Invasão de terras indígenas, devastação do ambiente e tensão com camponeses e quilombolas são marcas das regiões onde políticos mantêm propriedades; em alguns casos, identificados a partir do Mapa das Terras dos Parlamentares, eles protagonizam as disputas
Por Leonardo Fuhrmann
As cidades de Santa Luzia do Pará e Viseu (PA) têm mais em comum além das propriedades da família do deputado Paulo Bengtson (PTB-PA). Ambas estão numa rota de desmatamento e furto de madeira da Terra Indígena Alto Rio Guamá. A Fundação Nacional do Índio (Funai) teve de entrar na Justiça para garantir a desintrusão de brancos do território dos povos originários. Paulo Bengtson declarou no ano passado à Justiça Eleitoral uma propriedade rural em Viseu, cujo tamanho não consta na declaração.
Em eleições anteriores, seu pai, o ex-deputado Josué Bengtson declarou pelo menos 4 mil hectares de terras em Santa Luzia do Pará. Além de políticos, pai e filho são pastores da Igreja Quadrangular. A presença da família em uma área de conflito não é uma coincidência. A família tem participação direta em conflitos na região, principalmente com os camponeses. O patriarca dos Bengston é acusado de ter grilado parte da gleba Pau do Remo, onde criou a Fazenda Cambará.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupara uma parte da fazenda nos anos 2000. A resposta da família Bengtson foi muito além do que se pode considerar cristã. Marcos Bengtson, irmão de Paulo, é acusado de mandar torturar e matar o camponês José Valmeristo Soares, o Caribé, um dos lideres da ocupação. Outro camponês que estava com Caribé, João Batista Galdino, chegou a ser torturado, mas conseguiu escapar da morte.
Marcos Bengtson responde ao processo em liberdade. Mas sua passagem pela prisão não chegou a amenizar a tensão na região. Em agosto de 2016, os sem-terra acusaram pistoleiros de sequestrarem dois trabalhadores rurais e uma professora na ocupação. Eles também teriam queimado roças e plantações.
Outro caso envolvendo povos indígenas diz respeito à segunda suplente do senador Jayme Campos (DEM-MT), Cândida Farias. Ela é dona de uma fazenda de 2.565 hectares em Aripuana, em uma região marcada por conflitos entre fazendeiros, indígenas, trabalhadores rurais, madeireiros e garimpeiros. Ela é viúva do ex-governador Wilmar Peres de Faria, que chegou a ter a prisão preventiva decretada em 2005, sob a acusação de integrar uma quadrilha que se apropriava e desmatava as terras onde viviam indígenas isolados no município de Colniza (MT).
Um dos filhos deles, Roberto Farias (MDB), teve o mandato de prefeito de Barra do Garças cassado pela Justiça em agosto. Ele foi condenado por doar dois terrenos do município mato-grossense para uma empresa privada.
EX-GOVERNADOR FATUROU COM ASSENTAMENTO ANTES DE SUA CRIAÇÃO
Mais ao Norte, o senador Confúcio Moura (DEM-RO) também tem propriedades em uma área de conflitos entre latifundiários e sem-terra. No ano passado, o ex-governador de Rondônia declarou ser dono de quatro propriedades rurais em Ariquemes, onde ele já foi prefeito. Somadas, elas totalizam 629 hectares. A necessidade de assentamento de camponeses na região já rendeu pelo menos um bom negócio para o parlamentar.
Ele vendeu a fazenda Vale do Jamari, em Theobroma, à União, para assentamento do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por quase R$ 7 milhões. Segundo uma reportagem de 2010 do site Rondônia Agora, o Incra registrou a compra da propriedade no cartório da Comarca de Jaru antes que os técnicos do órgão deliberassem sobre a viabilidade de assentamento no local.
Ainda em Rondônia, o deputado federal Lúcio Mosquini (MDB-RO) mantém mais de 300 hectares de terras no município, divididos em duas fazendas. Ele declarou ser dono de 650 cabeças de gado.
Dados como esses podem ser vistos no Mapa das Terras dos Parlamentares, divulgado na segunda-feira pelo De Olho nos Ruralistas. O levantamento se baseia nas declarações entregues pelos próprios políticos ao Tribunal Superior Eleitoral. A primeira reportagem da série De Olho na Bancada Ruralista mostrou que a maioria das terras dos congressistas fica na Amazônia e no Matopiba, regiões de expansão agropecuária – e de conflitos.
