Eles possuem um total de R$ 218 milhões em propriedades rurais, mas disputam o cargo em 64 municípios sem relação com o bioma; entre eles estão o candidato mais rico do país e aquele que informou possuir a maior quantidade de dinheiro vivo
Por Mariana Franco Ramos
O que Bagé, no Rio Grande do Sul, tem em comum com Mateiros, no Tocantins? Ou Piacatu, em São Paulo, com São Félix do Araguaia, no Mato Grosso? Municípios distantes até mais de 3 mil quilômetros uns dos outros, eles conectam terras no mais extenso bioma brasileiro a políticos, alguns deles milionários e com histórico de corrupção e crimes contra o ambiente.
Dos candidatos a prefeito em 2020 que declararam fazendas na Amazônia Legal, 64 são moradores de outros estados. Juntos, eles possuem 162,9 mil hectares na região e um total de R$ 218 milhões em propriedades rurais. As informações foram obtidas por De Olho nos Ruralistas em pesquisa na base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
São casos como o de Euclasio Garrutti (DEM), de 71 anos, que busca um segundo mandato consecutivo no município do interior paulista: “Prefeito no interior de SP declarou R$ 82 milhões em fazendas investigadas no Mato Grosso“. Ele declarou R$ 108 milhões em bens, sendo R$ 82,5 milhões apenas em fazendas em São Félix do Araguaia (MT), município que integra o Arco do Desmatamento. O prefeito responde a processos por improbidade administrativa e por fraudes ambientais. Em 2006, foi investigado na máfia dos sanguessugas, por suspeita de compra e venda de ambulâncias superfaturadas.
O candidato a prefeito mais rico do país, Airton Garcia (PSL), de São Carlos (SP), também tem terras no bioma. O político do PSL, de 71 anos, declarou patrimônio de R$ 440 milhões, distribuídos entre investimentos em negócios imobiliários, fazendas, a mineradora Matrix Minerais e mais R$ 536 mil em espécie.
A lista de bens é inferior apenas à do bilionário João Carlos Ribeiro (PSC), de Pontal do Paraná, no litoral paranaense, que acabou desistindo da disputa. Entre as fazendas de Garcia, cinco estão em Goiatins e Filadélfia (TO) e uma em Balsas (MA).
TERRA EM MATEIROS ENGORDA PATRIMÔNIO DE BOLSONARISTA
O empresário bageense Manoel Machado (PSL), cujo patrimônio, de R$ 5,6 milhões, aumentou 234,8% em quatro anos, é outro na lista. Quando disputou o cargo de vice-prefeito, em 2016, ele declarou R$ 1,68 milhão em bens ao TSE. Entre os acréscimos está justamente o terreno de 4,2 mil hectares no Tocantins, de R$ 4 milhões.
O candidato do PSL chegou a assumir o Executivo em 2019, quando Divaldo Vieira Lara (PTB) foi afastado, a pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), por suspeita de crimes licitatórios, de responsabilidade, de desvio de verbas públicas e por organização criminosa. O município gaúcho tem pouco mais de 121 mil habitantes e faz divisa com o Uruguai.
Machado rompeu com Lara via WhatsApp e agora o enfrenta nas eleições de novembro. Além dos antigos aliados, estão no páreo outros seis concorrentes. Ele tem como “trunfo” a proximidade com Jair Bolsonaro, seu ex-correligionário.
Na convenção do PSL, em setembro, disse que traz para a política o que aprendeu na carreira militar, na Maçonaria e no Rotary, fez comparações com o presidente e pontuou, por diversas vezes, a importância da família e da religião. O lema da chapa, “Muda Bagé de verdade”, também é inspirado em Bolsonaro.
DONO DE CONSTRUTORA FOI ACUSADO DE CORTE ILEGAL DE VEGETAÇÃO
Ainda na região Sul, em Balneário Camboriú (SC), o engenheiro Auri Antonio Pavoni (PSDB) disputa pela primeira vez um cargo eletivo. Ele é um dos donos da P&P Construtora e Incorporadora, que foi condenada pela Justiça a pagar R$ 15 milhões por corte de vegetação acima do permitido durante execução das obras na Estrada da Rainha.
