Casado com uma das irmãs do candidato do PSL, Theodoro Konesuk foi obrigado em setembro a devolver uma área do quilombo Bairro do Galvão, em Iporanga (SP), mas destruiu plantação de banana dos agricultores
Por Igor Carvalho e Leonardo Fuhrmann
Em abril de 2017, Jair Bolsonaro tomou a palavra no clube Hebraica, no Rio, e disparou: “Os quilombolas não servem nem para procriar”. Ele disse ter visitado um quilombo em Eldorado (SP), no Vale do Ribeira, onde passou parte da infância e a adolescência. E completou: “Eu fui em um quilombo em Eldorado paulista e o afrodescendente mais leve de lá pesava sete arrobas”.
Por que o candidato do PSL investe contra esses povos, descendentes de escravos? De Olho nos Ruralistas foi a Eldorado e região, no Vale do Ribeira, descobrir.
Casado com uma das irmãs de Bolsonaro, Vânia, o empresário Theodoro da Silva Konesuk invadiu terras quilombolas, segundo uma decisão da Justiça no dia 10 de setembro. Ele foi condenado a devolver uma área pertencente aos remanescentes do quilombo do Bairro Galvão, em Iporanga, município vizinho de Eldorado.
“A documentação comprova a legitimidade da parte autora e de sua pretensão”, decidiu a juíza Gabriela de Oliveira Thomaze. “Resta demonstrado que se trata de área devoluta pertencente ao Estado,as quais foram legitimamente outorgadas à Associação dos Remanescentes de Quilombo da Barra de São Pedro do Bairro Galvão”.
A terra foi devolvida. Em seguida os quilombolas começaram a plantar banana – um dos principais produtos da região. Mas eles contam que funcionários do empresário voltaram ao local e destruíram as cercas e o trabalho dos agricultores. O cunhado de Bolsonaro utilizava a terra pública para criar gado.
O processo teve início em 2013, quando a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e o governo paulista entraram com uma ação contra Konesuk para a devolução das terras. A área é devoluta e o empresário ocupava o local sem qualquer título de propriedade ou documento de posse. Quando decidiu destinar o terreno para os quilombolas, que permaneciam em parte de seu território tradicional, o Itesp passou a tentar retirar os demais ocupantes.
O detentor da área que constava no Itesp era o pai de Theodoro, Theodoro Konesuk Junior, ex-prefeito de Iporanga pela Arena, que morreu no início do processo. Ao receber a ação, a juíza Gabriela de Oliveira Thomaze determinou, em liminar, a reintegração de posse ao Itesp, porque considerou que não havia controvérsia quanto à posse da terra.
A reintegração não foi feita de imediato pois Konesuk recusou a notificação, sob o argumento de que o processo estava em nome de seu pai. Mesmo depois de citado nominalmente, o empresário não se manifestou ao longo dos quase cinco anos de tramitação da ação. Ele também foi condenado a pagar 10% do valor total do processo como custas. Na inicial, o Itesp havia comprovado já ter pago uma indenização aos ocupantes pelas benfeitorias feitas no local.
Os quilombolas de Iporanga acreditam que Konesuk continuará desafiando a decisão judicial. Como diz a líder quilombola Jovita Frutini França: “Ele não desiste, não desiste. Agora, eu não aguento mais lutar por isso”.
Procurado pelo De Olho nos Ruralistas, Konesuk não foi localizado para falar sobre o assunto. A assessoria de Jair Bolsonaro também foi contactada, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.
QUILOMBO EXISTE DESDE O SÉCULO 19
A presença negra no Bairro Galvão começou em meados do século 19, quando o ex-escravo Bernardo Furquim chegou à região com um grupo de fugitivos e formou um quilombo. Eles e seus descendentes – informa um relatório do Itesp publicado em 2000 – produziam arroz, café, cachaça e carvão. A partir dos anos 1980, os remanescentes do quilombo passaram a sofrer com ameaças feitas por grileiros e seus jagunços.
Segundo relatos colhidos pelo Itesp e pelo Ministério Público Federal, muitos quilombolas foram expulsos da região. Outros, com medo das ameaças, venderam partes da terra por valores irrisórios e foram embora.
Um ano após as declarações de Bolsonaro contra os quilombolas de Eldorado, ele voltou a fazer ataques, em entrevista no programa de José Luiz Datena, na Band: “Eles não fazem nada. É um desperdício de recursos, máquinas paradas”, disse.
O presidenciável chegou a ser denunciado por racismo, mas se livrou do processo porque a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que as declarações estavam protegidas pela imunidade parlamentar. Votaram pelo arquivamento da denúncia os ministros Marco Aurélio Mello (relator), Alexandre de Moraes e Luiz Fux.
De Olho nos Ruralistas continua, nos próximos dias, a reportar a relação entre a família Bolsonaro e os quilombolas do Vale do Ribeira.
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