Dois veículos da imprensa independente produzirão material multimídia sobre os impactos dos pesticidas na saúde e no ambiente; cobertura apoiada pela Campanha Contra Agrotóxicos depende de financiamento coletivo
O governo Jair Bolsonaro já liberou 410 novos agrotóxicos em 2019. Hoje, quase 2.500 tipos de veneno estão disponíveis para comercialização no Brasil, um dos maiores consumidores do planeta. As evidências científicas dos danos individuais e coletivos provocados por essas substâncias só aumenta, mas as informações sobre os perigos chegam distorcidas para a população. Os grandes veículos de imprensa evitam tocar no assunto — em todas suas implicações econômicas — e alguns chegam a incentivar a utilização desses produtos.
Como contraponto às campanhas enviesadas como o “Agro é tech, agro é pop” da Globo, dois veículos da imprensa independentes — De Olho Nos Ruralistas e O Joio e o Trigo — uniram-se no projeto “Brasil sem Veneno – dos agrotóxicos à agroecologia”, lançado no último dia 22 no Ateliê do Bixiga, coworking no centro de São Paulo que abriga as duas redações. O projeto conta com o apoio da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, do Slow Food Brasil, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
O objetivo é propagar uma cobertura inédita, multimídia — que contemple textos, fotos, vídeo, livro e material didático — sobre os impactos dos pesticidas na saúde e no ambiente. Para financiar a empreitada, está aberta uma campanha de crowdfunding no Catarse, que tem como meta final arrecadar R$ 250 mil para financiar as atividades da inciativa, programadas para acontecer durante o ano que vem. A meta inicial é de R4 140 mil, necessária para a formação da equipe.
“A importância do projeto Brasil Sem Veneno é mostrar para a população que a gente não precisa de veneno para produzir alimento suficiente para atender à demanda da população mundial”, diz Vera Helena Lessa Villela, coordenadora da comissão executiva do Conselho Municipal de Segurança Alimentar Nutricional. “O problema é que hoje usamos o alimento como mercadoria. Isso tem que mudar”.
Além de contaminar diretamente os alimentos, os agrotóxicos agem de maneira sorrateira ao infectar as reservas de água subterrâneas. Débora Lima, pesquisadora da USP e consultora da Campanha em Defesa pelo Cerrado, destaca o perigo dos resíduos do agronegócio para esse bioma, que guarda os principais aquíferos do País, como o Bambuí, o Urucuia e o Guarani. “Além da questão das águas, essa prática prejudica a produção da agricultura familiar, importante alternativa à monocultura, que está localizada em grande proporção em zonas de Cerrado,” afirma.
CICLO EXIBIRÁ CURTAS E MÉDIAS SOBRE O TEMA
Uma das proposições do projeto é a exibição mensal de curtas e médias metragens sobre agrotóxicos e resistência. No lançamento da campanha, o curta “Melancias” abriu a série de projeções. O filme mostra a vida da comunidade tradicional Melancias, localizada no município de Gilbuéis, no sul do Piauí, cuja rotina é ameaçada por grandes fazendas de milho e soja. Os agrotóxicos usados nas monoculturas contaminam os solos e os rios da região.
“Filmamos em novembro do ano passado, essa foi a primeira exibição oficial”, afirma Natalie Hornos, codiretora da obra que teve o apoio da Comissão Pastoral da Terra. “A ideia é registrar essas projeções para levar um retorno à comunidade. É fundamental garantirmos financiamento para continuar produzindo material audiovisual informativo”.
Na sequência, foi exibido O média metragem “O mel do passado”, que trata da cosmovisão dos Guarani Mbya, da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, sobre as abelhas indígenas sem ferrão. “Esse é um filme dos Guarani”, descreve a codiretora Laura Rachid. “Nós só apontamos a câmera para dar voz aos indígenas, que sempre nos ensinam algo sobre métodos de resistência”.