Com Bolsonaro, a vida na única reserva extrativista do Mato Grosso está mais difícil

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Dificuldades na única Resex do MT existiam antes do atual governo. (Foto: Pacto das Águas/Divulgação)

Moradores contam que um avião sobrevoou as casas em fevereiro atirando veneno tanto quanto podia; Assembleia Legislativa tentou acabar com a Resex em 2017, mas Justiça impediu

Por Lázaro Thor Borges, de Cuiabá

De súbito um avião pulverizador apareceu no céu da Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, em Colniza (a 1.042 quilômetros de Cuiabá ), no dia 28 de fevereiro. A aeronave fez voos rasantes sobre as casas dos moradores e espalhou veneno tanto quanto pôde. O episódio foi o mais tenso já registrado aqui desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência com um discurso de ataque às Unidades de Conservação.

Moradores contam que a vida na reserva, que já era difícil,  ficou ainda mais. Um dos moradores, de 36 anos, pediu para não se identificar com medo de represálias. Leonardo* estava em casa naquela tarde em que o veneno caiu do céu. Ele, a esposa e os filhos tiveram de deixar o distrito de Guariba, onde fica a reserva, em busca de socorro e atendimento médico na cidade de Colniza. O caso foi registrado na delegacia. Até hoje o mandante do ataque não foi identificado nem preso.

O território onde Leonardo mora com a família, entre os Rios Guariba e Roosevelt, é a única reserva extrativista de Mato Grosso. O território, que foi ocupado por seringueiros durante o ciclo da borracha, se tornou um exemplo de economia sustentável: vive-se da extração da madeira, da castanha do Pará — ou do Brasil — e de outros produtos da floresta.

O presidente não quer a Resex Guariba-Roosevelt como Unidade de Conservação. (Foto: Pacto das Águas/Divulgação)

A Resex  foi criada em 1996 e sempre enfrentou a pressão de ruralistas da vizinhança. Em 2017, por exemplo, ela foi extinta por decreto pela Assembleia Legislativa, decisão anulada pela Justiça. Mas foi só no governo Bolsonaro que a perseguição deu um salto. A posse do presidente de extrema direita coincidiu com o aumento nas invasões para a retirada ilegal de madeira, além da intensificação das ameaças e tentativas de ataque.

“A troca de governo mudou tudo por aqui, agora eles falam que a reserva tem que acabar, que o presidente pensa o mesmo que eles”, afirmou Ailton Pereira dos Santos, presidente da Associação dos Moradores Agroextrativistas da Resex Guariba-Roosevelt Rio Guariba. “Isso provocou um aumento de desmatamento no entorno, invasões na reserva para desmate e queimadas”.

ÁUDIO DE INVASOR TRAZ AMEAÇA AOS MORADORES

Um dos que denunciaram o ataque, Raimundo Rodrigues dos Santos, o outro presidente da associação dos moradores, diz ter sido ameaçado de morte depois do episódio. Com medo, ele evita falar sobre o assunto. Enquanto tenta sobreviver, novos ataques se repetem:

Nos últimos meses têm se intensificado as invasões de extração de madeiras, grilagem de terra, grandes desmates, assim como várias construções na margem esquerda do Rio Guariba, próximo ao Distrito Guariba. Pessoas que passaram por um córrego na reserva afirmaram que também está ocorrendo exploração garimpeira sem nenhuma autorização. 

Ao mesmo tempo em que se tornaram lideranças comunitárias, Raimundo e Ailton também se transformaram em alvos. Quando agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) fazem apreensão de madeira ilegal na área, os invasores acusam os presidentes das duas associação de serem denunciantes.

“Vocês já me denunciaram duas vezes, se me denunciarem uma terceira o Roosevelt vai ficar pequeno para nós dois, entendeu?”, diz trecho de um dos áudios enviado para os moradores. “Daqui para o final do ano tem mulher viúva e homem viúvo, os caras não ganham dinheiro e não sabem ganhar dinheiro e atrapalham os outros”, diz outro áudio, também compartilhado com os extrativistas.

BOLSONARO: ‘CRIAÇÃO DE PARQUES INVIABILIZA O ESTADO’

Em mais de uma ocasião o presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez críticas as unidades de conservação. Quando foi ao Mato Grosso, no dia 29 de agosto, Bolsonaro disse ter “congelado” a criação de novas unidades porque, segundo ele, são medidas que atrasam o progresso para a região. Em reunião com o governador Mauro Mendes (DEM), afirmou o seguinte:

No Mato Grosso, está previsto para ser demarcado um parque nacional Taiamã. Está em estudo avançado a criação da Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt. Isso é de governos anteriores. No meu, está congelado. E também a ampliação do Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense. O meu entendimento é que o estado se inviabiliza se esse tipo de política continuar a se fazer presente.

Extração da castanha é um dos meios de sobrevivência na Resex. (Foto: Pacto das Águas/Divulgação)

O estudo para a criação da Resex Guariba-Rossevelt como uma Unidade de Conservação nacional nunca saiu do papel e só foi viabilizado pelo governo estadaual. A discussão começou muito antes de 1996, por meio do Ibama.

O caso do ataque do avião agrícola foi denunciado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) por moradores da reserva. Por cerca de dois meses eles ficaram sem resposta. Até que, em agosto, a Sema nomeou Alcemir Pereira de Freitas como gerente da área. Ele será o responsável por tirar do papel o Plano de Utilização do território, criado em 2011.

Em nota, a assessoria de imprensa da Sema afirmou que acatou a indicação feita pelas associações extrativistas e nomeou um novo gerente para a Resex. E que a Coordenadoria de Unidades de Conservação realizou duas ações fiscalizatórias para investigação de denúncias de crimes ambientais, como destinação inadequada de resíduos sólidos, invasão e extração ilegal de madeira.

Segundo a secretaria, o governo mato-grossense, por meio da Ação Integrada de Contenção de Desmatamentos e Queimadas no Bioma Amazônico, está enviando constantemente equipes para região e “coibindo a ação de infratores”. Foram aplicadas multas em um total de R$ 87,4 milhões e embargados 15.634 hectares.

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