Município foi pivô do Dia do Fogo, em 2019; prefeito e vice estão em lados opostos nas eleições, mas os pecuaristas se unem em defesa dos invasores da Flona e multiplicam seus bens; poder local é disputado por dois paranaenses, um paulista e um maranhense
Por Luís Indriunas
Em lados opostos nessa eleição em Novo Progresso (PA), o vice-prefeito Gelson Luiz Dilli, candidato a prefeito pelo MDB, e Ubiraci Soares Silva, o Macarrão, que busca a reeleição pelo PL, têm vários pontos em comum. O perfil dos dois ajuda a explicar o que acontece nesse município do sudoeste paraense, um dos pivôs geográficos do Dia do Fogo, em 10 de agosto de 2019, quando incêndios simultâneos tomaram a Amazônia de assalto — em conexão direta com discursos e práticas do governo Bolsonaro — e despertaram atenção internacional.
Ambos são fazendeiros. Para a Justiça Eleitoral, o paranaense Gelson Dill declarou ter 2.473 cabeças de gado, no valor de R$ 1,9 milhão, e um latifúndio de 2.961 hectares na BR-163, rodovia que teve centralidade no Dia do Fogo, por apenas R$ 5 mil. Macarrão declara-se mais modesto em relação aos bens rurais. Ele não registrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o número de bois que tem, nem os hectares, mas assume ter uma fazenda chamada Santa Luzia, no valor de R$ 296.850.
Os dois têm aumentado seus patrimônios com os anos no poder. Em 2008, quando o maranhense Macarrão foi eleito vereador, seus bens declarados somavam R$ 47.404. Em 2020, a soma dos seus bens é 18 vezes maior: R$ 859.226,46. Gelson, quando se candidatou a vice-prefeito, em 2016, tinha R$ 1.581.642,37 em bens. Quatro anos depois, esse valor quase dobrou: R$ 2.921.681,67.
Outro fator comum é que ambos têm terras em área de preservação, a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim. Nenhum dos quatro candidatos a prefeito no município nasceu no Pará: são dois paranaenses, um paulista e um maranhense.
MACARRÃO E DILL LEVARAM R$ 8 MILHÕES EM MULTAS POR DESMATAMENTO
Macarrão nega que atue em área de preservação, mas os fiscais ambientais confirmam. Em 2009, foi multado três vezes pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), num total de R$ 1.574.700. Em 2017, recebeu outra multa, de R$ 95 mil.
No mesmo ano, Gelson foi multado em R$ 288 mil por destruir 23,93 hectares da Jamanxim. Reincidente, no ano passado, o desmatamento na floresta foi maior. Os fiscais registraram a retirada de 174,5 hectares de mata nativa e atuaram Gelson em R$ 4 milhões. Em agosto de 2020, voltou a ser multado, dessa vez em R$ 2,1 milhões.
As maiores multas do Ibama por crime contra a flora nos últimos 25 anos podem ser vistas em mapa produzido pelo observatório para a série De Olho nos Desmatadores, publicada no início do ano. As multas podem ser vistas por município. Novo Progresso foi o segundo município mais multado do Brasil nesse período, atrás apenas da vizinha Altamira — dona do maior território do país, pouco menor que o Uruguai.
Em entrevistas, Gelson admite que tem “uma fazendinha lá”. Ele diz que está sendo prejudicado por um Termo de Ajuste de Conduta, que impede a venda de bois da reserva para frigoríficos. Mesmo assim, ele não se acanha ao explicar como faz para burlar o acordo. Para o site O Eco, ele afirmou que dá seu jeito: “Ou eu vendo os bezerros para outros produtores ou tiro o boi do interior do parque e trago para minha outra propriedade que está do lado de fora”.
PREFEITO PRESSIONA POR LIBERAÇÃO DE GARIMPO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO
Macarrão tem outros interesses comerciais nas áreas de preservação. Proprietário da U.S. Metais Preciosos Ltda., o prefeito é um defensor do garimpo em áreas de preservação. Ele acompanhou audiências públicas sobre o assunto, entre elas uma em Itaituba (PA) com autoridades do governo federal, em novembro de 2019. Sua ligação com o garimpo é forte. Sua administração gastou R$ 15 mil na construção de uma estátua de 2,5 metros representando o garimpo de aluvião, inaugurada em 2017.
Gelson, por sua vez, está na linha de frente da defesa dos pecuaristas. Foi o fazendeiro que representou o município de Novo Progresso na audiência pública no Congresso, em março de 2017, defendendo a diminuição da área da Jamanxim. Na ocasião, o atual vice-prefeito de Novo Progresso assumiu que há mais de 350 mil cabeças de gado irregulares na área. Na mesma audiência, o representante do ICMBio falava em 180 mil.
Ao defender os produtores — que levou em bando para a audiência afim de fazer pressão —, Gelson explicou como agem os pecuaristas da região: “O produtor rural quando vê uma caminhonete do Ibama ou ICMBio, não dá as informações. Muitas vezes se ausentam e não dão informações”.
VICE-PREFEITO É SUSPEITO DE TER PARTICIPADO DO DIA DO FOGO
O município de Novo Progresso e a Floresta do Jamanxim foram cenário de um dia trágico e criminoso na história da Amazônia: o Dia do Fogo. Num sábado, 10 de agosto de 2019, numa ação planejada por WhatsApp, pecuaristas da cidade e de municípios vizinhos começaram a atear fogo simultaneamente em várias áreas. Naquele final de semana, o Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe) registrou 431 focos de incêndio, 39% do total registrado no período.
Um ano depois, ninguém foi indiciado. Mas as investigações apontaram para alguns mentores da ação. E o próprio Gelson é suspeito de participar. Em uma das mensagens de voz, um produtor fala para “Gilson” (como também é chamado o vice-prefeito) que está avisando todo mundo para ir, no domingo, dia 11, “para queimar esse negócio aí”. O candidato nega envolvimento e fala que o Dia do Fogo é “fantasia”, argumentando que agosto é mês mais seco e, por isso, a concentração de focos de incêndio.
Gelson é vice-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso. O presidente da organização, Agamenon da Silva Menezes, é apontado pelas investigações como um dos articuladores, mas ele nega envolvimento na questão. Na época, ele afirmou à Repórter Brasil que o Dia do Fogo foi invenção da imprensa para atingir o presidente Jair Bolsonaro. Agamenon registrou um boletim de ocorrência contra o jornalista Adecio Piran, da Folha do Progresso, profissional que denunciou o esquema.
As relações de Agamenon com o atual prefeito de Novo Progresso são bem próximas. Além de fazer parte do Conselho Municipal do Meio Ambiente, o prefeito Macarrão aluga por R$ 7 mil mensais um imóvel da Cooperativa Mista de Novo Progresso, presidida pelo pecuarista, para abrigar três secretarias municipais, entre elas a do Meio Ambiente.
Além de Gelson e Macarrão, a eleição de Novo Progresso tem mais dois candidatos, ambos com imóveis rurais. O produtor agropecuário Fábio Allan de Souza, o Fábio Milhão (Republicanos), nascido no Paraná, tem um imóvel rural em Colniza, no norte do Mato Grosso, declarado por R$ 1,9 milhão. O médico paulista Fidêncio Campos Júnior (PSDB) declarou um minifúndio de 4 hectares, no valor de R$ 55 mil. Ambos são estreantes em eleições.
|| Luís Indriunas é jornalista. ||
Foto principal (Reprodução): Dia do Fogo, em agosto de 2019, ganhou repercussão internacional