Extinção de Ministério do Meio Ambiente inicia desmonte da governança ambiental, avaliam organizações

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Medida causa preocupação até mesmo entre ruralistas, como o ministro Blairo Maggi, que temem a piora da imagem do Brasil no exterior e impacto negativo em seus negócios

Por Leonardo Fuhrmann

Confirmada nesta terça-feira pela equipe de transição, a proposta do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) de extinguir o Ministério do Meio Ambiente causa preocupação até entre os supostos beneficiários da medida, os ruralistas. O plano de Bolsonaro é tornar a pasta atual uma secretaria subordinada ao Ministério da Agricultura. O futuro presidente já havia anunciado também a entrega do ministério para um nome ligado ao agronegócio.

Se o objetivo era agradar os grandes empresários do setor, a medida causou preocupação entre eles, principalmente no meio político. Para o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, um dos dos principais produtores de soja do país, a fusão pode prejudicar os negócios brasileiros no mercado internacional. “Trará prejuízos ao agronegócio brasileiro, muito cobrado por países da Europa pela preservação ambiental”, declarou, em reportagem publicada no Canal Rural.

Ele aponta uma dificuldade de agenda para um novo ministro: “Existem muitos fóruns importantes nos quais o Brasil deve marcar sua posição, mas não será possível para um ministro participar de todos sozinho”. Maggi considera os dois órgãos de extrema importância para o Brasil. Lembra que o Meio Ambiente inclui questões de áreas que não são ligadas ao agronegócio, como energia, infraestrutura, mineração, petróleo. “Como um ministro da agricultura vai opinar sobre um campo de petróleo ou exploração de minérios?”, pergunta.

A presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), também afirmou estar “preocupada” com a fusão. Formada por mais de 200 parlamentares, a FPA declarou apoio, no primeiro turno, ao candidato Bolsonaro.

‘BOLSONARISMO: UM REGIME DE TRUCULÊNCIA’

Para o Observatório do Clima, a extinção do ministério antecipa o início do desmonte da governança ambiental do Brasil, pois submete o órgão regulador ao setor regulado e ignora que o patrimônio ambiental único ao Brasil é um ativo, e não um passivo, que também demanda uma estrutura única de regulação. Segundo a entidade, a decisão mostra a intenção de Bolsonaro de cumprir cada uma das ameaças que fez durante a campanha: enfraquecer o Ibama e o Instituto Chico Mendes, não demarcar mais um centímetro sequer de terras indígenas, acabar com todo tipo de ativismo e facilitar o acesso a armas de fogo por proprietários rurais:

Para Maggi, a fusão trará prejuízo ao agronegócio. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

– O bolsonarismo vai, assim, mostrando sua cara: um regime ideológico de truculência e saque aos recursos naturais, que se curva às forças mais atrasadas do setor produtivo para minar a competitividade do agronegócio brasileiro, que depende de uma governança ambiental forte, e tornar o Brasil um pária no cenário internacional.

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura também manifestou “preocupação” com a notícia de que Bolsonaro e sua equipe consideram fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. A entidade, um movimento multissetorial, ressalta que a união desses ministérios “pode pôr em xeque um necessário equilíbrio de forças que precisa ser respeitado no âmbito das políticas públicas”. “Um órgão regulador não pode estar submetido a um setor regulado, por uma questão de coerência e boa governança”.

A WWF-Brasil considera que a fusão dos dois ministérios “coloca em risco o equilíbrio de forças necessário no âmbito das políticas públicas, gerando conflitos de interesses que colocariam em risco quatro décadas de avanços na proteção do meio ambiente”. Afirma ainda que a atuação do Ministério do Meio Ambiente não se limita às questões agrícola e florestal, “inclui, entre outros, a preservação dos biomas brasileiros, a proteção da biodiversidade e o combate à biopirataria, o combate ao desmatamento ilegal e outros crimes ambientais, o licenciamento de obras, o controle da poluição, o uso de produtos químicos e a segurança hídrica”.

Ao site O Eco, o economista Carlos Eduardo Frickmann Young, do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirmou que a transformação do ministério do Meio Ambiente em secretaria sinaliza uma concepção de estrutura do Estado antiga e divorciada do mundo atual, onde as mudanças climáticas e a noção de sustentabilidade são nortes não só para as políticas públicas, mas para o mercado.

“O custo de uma medida de controle climático na Europa é muito alto”, avalia. “Os países da União Europeia pagam uma taxa elevada se eles emitem acima das metas estabelecidas porque eles percebem o problema climático com grande relevância. Como é que eles vão querer lidar com um país que está fazendo justamente o contrário?”

Ainda segundo o economista, o enfraquecimento da política ambiental no Brasil fará o país perder mercados:

– Restará ao Brasil lidar com os mercados secundários, África, Rússia, países onde não têm essa questão climática [como fator de barreira de mercado]. E no caso norte americano, embora a administração federal norte-americana não esteja preocupada com isso, nenhuma empresa vai querer uma manifestação de ativistas na porta da sua loja em Nova York porque aquele produto que está sendo vendido pela loja foi associado à perda da biodiversidade, ao aumento da mudança climática ou ao desaparecimento dos povos indígenas.

PROCESSOS TÊM POUCA RELAÇÃO COM AGRICULTURA

O atual ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, também manifestou preocupação em uma nota:

– Os dois órgãos são de imensa relevância nacional e internacional e têm agendas próprias, que se sobrepõem apenas em uma pequena fração de suas competências. Exemplo claro disso é o fato de que dos 2.782 processos de licenciamento tramitando atualmente no Ibama, apenas 29 têm relação com a agricultura.

O Brasil é o país mais megadiverso do mundo, tem a maior floresta tropical e 12% da água doce do planeta, e tem toda a condição de estar à frente da guinada global, mais sólida a cada dia, rumo a uma economia sustentável. Protegemos nossas riquezas naturais, como os biomas, a água e a biodiversidade, contra a exploração criminosa e predatória, de forma a que possam continuar cumprindo seu papel essencial para o desenvolvimento socioeconômico.

Para Marina Silva, a fusão é um triplo desastre. (Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Nossa carteira de ações abrange temas tão diferentes como combate ao desmatamento e aos incêndios florestais, energias renováveis, substâncias perigosas, licenciamento de setores que não têm implicação com a atividade agropecuária, como o petrolífero, homologação de modelos de veículos automotores e poluição do ar. O Ministério do Meio Ambiente tem, portanto, interface com todas as demais agendas públicas, mas suas ações extrapolam cada uma delas, necessitando, por isso, de estrutura própria e fortalecida.

Ministra do Meio Ambiente durante o governo Lula e candidata a presidente em três eleições seguida, a líder da Rede, Marina Silva, considera a fusão um triplo desastre:

1) trará prejuízo à governança ambiental e à proteção do meio ambiente;

2) passará aos consumidores no exterior a ideia de que todo o agronegócio brasileiro, em que pese ter aumentado sua produção por ganho de produtividade, sobrevive graças à destruição das florestas, sobretudo na Amazônia, atraindo a sanha das barreiras não tarifárias em prejuízo de todos;

3) empurrará o movimento ambientalista, a ter que voltar aos velhos tempos da pressão de fora para dentro, algo que há décadas vinha sendo superado, graças aos sucessivos avanços que se foram galgando em diferentes governos, uns mais outros menos.

“Estamos inaugurando o tempo trágico da proteção ambiental igual a nada”, declarou Marina. “Nem bem começou o governo Bolsonaro e o retrocesso anunciado é incalculável”.

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