A P&P e outras duas empresas, proprietárias de terrenos à margem da via, firmaram acordo com o Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) comprometendo-se a executar a contenção do morro, que leva a Praia Central à Praia dos Amores. Entretanto, ultrapassaram o limite da autorização de corte. A intervenção motivou a criação de um abaixo-assinado, com o objetivo de pressionar as autoridades.
No local, havia pelo menos um exemplar de palmito-juçara, que é protegido por lei e, portanto, de preservação permanente. De acordo com perícia judicial, a declividade do terreno garantia a proteção. Conforme a juíza Adriana Lisbôa, da Vara da Fazenda Pública, escreveu na decisão, ocorreu dano ao ambiente:
— Em que pese as construtoras afirmarem que realizaram obras em benefício da coletividade, como a duplicação da estrada e a contenção do morro, não menos verdade que o fizeram não por filantropia, mas porque sabiam que, adiante, se beneficiariam — e muito — com os empreendimentos, eis que tencionavam edificar nos terrenos vizinhos”.
Pavoni declarou R$ 100 mil em bens ao TSE, relativos a um terreno de 975 hectares em Gaúcha do Norte (MT), localizado a 1.642 quilômetros de Balneário Camboriú. Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o município mato-grossense lidera o ranking de destruição das florestas na Amazônia Legal, com 5,5 por quilômetros quadrados de desmatamento. A área fica muito próxima dos limites do Território Indígena do Xingu.
CANDIDATO MAIS RICO DE GOIÁS TEM R$ 37 MILHÕES EM TERRAS NO BIOMA
Em Iporá, no interior de Goiás, dois donos de terrenos na Amazônia Legal disputam a prefeitura. Um deles é o agropecuarista Amarildo Martins (DEM), de 54 anos, que concorre numa coligação com PDL e PL. Candidato mais rico do estado, com patrimônio que supera R$ 96 milhões, ele registrou uma propriedade de 2.481 hectares em Cariri do Tocantins (TO), avaliada em R$ 37 milhões, além de quotas de capital da empresa Renascer Agronegócios, que somam R$ 53,3 milhões.
A lista de bens mais do que dobrou em relação a 2016, quando o político do DEM acabou derrotado por Naçoitan Araújo Leite (PSDB). Na época, ele dispunha de R$ 44,8 milhões. O aumento em quatro anos foi de 114,34%. Martins já foi presidente do Sindicato Rural de Iporá, Diorama e Israelândia, de 2012 a 2015.
Na campanha para a organização patronal, ele disse, ao jornal Oeste Goiano, que contava com o apoio da senadora Kátia Abreu (PP-TO), então presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e de quem teria “muito relacionamento de amizade”. Agora, na corrida à prefeitura, Martins posa ao lado do governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), seu correligionário e responsável, nos anos 80, diante da liderança na União Democrática Ruralista (UDR), por popularizar o termo ruralista.
PECUARISTA FOI MULTADO EM R$ 275 MIL POR DESMATAMENTO
Outros cinco candidatos estão na disputa em Iporá. O que se vê, porém, é uma eleição polarizada com o prefeito. A candidatura de Naçoitan Leite, de 58 anos, consta como indeferida no site do TSE, mas o afastamento só será concretizado após o julgamento do recurso. Ele e seu atual vice, Duílio Alves de Siqueira, são acusados de abuso de poder econômico e gastos ilícitos durante a campanha anterior. Se condenado, o tucano pode ficar inelegível por oito anos.
O político já foi retratado pelo observatório por estar no ranking dos pecuaristas com maiores autuações por desmatamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama). A atividade tem relação direta com a devastação ambiental. Ele recebeu uma multa de R$ 275 mil em 2014.
