Pesquisa do IBGE mostra que, entre 2017 e 2018, 10,3 milhões de brasileiros viviam em domicílios com “privação severa de alimentos”; proporção na área rural foi de 7,1%, contra 4,1% na área urbana; regiões Norte e Nordeste têm situação mais difícil
Por Mariana Franco Ramos
Os povos do campo — indígenas, camponeses e quilombolas — são os mais suscetíveis à fome. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada nesta quinta-feira (17) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 10,3 milhões de brasileiros viviam em situação de insegurança alimentar grave entre 2017 e 2018. Desse total, 2,6 milhões (25,2%) encontravam-se na área rural.
O relatório estimou a existência de 68,9 milhões de domicílios particulares permanentes. Dentre esses, 63,3% (43,6 milhões) estavam em situação de segurança alimentar, enquanto os outros 36,7% (25,3 milhões) apresentavam algum grau de insegurança alimentar: leve (24%, ou 16,4 milhões), moderada (8,1%, ou 5,6 milhões) ou grave (4,6%, ou 3,1 milhões). Não entram na conta pessoas em situação de rua, o que aumentaria ainda mais os índices.
O nível de maior restrição no acesso aos alimentos aparece com mais frequência nas residências localizadas no campo. A proporção de insegurança alimentar grave foi de 7,1% nessas localidades, três pontos percentuais acima do observado na área urbana (4,1%). Houve uma piora significativa em relação a 2013, quando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que usou a mesma metodologia, indicavam 5,5% e 2,8%, respectivamente.
“Isso está muito associado às condições de trabalho”, afirma o gerente da pesquisa, André Martins. “Ou seja, as pessoas que estão nos meios urbanos conseguem mais alternativas”. Na avaliação dele, essas diferenças surgem por facilidade no acesso tanto a alimentos quanto às oportunidades. “No meio urbano você consegue adotar estratégias de um jeito mais fácil que no meio rural”.
De forma geral, a fome ou o medo de inanição aumentou 62,4% nos lares brasileiros em quatro anos. A insegurança vinha diminuindo desde 2004, quando aparecia em 34,9% dos domicílios. Depois, chegou a 30,2% na PNAD 2009 e a 22,6% na PNAD 2013. Mas, em 2017/2018, houve uma piora, subindo para 36,7%, o equivalente a 25,3 milhões de residências.
Com isso, a segurança alimentar atingiu seu patamar mais baixo (63,3%) desde a primeira vez em que os dados foram levantados. A insegurança alimentar leve atingiu seu ponto mais elevado.
NÚMEROS MOSTRAM DISCREPÂNCIAS REGIONAIS
O levantamento evidencia uma discrepância entre as regiões brasileiras. Dos 3,1 milhões de domicílios com insegurança alimentar grave no país, 1,3 milhão (ou 7,1%) estava no Nordeste. A forma mais restrita de acesso aos alimentos atingiu 10,2% das residências no Norte (508 mil).
Assim como aconteceu no cenário nacional, a situação vinha melhorando, mas regrediu no último período analisado. Em 2004, a segurança alimentar estava presente em 53,4% dos domicílios do Norte e alcançou seu ponto mais elevado em 2013 (63,9%), entretanto, caiu para 43% em 2017/2018.
Da mesma forma, no primeiro período estudado, 46,4% dos domicílios do Nordeste estavam em situação de segurança alimentar, atingindo 61,9% em 2013 e caindo para 49,7% em 2017/2018. As demais regiões superaram a média nacional: Centro-Oeste (64,8%), Sudeste (68,8%) e Sul (79,3%). Apesar disso, elas também atingiram o menor percentual desde que os números começaram a ser levantados.
Num domicílio de insegurança leve, a qualidade da alimentação já está comprometida e existe uma preocupação com o acesso futuro aos alimentos. Ou seja, os moradores passam a assumir estratégias para manter uma quantidade mínima de comida, como trocar um insumo por outro mais barato, por exemplo.
No segundo nível, de insegurança moderada, as pessoas têm uma quantidade restrita de alimentos. A insegurança grave é quando os moradores passaram por privação severa no consumo de alimentos, podendo chegar à fome.
INSEGURANÇA ATINGE METADE DAS CRIANÇAS COM MENOS DE 5 ANOS
A pesquisa aponta que pelo menos metade das crianças menores de 5 anos viviam em lares com algum grau de insegurança alimentar no país. São 6,5 milhões de meninas e meninos sobrevivendo sob essas condições.
Em 2017/2018, 5,1% das crianças com menos de 5 anos e 7,3% das pessoas com idade entre 5 e 17 anos moravam em residências com insegurança alimentar grave. Há a indicação, portanto, de maior vulnerabilidade à restrição alimentar nas casas em que há crianças ou adolescentes.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Cita): entrega de alimentos pelo Cimi Regional Norte II no Pará e no Amapá
|| A cobertura sobre segurança e soberania alimentar durante a pandemia tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil ||