Telefonemas flagraram proximidade de Marcelo Xavier com investigados; delegado da PF completou um ano à frente do órgão, agora controlado por ruralistas; período coincidiu com o aumento do desmatamento, violência e avanço da Covid-19 entre 145 etnias
Por Poliana Dallabrida
Isolado após contrair Covid-19, o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva completou na sexta-feira (24) um ano na presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). Uma gestão marcada pelo aumento da violência contra indígenas, por taxas recorde de desmatamento, invasões em grande escala nos territórios e pela submissão do órgão a interesses do agronegócio.
Nos 365 dias em que esteve à frente da Funai, ele seguiu à risca a promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro de não demarcar “nenhum centímetro” de terra indígena e não deu sequência a nenhum processo de homologação de Terras Indígenas (TIs). Mais: o órgão vem desistindo de processos de demarcações em disputa na Justiça, mesmo quando há decisão favorável aos indígenas em instâncias anteriores.
Enquanto isso, a pandemia do novo coronavírus já atingiu quase 20 mil indígenas de 145 etnias, com um saldo de 590 mortos, conforme os dados da Articulação Indígena dos Povos do Brasil (Apib).
Em meio aos sete pontos, uma revelação: Marcelo Xavier trocou telefonemas com invasores da TI Marãiwatsédé, no Mato Grosso, durante o período em que trabalhava no processo de desintrusão da terra indígena, em 2014. Um procurador que atuava no caso conta que o atual chefe da Funai era um aliado dos grileiros. E, por isso, foi afastado das investigações.
O primeiro a ser retratado na série foi o ministro da Economia, Paulo Guedes: “Esplanada da Morte (I): o papel de Paulo Guedes na implosão de direitos e na explosão da pandemia“. A conexão entre os temas é direta: o Decreto 9.711/2019, mencionado na reportagem inicial da série, contingenciou em 90% o orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão já vinha tendo problemas e está atuando com cerca de um terço de sua força de trabalho.
Desde julho de 2019, Marcelo Xavier assiste passivamente à escalada da violência e do desmatamento em territórios indígenas. No ano passado, uma a cada três famílias vítimas de conflitos no campo era indígena e sete líderes foram assassinados no Amapá, Amazonas e Maranhão. É o maior número de assassinatos de indígenas dos últimos dez anos, de acordo com o caderno Conflitos no Campo 2019, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A inação da Funai frente às ameaças sofridas pelos povos indígenas tornou-se evidente no caso dos Guajajara, no Maranhão. Em 1º de novembro, Paulo Paulino Guajajara, líder do grupo Guardiões da Floresta, que ganhou destaque pelo combate à ação de desmatadores na TI Arariboia, foi assassinado a tiros por madeireiros que operavam clandestinamente no território. Meses antes, Paulo solicitara proteção judicial, após receber ameaças de morte, mas teve os pedidos ignorados pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro.
O Ministério da Justiça será um dos próximos temas da série Esplanada da Morte.
A repercussão internacional do crime não foi suficiente para que Xavier solicitasse a Moro o envio da Força Nacional para amortecer os conflitos no estado. Um mês depois, em 07 de dezembro, os caciques Firmino Prexede e Raimundo Benício foram mortos na TI Cana Brava. Eles voltavam de uma reunião com a Eletronorte sobre ações de mitigação de impacto de uma linha de transmissão da empresa que atravessa o território.
O envio de tropas para a região não impediu a sequência de assassinatos: ainda em dezembro, o corpo de Erisvan Soares, de 15 anos, foi encontrado em um campo de futebol com sinais de facadas; em 31 de março, o professor Zezico Rodrigues foi morto a tiros. Ambos na TI Arariboia, excluída da portaria de Moro. A Funai negou que os assassinatos fossem crimes de ódio e atribuiu a violência a disputas internas.
A violência avança de mãos dadas com o desmatamento. Entusiasta da militarização na gestão ambiental, Xavier viu os alertas de desmatamento em terras indígenas da Amazônia dispararem em sua gestão, atingindo o maior nível dos últimos quatro anos. Entre janeiro e abril de 2020, cerca de 1,3 mil hectares de floresta foram destruídos nas TIs da região, um aumento de 64% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Entre junho de 2018 e julho de 2019, período de ascensão do bolsonarismo, as TIs amazônicas apresentaram a maior perda de vegetação dos últimos onze anos, com 42,6 mil hectares desmatados.
