Por Bruno Stankevicius Bassi, de Brasília
Apenas um dia após a ministra Tereza Cristina afirmar, perante a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Câmara, que “não existe liberação geral” de agrotóxicos em sua pasta, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou um novo ato concedendo novos registros de pesticidas.
Publicado nesta quarta-feira (10) no Diário Oficial da União, o Ato nº 24 autorizou mais 31 produtos, totalizando 152 agrotóxicos liberados nos primeiros cem dias do governo Bolsonaro.
A nova lista trouxe, até agora, a maior quantidade de pesticidas classe I, o grau mais elevado de risco toxicológico, segundo classificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a quem a ministra responsabilizou pelo número recorde de registros.
Dentre os 31 produtos liberados, 16 são classificados como “extremamente tóxicos”. Mais da metade da nova listagem. Considerando todos os produtos autorizados no ano, 44 são de classe I.
Isso contraria outra declaração dada pela ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) durante a audiência, a de que o governo trabalha pela substituição progressiva dos pesticidas mais perigosos por aqueles considerados menos tóxicos:
– Nós temos que mudar a legislação para que os produtos de baixa toxicidade tenham seu registro facilitado e possam chegar mais rápido ao mercado.
BANIDO NO EXTERIOR, 2,4-D GANHA TRÊS NOVOS REGISTROS
Entre os produtos “extremamente perigosos” liberados pelo Ato nº 24 estão três formulações do herbicida 2,4-D, um dos princípios ativos do “agente laranja”, arma química utilizada para derrubar florestas inteiras durante a Guerra do Vietnã (1959-1975), banido na Austrália e no Canadá.
Desde 2006, o 2,4-D se encontra sob processo de reavaliação pela Anvisa. Segundo o coordenador de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura, Carlos Venâncio, porém, deve seguir o mesmo caminho do glifosato e manter sua permissão. Na semana passada, o herbicida se tornou alvo de um inquérito civil no Rio Grande do Sul após sua deriva ocasionar perdas de R$ 100 milhões na safra de uva, maçã e oliveira.
Sob o rótulo Sweep Off (que, em português, pode ser traduzido como “varrer”), a chinesa Rainbow Defensivos Agrícolas se tornou uma das empresas autorizadas a comercializar o 2,4-D no Brasil. Os outros dois registros pertencem à Dow AgroSciences, sob as marcas Agrilist e Enlist Colex-D, ambas fabricadas na África do Sul.
Por meio da Coterva AgroSciences, braço agrícola resultante da fusão entre Dow e DuPont, a multinacional estadunidense integra a “Iniciativa 2,4-D”, um grupo de lobby que vem pressionando o governo brasileiro pela manutenção do produto no mercado.
Em janeiro, a Dow recebeu autorização do Mapa para comercializar o Sulfoxaflor, um inseticida associado à morte de polinizadores, que estrelou um ato falho da ministra Tereza Cristina durante a audiência realizada ontem: “Ministra erra ao dizer que agrotóxico responsável por morte de abelhas no RS não tem registro no Brasil“.
NORTOX LIDERA REGISTROS DE AGROTÓXICOS EM 2019
Uma das líderes em número de agrotóxicos liberados pelo governo Bolsonaro, a belga-espanhola Tradecorp conseguiu no ato publicado nesta terça-feira o licenciamento do Tebuconazol. Em 1996, a substância já era apontada como “possivelmente cancerígena” pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. O pedido de registro data de 2012 e o novo agrotóxico será usado em cultivos como café, frutas, arroz, feijão e algodão.
A mesma substância foi aprovada para a australiana Nufarm que, em 2014, doou R$ 35 mil para a campanha do deputado federal Raimundo Matos (PSDB-CE). Ele ocupou o cargo de vice-presidente da Comissão Especial que aprovou o PL do Veneno.
Outro produto “extremamente tóxico” que deve chegar às mesas dos brasileiros é o Mancozeb, usado nas plantações de arroz, feijão e diversas frutas e hortaliças, além do fumo. O registro do fungicida foi concedido a três empresas: a gaúcha Cropchem Ltda (com duas formulações), a paranaense Nortox S.A. e a multinacional indiana Indofil Industries do Brasil Ltda.
Com sede em Arapongas (PR), a Nortox desbancou a Syngenta e se tornou a campeã de registros de agrotóxicos nos cem primeiros dias de 2019, com dez novos rótulos (cinco deles de classe I). A empresa teve seis produtos liberados entre janeiro e março e recebeu a concessão para comercializar mais quatro formulações. Além do Mancozeb, a Nortox aprovou dois pesticidas “extremamente tóxicos”: o fungicida Fluazinam e o inseticida Clorpirifós, banido dos Estados Unidos em 2018 após estudos identificarem danos permanentes causados ao cérebro de bebês.
Citada em um relatório sobre envenenamento de indígenas na T.I. Guaiviry, no Mato Grosso do Sul, a Nortox também poderá vender o herbicida Glufosinato, classificado pela Anvisa como “medianamente tóxico”.
MULTINACIONAL FOI ALVO DE PROTESTO DE CAMPONESAS
Empatada com a Nortox, com dez registros concedidos em 2019, a israelo-chinesa Adama Brasil S.A. aprovou mais dois produtos “extremamente tóxicos”: o fungicida Clorotalonil e o inseticida Comissário, utilizado em culturas de algodão, feijão, melão, milho, soja, tomate e trigo. A empresa teve sua fábrica ocupada por mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) em 2010, como forma de denúncia contra o modelo de agronegócio que consideram prejudicial à vida das camponesas.
O registro do Clorotalonil também foi aprovado para a brasileira Ameribrás Indústria e Comércio Ltda, pertencente ao Grupo Fersol, indústria de fertilizantes que entrou em recuperação judicial em 2016.
Com quatro produtos “extremamente tóxicos” autorizados no ano, a suíça Syngenta recebeu mais uma aprovação, desta vez para o herbicida Calaris, elaborado à partir das moléculas Atrazina e Mesotriona. Em 2010, um estudo publicado na revista Reproductive Toxicology associou a Atrazina à uma maior propensão de inflamação da próstata e de atrasos na puberdade.
A Syngenta aparece mais uma vez na lista por meio da Plurie Soluções Regulatórias, empresa especializada em consultoria regulamentar de agrotóxicos. Em processo de liberação desde 2001, o Cricen é composto por quatro substâncias produzidas na Europa, Índia e América Latina por fábricas ligadas à multinacional de origem suíça – comprada em 2016 pela estatal chinesa ChemChina.
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