Nessa campanha, declarou R$ 20,8 milhões em bens. São nada menos do que 31 propriedades rurais, 14 delas em Ponte Alta e 14 em Almas, no Tocantins. Apesar de ser pecuarista, Leite diz não possuir cabeças de gado.
O candidato está na vida pública pelo menos desde 2006, quando concorreu a deputado estadual. Naquele ano, ele tinha R$ 535 mil em bens, correspondentes a uma fazenda em Canarana (MT) e a um automóvel.
Depois, em duas oportunidades, tentou se eleger prefeito, mas não conseguiu, até vencer em 2016. Agora, formou uma coligação com PTB, PP e PSL. O maior salto no patrimônio se deu de 2008 para 2016. Os R$ 680 mil (uma fazenda, um carro e dinheiro em espécie) se transformaram em R$ 20,6 milhões, um salto de 2.931% no período.
Em abril, após o governador recomendar o fechamento do comércio em decorrência da pandemia de Covid-19, Naçoitan Leite bateu o pé, falou que não aceitaria “essa ditadura” e garantiu que abriria tudo. Ele chegou a gravar um vídeo afirmando que a Polícia Militar (PM) poderia prendê-lo. Na sequência, voltou atrás e decidiu respeitar a determinação.
RIQUEZA DE PREFEITO NO CE É 304 VEZES SUPERIOR AO PIB DO MUNICÍPIO
O candidato que mais declarou ter dinheiro vivo no Brasil, João Muniz sobrinho (PSDB), o Jonas Muniz, de 76 anos, é também um proprietário de 33 terrenos na Amazônia Legal, avaliados em R$ 20 milhões. Prefeito de Cruz, no noroeste cearense, ele busca seu sexto mandato intercalado. As terras, que somam mais de 30 mil hectares, ficam todas em municípios maranhenses do Arco do Desmatamento, como Buriticupu, Açailândia, Bom Jesus das Selvas, Bom Jardim e Santa Luzia.
O arco é composto por 256 municípios, onde a destruição se concentra historicamente e onde estão focadas políticas públicas de combate do Ministério do Meio Ambiente. Conforme estudo do Instituto Socioambiental (ISA), a região concentra aproximadamente 75% do desmatamento do bioma.
Muniz diz ter um patrimônio de R$ 75,8 milhões, sendo R$ 17 milhões em espécie. Ele fez outras oito citações de valores em moeda corrente ao TSE, mas que seriam emprestados a outras pessoas ou para capital de giro de empresas. Reportagem publicada pelo UOL mostrou que o tucano lidera o ranking nacional no quesito “guardar dinheiro em casa”.
Em 2004, o prefeito não declarou bens. Depois, em 2008, ano em que se elegeu, apareceu com R$ 17,5 milhões. O crescimento desde então foi de 333%. O montante atual é 304 vezes superior ao Produto Interno Bruto (PIB) do município, que conforme o IBGE correspondia a R$ 124,4 mil na última atualização, em 2017.
Cruz tem em torno de 23 mil habitantes. O vice do tucano é seu próprio filho, Glaydston Luiz Farias Muniz (PSDB), de 44 anos, que tenta a reeleição na chapa pura e familiar. O patrimônio de Gleidin, como é conhecido, é de R$ 4,6 milhões, e inclui quatro terras em Bom Jesus das Selvas (MA). Ele também guarda dinheiro em casa: R$ 700 mil, emprestados ao pai.
Em 2003, um grupo de sem-terra bloqueou a BR-222, em Bom Jesus. Os trabalhadores rurais ameaçaram acampar em frente da prefeitura, para fazer greve de fome enquanto o problema não fosse solucionado. Eles foram retirados das Fazendas Cajazeiras, Boa Sorte e Rodominas, onde moravam até então, por força de uma liminar de reintegração de posse. O proprietário das duas primeiras terras é Jonas Muniz, que não acompanhou o despejo, mas garantiu que as áreas seriam produtivas. O conflito foi noticiado pelo portal Imirante.