De que lado se encontra Marcelo Xavier no caso das invasões de terras indígenas?
Wilson Rocha Fernandes Assis foi um dos dezesseis procuradores federais citados no relatório original da CPI da Funai e Incra, depois removidos do documento final. A CPI — na qual Xavier foi consultor dos ruralistas — buscava criminalizar indigenistas e líderes de movimentos sociais. O procurador foi um dos indiciados pela comissão, por sua atuação no processo de desintrusão da TI Marãiwatsédé, no Mato Grosso, em 2014.
Naquela época, Wilson Assis trabalhava justamente ao lado de Xavier. A pedido do procurador, o atual presidente da Funai foi afastado da coordenação das ações de desintrusão, ou seja, da retirada de invasores da terra indígena. Motivo: interceptações telefônicas indicaram que ele colaborava com os invasores.
O processo de demarcação da TI Marãiwatsédé começou em 1992. A área de 165,2 mil hectares foi homologada por decreto presidencial em 1998, mas só foi totalmente retomada pelos indígenas em 2014. O processo de retomada do território pelos indígenas Xavante foi atrasado por inúmeras ações judiciais movidas por fazendeiros da região. Quando a retomada foi autorizada, em 2012, a Polícia Federal precisou montar uma operação para a retirada dos invasores que se recusaram a sair da área.
Pequenos proprietários e posseiros eram usados como escudo para que fazendeiros, políticos e empresários retardassem a devolução das terras invadidas. Cerca de dezessete fazendeiros possuíam a maior parte das terras dentro da reserva indígena. Juntas, as propriedades somavam 32,8 mil hectares — 19,8% dos 165 mil hectares da TI Marãiwatsédé. Considerada a maior propriedade particular dentro da área, a Fazenda Jordão possuía 6,1 mil hectares e pertencia a Antônio Mamed Jordão, ex-vice-prefeito de Alto Boa Vista (MT).
Em 2014, interceptações telefônicas solicitadas pelo MPF para investigar a atuações dos coordenadores das invasões mostraram que Marcelo Xavier era uma referência para o grupo. “Os investigados apontavam o delegado Marcelo Xavier, que era responsável pela investigação, como um aliado”, explica Assis.
“Eu fui pessoalmente até Cuiabá e tive uma conversa com o superintendente da Polícia Federal e sustentei que o delegado não tinha condições de continuar coordenando o trabalho”, relata. “O delegado Marcelo Xavier foi afastado da investigação e foi designado um outro delegado para dar continuidade ao trabalho”.
O procurador conta que recebeu com surpresa a notícia do pedido da CPI para que Xavier atuasse como consultor da comissão e fizesse diligências em territórios indígenas. “Surpresa maior ainda foi o meu indiciamento e de outros colegas pela CPI”, afirma Assis.
Quando volta ao Mato Grosso, Xavier costuma ser bem recebido por políticos da região. No dia 29 de maio, já em meio à pandemia, o delegado da PF recebeu uma homenagem concedida pela Assembleia Legislativa pelo trabalho realizado à frente da Funai. A homenagem foi entregue pelo deputado estadual Silvio Favero (PSL), idealizador da homenagem e produtor de soja em Lucas do Rio Verde.
A paralisia do órgão na defesa dos territórios e das populações indígenas também prejudica o combate à Covid-19. Sem uma estratégia clara, a pasta tem se limitado à entrega de cestas básicas e kits de higiene e à construção de barreiras sanitárias. Enquanto a doença se alastra pelas aldeias, o presidente da Funai está em disputa pelo protagonismo das ações com a ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Até 15 de julho, a Funai afirmava ter distribuído 322 mil cestas básicas e 47,6 mil kits. Parte dos produtos teria sido comprado com recursos próprios do órgão, mas o valor investido nessas ações não foi divulgado. A assessoria afirma apenas que a Funai já investiu aproximadamente R$ 24 milhões em “ações de combate à Covid-19”. Uma ação insuficiente, segundo declarou em nota a associação de servidores da Funai, a Indígenas Associados (INA):
— Diariamente são publicadas notícias com fotos de entregas de cestas de alimentos. Iniciativa fundamental. Não obstante, a forma como é feita e divulgada, sem planejamento adequado, assemelha-se mais a atuações de influencers de Instagram do que à gestão e implementação de políticas estatais numa pandemia para um público hipervulnerável.