Em outros casos, como o de Marcos Bengtson, a propriedade rural não aparece no mapa, pois o parlamentar (ao contrário do pai, ex-deputado) não especificou o tamanho das terras.
Confira abaixo o mapa:
EX-MINISTRO TEM LATIFÚNDIO EM REGIÃO DE CONFLITOS NO PIAUÍ
Apesar de ser paranaense e deputado pelo seu estado, o ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP) possui mais de 5 mil hectares em uma área de conflitos no Piauí, no município Baixa Grande do Ribeiro. A região é citada no Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, feito pela Fiocruz. Segundo o levantamento, a região é de transição entre a Floresta Amazônica e áreas de Caatinga e Cerrado. A expansão da soja, pecuária e do uso de carvão vegetal são os principais fatores de pressão contra as comunidades tradicionais e os pequenos produtores.
O avanço da soja também é apontado como um fator de expulsão de pequenos produtores em Santarém, no Pará. O uso excessivo de agrotóxicos é apontado como causador de problemas de saúde nos moradores da região. O deputado catarinense Celso Maldaner (MDB) tem 1,4 mil hectares no município, além de 1,4 mil hectares em Aveiro, área envoltória de parques e reservas nacionais. Ele e o irmão Casildo Maldaner (MDB-SC), que já foi senador e governador, tinham terras em São Félix do Xingu – um município dos mais perigosos da Amazônia, composto por terras públicas.
Em Correntina, na Bahia, a disputa não é só por terras, mas também pelo uso da água, por causa da captação intensa feita pelas grandes propriedades dedicadas à monocultura. O problema ameaça ribeirinhos e a produção da agricultura camponesa. Suplente de Luís Carlos Heinze (PP-RS), um dos mais atuantes e enfáticos da bancada ruralista, Irineu Orth (PP-RS) é proprietário de três fazendas, que somam 6,8 mil hectares no município.
O ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT) é dono de terras em dois municípios mato-grossenses onde há disputa com indígenas, que tentam garantir seu acesso a terras. Em Diamantino, a demanda é dos Paresi. No caso de Sorriso, o problema é com os Kaiabi, Apiaká e Munduruku. Mas o problema não está apenas na disputa pelos bens naturais, mas também nas condições de trabalho.
FAZENDAS TÊM HISTÓRICO DE TRABALHO ESCRAVO
É o caso do maior proprietário rural do Congresso, o senador Jayme Campos (DEM-MT). Ele tem participação em propriedades que somam 43,9 mil hectares, todas no Mato Grosso. Uma das fazendas de Campos, a Santa Amália, já foi alvo de denúncias de trabalho análogo ao escravo. Em 2008, os administradores da propriedade assinaram um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público do Trabalho em que se comprometiam a cumprir trinta obrigações trabalhistas para novas contratações. Apesar das denúncias de retenção de parte dos salários e de alojamentos de lona sem água potável, não houve flagrante na propriedade dos problemas apontados.
No ano anterior, a mesma propriedade do senador também foi autuada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por desmatamento. As autuações somaram mais de R$ 6 milhões por desmatamento em áreas de preservação permanente, como o entorno de cursos d’água e de nascentes de rios. Foram destruídos ilegalmente, segundo constatado pelos fiscais, 1,5 mil hectares de mata nativa.
Uma reportagem de setembro do site Repórter Brasil mostra o envolvimento de outros ruralistas do Congresso na violação a direitos trabalhistas no campo. Newton Cardoso Jr (MDB/MG) é o campeão de autuações trabalhistas. Três empresas rurais do deputado somam 180 infrações. Os problemas vão da falta de registro em carteira até condições sanitárias inadequadas. Arthur Lira (PP-AL) também foi autuado pela falta de registro dos trabalhadores, infração considerada grave pelo Ministério do Trabalho por deixar os funcionários desprotegidos.
O desrespeito a esse direito também fez a empresa JB Empreendimentos e Participações, ligada ao deputado federal João Bacelar (PR-BA), ser autuada. Segundo a reportagem, uma das fazendas do grupo empregava seis trabalhadores sem registro em 2015. A fazenda foi autuada ainda por falta de equipamento de segurança, por não apresentar documentos e por não cumprir as determinações após a fiscalização.
A reportagem também mostra que o atual vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para o Senado, Luís Carlos Heinze (PP/RS) já teve empresas rurais ligadas a ele com autuações. O mesmo acontece com os deputados reeleitos José Priante (MDB-PA) e Vicentinho Júnior (PR-TO), ambos sem participação na atual composição da frente.