PREFEITO ADQUIRIU TERRAS NA AMAZÔNIA POR MEIO DE USUCAPIÃO
Parte considerável do patrimônio do prefeito de Cachoeirinha (PE), Ivaldo Almeida (PSB), de 74 anos, foi adquirida através de usucapião de áreas na Amazônia Legal. O candidato à reeleição declarou ao TSE um total de R$ 1,8 milhão em bens, dos quais R$ 670 mil correspondem a lotes da Fazenda Santa Fé, no município de Santa Luzia, no Maranhão, o mesmo onde Jonas Muniz e Gleidin têm terras. Ele possui outras quatro cotas, que comprou de outras pessoas, totalizando pouco mais de R$ 1 milhão em terrenos na região.
Almeida é agricultor, tem 54 anos e segundo o TSE concorre pela quarta vez a um cargo público. Antes de ser prefeito, ele foi vice, de 2012 a 2016. O patrimônio em 2008 era de R$ 366 mil, o que significa um aumento de 398% em doze anos. Santa Luzia tem 74 mil habitantes e fica a 1,4 mil quilômetros de distância de Cachoeirinha.
Em 2019, o político do PSB foi acusado de se autopromover durante a entrega de uma unidade do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mediante a impressão de convite à população para participar de carreata. O Ministério Público de Pernambuco (MP-PE) recomendou que ele passasse a divulgar notícias e fatos sobre obras e serviços em todos os meios de comunicação, incluindo o sítio eletrônico da prefeitura.
Nessas eleições, o candidato concorre contra o policial militar Major Moraes (PP), que não declarou bens, embora em 2016 tivesse R$ 48 mil.
PATRIMÔNIO DE PREFEITO DE UBERLÂNDIA FOI DE ZERO A R$ 9,5 MILHÕES
Quem também tem terras no Tocantins — treze propriedades em Miracema — é Odelmo Leão, prefeito de Uberlândia (MG). As fazendas somam R$ 800 mil. Entre os R$ 9,5 milhões declarados pelo político do PP, candidato à reeleição, em 2020, estão um rebanho de bovinos, suínos e equinos estimado em R$ 4,2 milhões. Em 2004, primeiro ano de registro, ele não informou bens ao TSE. Em 2018 apareceu com R$ 893,5 mil. O salto desde então foi de 971%.
Natural de Uberaba, Leão tem 74 anos e é agropecuarista. Elegeu-se deputado federal pela primeira vez em 1991 e foi reeleito em quatro oportunidades. Ele já foi presidente do Sindicato Rural de Uberlândia e da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), além de membro da CNA e secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Na Câmara, presidiu a Comissão de Agricultura e apresentou uma série de propostas que beneficiavam o agronegócio. Foi o autor, por exemplo, do projeto 3602/1993, que dificultava a reforma agrária, ao relacionar a desapropriação ao grau de utilização da terra. A matéria acabou arquivada. O pepista fez parte da Comissão Especial do Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), apesar de seu partido integrar a base do governo, e participou de manifestações de rua.
Em setembro de 2019, Leão emitiu uma nota negando qualquer relação criminosa com o empresário Joesley Batista, dono da Friboi e da JBS, após vídeos compartilhados pelo WhatsApp sugerirem que seu rápido enriquecimento seria fruto da proximidade com Batista.
Dois meses depois, em novembro, o Fantástico, da TV Globo, denunciou um esquema ilegal entre 74 construtoras e a Prefeitura de Uberlândia. Segundo o Ministério Público, servidores cobravam propina para viabilizar, junto à Secretaria de Planejamento Urbano (Seplaqn), a aprovação de projetos irregulares na cidade. À reportagem, Odelmo Leão informou que tomou as medidas necessárias: “Foi aberto inquérito em 2019 e os funcionários foram demitidos”.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Felipe Werneck/Ibama): políticos milionários de sul a norte do país, muitas vezes com histórico de crimes ambientais, acumulam terras no bioma