Grupo armado de usineiros destrói lavoura cultivada pelo MST para doações no Paraná

In De Olho na Comida, De Olho no Agronegócio, De Olho nos Conflitos, Em destaque, Principal, Relações de trabalho, Sem-Terra, Últimas

Acampamento Valdair Roque, em Quinta do Sol, está entre os que doaram alimentos durante a pandemia; área ocupada pertence à Usina Sabarálcool, que acumula 964 ações trabalhistas somente na Comarca de Campo Mourão

Por Mariana Franco Ramos 

Um grupo de catorze homens armados destruiu nesta sexta-feira (03) parte das lavouras em fase de colheita plantadas por cinquenta famílias do Acampamento Valdair Roque, de Quinta do Sol, na região central do Paraná. Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a ação foi coordenada por Víctor Vicari Rezende, um dos proprietários da usina de açúcar e álcool Sabarálcool. Ele teria chegado ao local às 7 horas e saído apenas por volta das 16h30, quando a polícia apareceu e interveio.

Tratores de usina destroem lavoura no Paraná. (Foto: MST)

— Era um grupo encapuzado e armado. Estavam com um trator destruindo as plantações. Desceram de duas caminhonetes e pressionaram. Criaram um clima tenso com as famílias. Foi um dia difícil. As famílias ainda estão assustadas. A gente teve de ligar para todo mundo, até que a polícia veio, demos nosso relato, dialogamos e eles se retiraram.

O relato é de Paulo Sérgio de Souza, morador do acampamento e membro da direção estadual do MST.

O acampamento fica na Fazenda Santa Catarina, pertencente à usina.

Víctor é irmão de Ricardo Albuquerque Rezende Filho, que assumiu os negócios logo após a morte do pai, Ricardo Rezende, em 2012. A empresa acumula grande passivo jurídico, com 964 ações trabalhistas somente na Comarca de Campo Mourão. A matriz está localizada em Francisco Beltrão e há filiais também em Perobal e em Floresta. A reportagem não conseguiu contato com os advogados da companhia.

DESPEJOS ESTÃO PROIBIDOS DURANTE A PANDEMIA

“Há algumas semanas recebemos informações de que eles estavam se articulando em busca de empresa de segurança e funcionários aposentados para fazer uma ação aqui no território”, completa Souza. “Mas a gente tinha um acordo judicial nessa área”.  Em função da pandemia do novo coronavírus, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) emitiu um decreto suspendendo todas as ordens de despejo coletivas, rurais e urbanas, por tempo indeterminado.

Conforme o advogado das famílias, Humberto Boaventura, houve um pedido de reintegração de posse em julho do ano passado e as partes chegaram a um acordo em juízo, no qual as famílias iriam permanecer até 30 de junho de 2020. “Depois disso haveria uma mediação ou a disponibilidade de outra área”, relata.

Com a determinação do TJ que impede reintegração de posse em período de calamidade pública, porém, o entendimento dele é de que o acordo foi prorrogado. “Havia a expectativa de que o juiz homologasse a prorrogação”, completa. “Mas fomos surpreendidos com essa ação bastante truculenta e de intimidação às famílias”.

Ainda segundo o advogado, provavelmente os arrendatários perceberam que não havia meios legais de fazer a reintegração de posse e, por isso, decidiram agir sem amparo jurídico.

Boaventura diz que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já tinha manifestado interesse na área para destinação à reforma agrária, seguindo o que prevê a Constituição. Devido ao conjunto de ações trabalhistas, o Ministério Público Federal (MPF) fez uma recomendação, em 2018, para que o Incra adquira e destine as terras às famílias acampadas. “É uma área em litígio desde 2015 e que tem um passivo trabalhista muito grande, com execuções”, destaca.

MOVIMENTO QUER IMPEDIR DESTRUIÇÃO DE ALIMENTOS

Membros do acampamento produzem para consumo próprio e doações.(Foto: MST-PR)

A coordenação do MST cobra que a Defensoria Pública, o Ministério Público e o governo estadual impeçam a destruição dos alimentos e da comunidade. O advogado informa que está reunindo informações e documentos para tomar medidas junto ao Poder Judiciário e Executivo: “Orientamos as famílias que se sentiram ameaçadas a fazer boletim de ocorrência e estamos estudando medidas jurídicas para ajuizar perante a comarca no sentido de resguardar todo o território”.

O acampamento Valdair Roque existe desde setembro de 2015 e tem garantido produção de alimentos para o consumo das próprias famílias e para doações à população da cidade. Há dois meses, com o aumento no número de casos de Covid-19, a comunidade iniciou uma horta comunitária para garantir a continuidade das ações de solidariedade. No local, há plantações de milho, arroz, feijão, mandioca e batata-doce.

No dia 7 de maio, as famílias participaram de uma doação de 1.500 quilos de produtos à Santa Casa e ao Comitê de Apoio às Pessoas em Situação de Risco Social do campus de Campo Mourão da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).

“Vamos continuar a luta, a resistência pela conquista da terra”, afirma Souza. “Já era para ter sido criado o projeto de assentamento aqui, porque é uma área que tem dívida trabalhista, R$ 30 milhões, e possibilidades reais de virar assentamento. Estamos num período difícil e vamos continuar produzindo.

A organização de Direitos Humanos Terra de Direitos apresentou o caso em reunião virtual do Fórum por Direitos e Contra a Violência no Campo, na tarde desta sexta-feira. O fórum reúne cinquenta representantes de organizações da sociedade civil e do Poder Público ligadas à defesa dos direitos das populações camponesas. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), integra o organismo.

| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal (Willian Pires/MST-PR): horta comunitária do acampamento Valdair Roque, no Paraná

You may also read!

Vídeo mostra como mercado, imprensa, Legislativo e Judiciário naturalizaram Bolsonaro

De Olho nos Ruralistas reúne informações e imagens sobre a ascensão do político patrocinada por empresários e jornalistas; omissão

Read More...

Proprietária que reivindica terras em Jericoacoara é sobrinha de governadores da ditadura

Tios de Iracema Correia São Tiago governaram o Ceará e o Piauí durante os anos de chumbo; os três

Read More...

Clã que se diz dono de Jericoacoara foi condenado por fraude milionária em banco cearense

Ex-marido de Iracema São Tiago dirigiu o Bancesa, liquidado por desviar R$ 134 milhões da União e do INSS

Read More...

2 commentsOn Grupo armado de usineiros destrói lavoura cultivada pelo MST para doações no Paraná

  • Robson Roberto da Silva

    Paraná é um dos Estados com a elite mais perversa e podre do Brasil, cadeia é pouco para essa corja

  • Diogo adada padilha

    Ué ninguém foi preso?
    Agora a polícia não faz nada contra pessoas ilegalmente armadas?

Leave a reply:

Your email address will not be published.

Mobile Sliding Menu