Os servidores destacam o impacto da falta de profissionais na execução da política indigenista. “A contratação de funcionários qualificados para a Funai é imprescindível para que qualquer ação seja realizada”, diz a nota, referindo-se ao concurso público para o provimento de 826 vagas, solicitado ao Ministério da Justiça em abril. “Sem isso, apenas medidas extremamente pontuais e consequentemente, sem efeito algum, serão realizadas”.
A falta de equipe nas frentes de proteção dos territórios, aliada ao discurso anti-indígena do presidente Jair Bolsonaro, tem estimulado o aumento das invasões, tornando a população indígena ainda mais suscetível à Covid-19. Na TI Yanomani, por exemplo, quase metade da população vive em comunidades localizadas a menos de cinco quilômetros de áreas de garimpo. Estima-se que 20 mil garimpeiros ilegais estejam na região.
Os dados da Apib mostram que, até esta quarta-feira, foram contabilizados 19.773 casos da doença. Ao todo, 590 indígenas de 145 etnias morreram por Covid-19.
O avanço da pandemia entre os povos originários fez a Apib formalizar, no fim de junho, a denúncia de genocídio junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). O documento denuncia a “irresponsabilidade sanitária” do governo federal e a “possibilidade real de extermínio de etnias inteiras”. Entre os órgãos estatais acusados de omissão e falha na condução de políticas públicas específicas de enfrentamento a Covid-19 estão a Funai e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde.
Enquanto o órgão patina para atender demandas básicas das populações indígenas em isolamento, como a garantia de alimentos e água potável, Marcelo Xavier se preocupa com o protagonismo assumido por Damares Alves. Sempre que pode, a ministra veste um cocar e posa ao lado de indígenas em solenidades montadas para a entregas de cestas básicas.
Segundo reportagem o jornal O Globo, Damares quer a volta da Funai ao seu ministério. Atualmente, a fundação pertence ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. A ministra já teria até um nome para substituir Xavier: o coronel da reserva Robson Santos da Silva, atual secretário da Sesai.
Em resposta às pressões do Planalto, Xavier — um homem impulsivo, acusado pelo próprio pai de tê-lo agredido — tem se preocupado em passar uma imagem positiva das ações da Funai. Para isso, promoveu uma reformulação de diversas pastas dentro do órgão.
Desde o começo da pandemia, segundo a INA, seis coordenadores e diretores pediram exoneração ou foram exonerados, entre eles os diretores da Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, da Coordenação-Geral de Gestão Ambiental e da Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos Sociais. A associação afirma que a maioria dos gestores nomeados na Funai não possui experiência na proteção dos direitos indígenas.
Outra marca de gestão de Xavier é a troca de coordenadores regionais. Até fevereiro de 2020, 20 dos 39 coordenadores regionais foram substituídos, sem diálogo com os indígenas das regiões. “Dezesseis Coordenações Regionais da Funai estão sob gestão de policiais militares ou militares das Forças Armadas recém-nomeados, os quais, com raras exceções, não possuem, no currículo, trabalhos indigenistas ou de gerência na administração pública”, diz a nota dos servidores da Funai.
Coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinaman Tuxá diz que as ações insuficientes da Funai e a falta de estratégia para lidar com os problemas dos territórios indígenas durante a pandemia são reflexos da gestão de Marcelo Xavier: “A Funai tem o dever constitucional de fortalecer a política pública indigenista. Hoje não temos isso mais. Temos só inúmeros retrocessos”.
Entre os motivos para a paralisia do órgão, o líder indígena cita a falta de fiscalização nas terras indígenas e de ações de fortalecimento das políticas públicas, da proteção patrimonial e da soberania alimentar. “O presidente da Funai não conseguiu avançar em nada. Ele não cumpre com o seu dever de proteger, demarcar e solucionar problemas”.
Descrito como ríspido e arrogante por servidores da Funai ouvidos pela reportagem, Marcelo Xavier também é criticado por não dialogar com os indígenas. “Nós tentamos conversar, apontamos caminhos”, avalia Dimanam. “Infelizmente, o perfil autoritário do atual presidente da Funai não se coloca à disposição para que haja um diálogo com o movimento indígena, com a Apib. Pelo contrário, ele atende interesses particulares, que não são os dos povos indígenas”.
Os únicos indígenas ouvidos por Xavier são aqueles que representam a sua filosofia de “etnodesenvolvimento”, utilizada como sinônimo para a entrada do agronegócio e da mineração nas TIs. Em um encontro com indígenas de ao menos nove etnias, em fevereiro, Xavier afirmou que mesmo pequenas áreas de terras podem ser usadas para a agricultura dentro dos territórios. “Com pouco espaço, você proporciona não só autonomia e desenvolvimento, mas acima de tudo dignidade às famílias indígenas”, afirmou.
Entre os participantes do encontro, estavam os produtores de soja do povo Paresí, de Campo Novo (MT), cuja Festa da Colheita foi prestigiada pelos ministros Ricardo Salles e Tereza Cristina, adornados com cocares, para promover a abertura dos territórios às atividades agropecuárias.
Os processos de homologação de novas terras indígenas estão paralisados desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência. Sua política de “nenhum centímetro” a mais tornou-se lei na Funai, que tem desistido de processos demarcatórios que correm na Justiça, mesmo após decisões favoráveis aos indígenas.
“A administração atual desistiu de alguns processos que já estavam na fase final, que já tinham sentença favorável”, aponta Antônio Eduardo Cerqueira, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Houve a desistência da procuradoria da Funai sob a orientação da atual presidência”.
Entre eles, estão os processos de demarcação de dezessete TIs que aguardavam homologação presidencial e foram devolvidos à Funai em janeiro de 2020 pelo ex-ministro Sérgio Moro. Em sua justificativa, Moro argumentou que a Funai deveria avaliar o critério do Marco Temporal nos processos, no que foi secundado por Xavier.
Em entrevista ao Valor, o presidente da Funai defendeu a tese, segundo a qual apenas podem ter seus direitos indígenas reconhecidos as comunidades que possam comprovar ocupação tradicional de suas terras antes de 1988, ano da promulgação da Constituição:
— Se você permitir retroação muito grande no tempo, daqui a pouco você vai dar azo a que se ressurjam etnias de pessoas que saíram, foram embora para outras regiões do país, lá não deram certo, mas resolveram voltar porque um antepassado de 1800 viveu ali, possam reivindicar a área de alguém que já está lá.
A relação amistosa entre o atual presidente da Funai e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), face institucional da bancada ruralista no Congresso, não se limita à defesa do Marco Temporal. Marcelo Xavier atuou como consultor na segunda Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e Incra, criada em novembro de 2016 a pedido de parlamentares da bancada ruralista e presidida pelo presidente da FPA, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS).
O objetivo da CPI era apurar fraudes em processos da Funai e do Incra de demarcação de territórios indígenas e quilombolas. Quando foi convidado para ser consultor da CPI, Xavier era delegado da Polícia Federal em Barra do Garças, no Mato Grosso, posto que ocupou entre 2012 e 2017.
Entre março e abril de 2016, ele participou de diligências em terras indígenas junto ao deputado ruralista Valdir Colatto (MDB-SC) — hoje diretor do Serviço Florestal Brasileiro — e o procurador do Estado do Rio Grande do Sul Rodinei Escobar Xavier Candeia, que anos antes atuou no caso da demarcação da TI Mato Preto. Candeia contestou a sentença que confirmou o território reivindicado pelos Guarani como de ocupação tradicional, afirmando que o laudo tinha sido “grosseiramente manipulado” para dizer que a área era indígena. Desde então, o procurador atua como porta-voz de críticas às demarcações de TIs.
