Em Cuiabá e Goiânia, planos de governo ignoram cenas de fome nas ruas e periferias

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Cercadas por bolsões de miséria, cidades centrais para o agronegócio da região Centro-Oeste chegam ao segundo turno com candidatos que apresentam poucas propostas consistentes para garantir política de alimentação saudável para seus habitantes

Por Roberto Lameirinhas

Duas das maiores capitais da região que abriga o principal polo agrícola do país vão ao segundo turno das eleições municipais, no domingo, com candidatos pouco ou nada preocupados — ao menos no que diz respeito a seus programas de governo — com segurança alimentar. Goiânia e Cuiabá, municípios cujos centros urbanos ostentam a opulência da elite do agronegócio, paradoxalmente apresentam grandes bolsões de miséria em seus entornos, acompanhando a realidade de um país que caminha na direção do retorno ao mapa da fome.

Drama dos venezuelanos em Cuiabá atinge diretamente as crianças. (Foto: Reprodução)

Em Cuiabá, indígenas venezuelanos acamparam ao lado da rodoviária, no início do ano. Eles já vinham circulando pelas ruas da cidade pedindo emprego.

Um estudo do IBGE apresentado em outubro, com dados referentes a 2017 e 2018, mostra que pelo menos 10,3 milhões de brasileiros, ou 5% da população, estavam em situação de insegurança alimentar grave — ou seja, têm consumo de calorias abaixo do mínimo recomendado pela FAO, a agência da ONU para combate à fome. No levantamento anterior, de 2013, esse índice era de 3,6%.

No mês passado, durante um seminário virtual promovido pelo Instituto Ibirapitanga e Instituto Clima e Sociedade, o ex-diretor-geral da FAO, José Graziano, ressaltou que a pandemia de covid-19 deve ter ampliado esses números e advertiu que a condição de grande produtor de alimentos de uma região — como é o caso do Centro-Oeste — não significa necessariamente menor vulnerabilidade à fome:

— Não faltam alimentos. O que falta é dinheiro para comprá-los. Os dados da FAO mostram que produzimos mais do que o suficiente para alimentar a todos com uma dieta mínima e ainda se joga fora cerca de um terço do que produzimos. O direito à alimentação saudável está garantido pela Constituição, e deveria ser zelado por todos os governos, independentemente das disputas político-partidárias.

EM CUIABÁ, MENÇÕES SOBRE AGRICULTURA FAMILIAR SÃO SUPERFICIAIS

Os dois candidatos que chegam ao segundo turno da disputa pela prefeitura de Cuiabá fazem, nos programas de governo que encaminharam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), menções apenas superficiais às questões de segurança alimentar. Para muitos analistas, no entanto, o simples fato de essas menções existirem já é considerado um avanço — diante da pouca disposição de políticos de centro e de direita de tratarem do tema de forma mais profunda.

Atual prefeito e candidato à reeleição, Emanuel Pinheiro, do MDB, promete “incentivar ciclos econômicos em cadeia com arranjos produtivos locais para melhorar as condições de pequenos agricultores e a produção de lavouras familiares”.

“O Cinturão Verde é de grande importância para Cuiabá”, diz o programa de governo de Emanuel. “Serão desenvolvidos projetos para regularização de áreas rurais e com isso possibilitar aos pequenos produtores acesso a linhas de crédito. Essa iniciativa dotará pequenas propriedades para incrementar a produção de hortifrutigranjeiros para melhorar a produtividade das áreas, estimulando o uso de produtos orgânicos que poderão ser aproveitados na merenda escolar e em outros programas de abastecimento”.

A campanha de Emanuel afirma que, caso seja reeleito, manterá o programa que prevê a compra da produção de pequenos agricultores para a alimentação escolar.

Abílio Júnior, do Podemos, apresenta em seu programa propostas ainda menos precisas para incentivar o que chamou de “alimentação criativa”. Sem dar detalhes, o documento apresentado ao TSE promete “incentivar a cadeia produtiva da agricultura familiar” e “criar um programa de merenda escolar adequada às necessidades de alimentação diferenciada para alunos com necessidades específicas em escolas”.

Em outra parte de seu programa, Abílio  se compromete a “garantir alimentos especializados (sic) para as Escolas de Pessoas com Deficiência, de acordo com a necessidade e prescrição do profissional da área”.

EM GOIÂNIA, OMISSÃO SOBRE O TEMA É PRATICAMENTE COMPLETA

Se as propostas não são muito claras em Cuiabá, em Goiânia ela são quase inexistentes. A campanha na capital de Goiás tornou-se ainda mais conturbada em meados de outubro, quando o candidato favorito Maguito Vilela, ex-governador do Estado, do MDB, foi diagnosticado com Covid-19. Debates e planos de governo passaram a girar em torno, quase totalmente, da situação de saúde do candidato — que, nesta quarta-feira 25), permanecia entubado em estado grave na UTI do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

No programa de governo registrado no TSE por Maguito, a única menção ao tema de segurança alimentar era uma vaga intenção de “incentivo ao consumo de alimentos orgânicos na merenda escolar como meio de melhora na qualidade de vida”. E isso é bem mais do que o adversário direto de Maguito no segundo turno de domingo apresentou.

Vanderlan Cardoso, do PSD, que promete em seu programa de governo até mesmo promover festivais de música sertaneja e realizar as festas de “rei e rainha da primavera” de Goiânia, simplesmente omite a declaração de seus planos para a segurança alimentar — se é que tem algum.

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