goiás.
Também proprietário rural no Tocantins, Frederico de Toledo Gottheiner contribuiu com R$ 10 mil para a campanha de Irajá. Ele é um dos sócios da Bosque Belo, criadora de bois da raça wagyu, com base em Boituva (SP) e Aquidauana (MS). Acostumados à música clássica, os bois da família Gottheiner abastecem as principais churrascarias de São Paulo, como Figueira Rubayat, Dinho’s e o Açougue Central, do chef Alex Atala.
A ascensão política de Irajá Abreu foi acompanhada por uma correspondente evolução patrimonial. Entre 2010 e 2018, o valor declarado por ele ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mais que triplicou, passando de R$ 1,3 milhão para R$ 5,2 milhões. Mais da metade do patrimônio vem de duas empresas agropecuárias, por meio das quais a família Abreu controla suas propriedades rurais.
Em Aliança do Tocantins, fica a produção de teca e eucalipto. De acordo com a Repórter Brasil, a fazenda de Irajá foi embargada e multada em R$ 130 mil pelo desmatamento de vegetação em área de preservação permanente, ocorrido em 2010.
Ex-presidente da Associação dos Reflorestadores do Tocantins, Irajá apresentou no ano seguinte um projeto de lei pedindo o fim do licenciamento ambiental para empreendimentos agropecuários ou florestais. Rejeitado na Comissão de Meio Ambiente, o PL 2163/11 aguarda parecer na Comissão de Cidadania e Justiça.
Em 2015, ele apresentou outra proposta, ainda não votada, que restringe a distribuição de lotes da reforma agrária apenas aos beneficiários que tenham domicílio eleitoral na mesma cidade do assentamento. Dois anos antes, a Fazenda Aliança fora ocupada por 500 mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), enfurecendo a senadora Kátia Abreu, inimiga declarada do movimento.
‘LEVAMOS 10 ANOS PARA VENCER O MST’
A candidata à Vice-Presidência na chapa de Ciro Gomes (PDT) nunca fez questão de esconder sua antipatia pelos povos do campo, que retardariam o avanço inexorável do agronegócio. Em 2013, Kátia Abreu proferiu um dos discursos mais inflamados do Leilão da Resistência, organizado por fazendeiros do Mato Grosso do Sul com o propósito de arrecadar fundos para a contratação de milícias – o que foi depois proibido pela Justiça – contra os Guarani Kayowá, Guarani Ñandeva e Terena.
A fala foi eternizada no documentário “Martírio”, do cineasta Vincent Carelli:
– Nós levamos 10 anos para vencer o MST, nós levamos 15 anos para vencer o Código Florestal e agora é a questão indígena. Pra nós, hoje, não tem nada mais importante que solucionar a questão indígena.
Para a senadora, a “lista suja” do trabalho escravo divulgada pelo Ministério do Trabalho é um “apedrejamento antecipado“. Ela tem seus motivos: seus dois irmãos já estiveram envolvidos em flagrantes de trabalho análogo à escravidão. Em Araguatins (TO), 56 funcionários foram resgatados da Fazenda Água Amarela, de propriedade da RPC Energética, vinculada a André Luiz Abreu, que declarou não ser sócio da empresa.
Um ano depois, em 2013, uma das fazendas de Luiz Alfredo Abreu, em Vila Rica (MT), foi alvo de operação que libertou cinco trabalhadores. Eles trabalhavam 11 horas por dia, sem água potável e dormiam em alojamentos precários. Após o flagrante, o irmão de Kátia assinou um Termo de Ajustamento de Conduta se comprometendo a regularizar a situação de seus empregados.
O posicionamento da senadora sobre a questão agrária voltará a ser tema de reportagem no De Olho nos Ruralistas, em série especial sobre os presidenciáveis e seus vices.
CAMPOS DISTRIBUÍA TERRAS PARA LATIFUNDIÁRIOS
Viúva aos 25 anos, Kátia deixou Goiânia, sua terra natal, para administrar o patrimônio deixado pelo marido, o pecuarista Irajá Silvestre, morto em um acidente de avião. O ano era 1987 e o estado do Tocantins ainda não havia sido desmembrado de Goiás.
Sua entrada na política não tardou. Apadrinhada pelo ex-governador Siqueira Campos, Kátia disputou pela primeira vez uma cadeira na Câmara em 1998, ficando como suplente. Um ano antes, ela e seu irmão Luiz Alfredo estiveram entre os 27 beneficiários do Projeto Agrícola Campos Limpos, que repartiu 105 mil hectares no município recém-criado em homenagem ao próprio governador, utilizando recursos do Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer). A fatia de Kátia? 1.200 hectares, ao custo de R$ 8 por hectare.
Mas as terras não estavam vazias: ali viviam 150 famílias, que foram sumariamente expulsas. Conforme relatado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, a região, considerada o “filé mignon” do Cerrado, é ainda hoje palco de conflitos agrários oriundos da distribuição de terras às avessas conduzida por Siqueira Campos.
ELEIÇÕES OPÕEM RURALISTAS NO TOCANTINS
A relação do ex-governador tucano com Kátia Abreu é conturbada. Em 2010, a senadora apoiou Siqueira na disputa contra Carlos Henrique Gaguim (hoje no DEM, na época MDB), outro tradicional político ruralista do estado que, em outubro, disputará a reeleição na Câmara.
Com a vitória de Siqueira Campos, Irajá Abreu assumiu o cargo de secretário de Desenvolvimento Agrário e Regularização Fundiária. Mas a transferência de Kátia do PSD para o MDB, em 2013, azedou as relações entre os dois, levando à exoneração de seu filho.
Expulsa do MDB por sua amizade com Dilma Rousseff, Kátia chegou a receber apoio do PT para concorrer ao governo do estado nas eleições suplementares realizadas em junho, após a cassação do mandato do governador Marcelo Miranda (MDB). Isolada, graças à articulação do grupo do ex-aliado, a senadora desistiu da disputa.
Aos 90 anos, Siqueira Campos tentava uma vaga no Senado, a convite do DEM, mas foi forçado a abdicar da candidatura por motivo de saúde. Com a desistência, o ex-governador anunciou apoio a Vicentinho (PR), adversário de Irajá e pai de outro membro da FPA, o deputado federal Vicentinho Junior (PR).
Veja o que os demais membros tocantinenses da Frente Parlamentar da Agropecuária almejam em 2018: