“Está em curso um genocídio”, dizem povos indígenas e partidos em apelo ao STF

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Documento entregue ao Supremo pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), com apoio de PSB, PSOL, PT, PDT, PCdoB e Rede, fala em “irresponsabilidade sanitária” do governo federal e da “possibilidade real de extermínio de etnias inteiras”

Por Alceu Luís Castilho

A possibilidade real de extermínio de etnias inteiras e a “irresponsabilidade sanitária do governo federal” foram enumeradas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) como motivos para pedido de liminar, entregue nesta terça-feira (30) ao Supremo Tribunal Federal (STF), pelo direito de existir. O documento tem o apoio dos seguintes partidos, situados do centro à esquerda do espectro político: PSB, PSOL, PT, PDT, PCdoB e Rede. “Está em curso um genocídio!”, diz a Apib.

O documento começa mencionando as dezenas de milhares de mortos — já são 58 mil — e o número de pessoas contaminadas, acima de 1 milhão, além da crise econômica, para informar que os danos e riscos para os povos indígenas “são ainda maiores do que para o restante da população”. “Existe a possibilidade real de extermínio de etnias inteiras, sobretudo de grupos isolados ou de recente contato”, informa a Apib.

O governo federal “se aliou ao aberto racismo institucional contra os povos indígenas, para gerar uma verdadeira tragédia civilizacional”, diz o documento. Mesmo diante do número de mortes, ele “continua tratando o coronavírus como gripezinha, com indiferença e negacionismo científico”, caracterizando a irresponsabilidade sanitária. “Está em curso um genocídio! E vidas indígenas importam!”

“Diante desse quadro aterrador”, prossegue a Apib, representada no documento por Sonia Guajajara, “os povos indígenas do Brasil não poderiam ficar inertes”. “Protagonistas da sua própria história, eles vêm, através da entidade nacional que os representa”, a Apib, junto com os partidos mencionados, “defender perante esta Suprema Corte o mais básico dos seus direitos constitucionais: o direito de existir”.

‘DISCURSO DO PRESIDENTE ESTIMULA INVASÃO DE TERRAS’

A Apib e os partidos dizem ao Supremo que, no atual momento de pandemia, vários fatores contribuem para o agravamento dos riscos. O primeiro deles, a presença impune de invasores nas terras indígenas, garimpeiros e madeireiros, “estimulados por políticas governamentais e pelo discurso de ódio do próprio presidente da República”. As deficiências do sistema de saúde indígena e as omissões da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e Fundação Nacional do Índio (Funai) também são esmiuçadas no documento de 88 páginas.

Teste de Covid-19 em Macapá. (Foto: Nelson Carlos/Governo do Amapá)

Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o índice de letalidade da Covid-19 entre povos indígenas é de 9,6%, quase o dobro daquele constatado na população brasileira com um todo, de 5,6%.

O texto observa que o Estado vem se omitindo intencionalmente no seu dever de proteger os territórios indígenas, especialmente aqueles onde vivem povos isolados ou de recente contato, “abstendo-se de impedir e de reprimir invasões”. “Pior ainda: muitas vezes, é o Estado que causa ativamente a disseminação do vírus entre povos indígenas”.

A Apib e os partidos citam as manifestações “frequentes e odiosas” de Bolsonaro, em linha de incentivo às invasões:

— Com seu discurso assimilacionista e inconstitucional, francamente contrário ao direito dos povos indígenas aos seus territórios tradicionais, o governo tem incentivando ativamente invasões criminosas em terras indígenas, que cresceram exponencialmente na gestão do presidente Jair Bolsonaro.

A Sesai e a Funai, “que já vinham sendo sucateadas”, assinala o documento entregue ao STF, “não formularam políticas públicas adequadas para o enfrentamento da pandemia para os povos indígenas brasileiros, e têm se abstido de adotar medidas concretas minimamente suficientes para a garantia do direito à saúde dos povos indígenas diante da pandemia”.

DOCUMENTO EXIGE RETIRADA IMEDIATA DE INVASORES

Entre as medidas propostas pela Apib estão as seguintes:

-> “a determinação à União Federal de que imponha imediatamente barreiras sanitárias que efetivamente protejam os territórios em que habitam os povos indígenas isolados e de recente contato”;

-> “a determinação à União Federal de que providencie a imediata retirada de invasores não indígenas dos territórios indígenas a seguir listados, os quais se encontram em situação especialmente crítica de vulnerabilidade ao Covid-19 em razão da presença ilícita dessas pessoas”;

-> “a determinação de que o subsistema de saúde indígena, administrado pela Sesai, passe a contemplar todos os indígenas no Brasil, independentemente de serem ou não ‘aldeados’ e de estarem ou não em TIs homologadas”.

Mulheres indígenas na frente do STF, em 2019. (Foto: Ricardo Stuckert)

O documento observa que, como há risco real de extinção de povos indígenas, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (o direito de existir) envolve “a própria defesa da Nação brasileira, com a plurietnicidade e interculturalidade que a caracteriza”. “O risco é para os próprios povos indígenas, mas também para todos os demais brasileiros, das presentes e futuras gerações, que tanto perderiam com os danos irreparáveis à riqueza e a diversidade cultural do país”.

| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal (Ingrid Ãgohó Pataxó/Cimi): bloqueio do povo Pataxó na aldeia Mucugê, TI Comexatibá, na Bahia

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