Os dois foram convidados para a CPI sob a justificativa de “conhecer de perto os graves problemas que dizem respeito aos povos indígenas e à demarcação de terras”. Encerrada em setembro de 2017, a CPI da Funai e Incra pediu nada menos que a “extinção da Funai” e o indiciamento de 67 pessoas, entre antropólogos, indígenas, servidores e membros de ONGs por “incentivar a ocupação de terras privadas”.
O Ministério Público Federal (MPF), responsável por analisar os pedidos de indiciamento, avaliou que não havia elementos suficientes para denúncias e arquivou o caso. A atuação de Xavier, no entanto, foi lembrada pelos ruralistas, que defenderam sua nomeação à Funai após a demissão do general Franklimberg de Freitas, em junho de 2019.
Atacado por defender pautas contrárias aos interesses da FPA, o militar entrou na mira do secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, conhecido por “salivar ódio aos indígenas“, conforme definição do próprio Franklimberg. Ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e ligado a milícias rurais da região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, Nabhan Garcia possui uma relação próxima com o presidente da Funai.
Em maio, os dois gravaram um vídeo juntos para anunciar a promulgação da instrução normativa nº 9/2020, que alterou as regras de emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), fazendo com que apenas as reservas, terras dominiais e Terras Indígenas (TIs) homologadas por decreto presidencial sejam reconhecidas no sistema. A medida excluiu 237 territórios em processo de demarcação, que somam 9,8 milhões de hectares — agora disponíveis para ocupação e venda.
Segundo levantamento da Agência Pública, apenas um mês após a publicação da instrução, 72 fazendas que invadem territórios indígenas foram certificadas pelo governo.
“Não existe uma afinidade; existe uma obediência cega do Marcelo Xavier ao que prega o Nabhan Garcia”, afirma Antônio Cerqueira, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “É uma situação negativa e violenta de intervenção num órgão público federal que tem a finalidade de defesa aos direitos dos povos indígenas. É totalmente nociva essa relação”.
Para Cerqueira, houve uma descaracterização total do órgão indigenista. “O Marcelo Xavier transformou a Fundação Nacional do Índio num órgão de defesa dos ruralistas, e não de defesa dos interesses indígenas”.
Dimanam Tuxá, coordenador executivo da Apib, avalia que a intenção do presidente da Funai é o enfraquecimento da instituição e da política indigenista. Para ele, esse enfraquecimento se reflete numa série de violações, como a morte de líderes indígenas, as invasões no território e o avanço da pandemia.
Ele diz que prevaleceu o interesse do agronegócio:
— A função da Funai é proteger as causas indígenas, o direito dos povos indígenas de ter acesso ao seu território, a políticas públicas e direitos de forma plena. Não é o que acontece na atual gestão do presidente da Funai.
O procurador Wilson Assis afirma que o órgão não tem cumprido satisfatoriamente sua missão específica de proteger os territórios indígenas. “Nesse um ano de gestão dele à frente da Funai, o que a gente constata é a paralisia do órgão, que resultou num aumento da degradação ambiental dentro das terras indígenas, evidentemente por não-índios, aumento do garimpo, do desmatamento”.
A série não se propõe, com a referência à Esplanada dos Ministérios, a questionar o trabalho dos servidores, que muitas vezes tentam manter conquistas históricas, como aquelas da Constituição de 1988. Mas sim a questionar a política posta em prática pelos ministros, secretários e demais chefes, alinhados à violência verbal do presidente e à tentativa de implosão de direitos humanos, sociais e ambientais.
De Olho nos Ruralistas fala em genocídio muito antes de o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), chamar a atenção da imprensa para o termo. No domingo, mais de cinquenta organizações brasileiras e estrangeiras protocolaram no Tribunal Penal Internacional, em Haia, mais uma denúncia contra Bolsonaro por genocídio e crimes contra a humanidade.
A reportagem do De Olho nos Ruralistas tenta contato com o presidente da Funai desde o dia 4 de junho. A assessoria do órgão disse que Xavier responderia as perguntas por e-mail. As perguntas foram enviadas no dia 8 de junho, a assessoria acusou o recebimento, mas elas nunca foram respondidas.
| Poliana Dallabrida é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Wagner Krahô/Associação Apoinkk): para onde vai a Funai?
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