Fotos divulgadas pela Associação Brasileira dos Produtores de Soja mostram dirigentes e Marcelo Xavier ao lado de representantes de várias etnias, em evento no Mato Grosso; povo Xavante lidera ranking de mortes por Covid-19 entre indígenas
Por Bruno Stankevicius Bassi
Com 79 óbitos confirmados por Covid-19, os Xavante são a etnia mais afetada pela pandemia no Brasil. O alto grau de vulnerabilidade ao coronavírus, no entanto, não impediu que líderes do agronegócio mato-grossense deixassem as máscaras de lado e provocassem aglomerações durante evento realizado na Terra Indígena Sangradouro, em Primavera do Leste (MT).
A abertura da colheita mecanizada de arroz reuniu na última sexta-feira (23) mais de cem participantes, entre autoridades federais, estaduais e municipais, servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), líderes do Sindicato Rural de Primavera do Leste e representantes de outras sete etnias da região.
Recém-eleito presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), o gaúcho Antônio Galvan se deixou fotografar sem máscara ao lado de líderes indígenas. Em outra imagem publicada na página da organização, ele aparece ao lado do presidente da Funai, Marcelo Xavier, e de outros dois servidores do órgão indigenista, todos sem proteção facial.
O “ato falho” divulgado pela própria Aprosoja contraria as recomendações de imunologistas, uma vez que mesmo aqueles que já receberam a vacina continuam transmitindo o vírus, devendo manter o uso de máscaras.
Segundo dados do Painel Coronavírus, do Ministério da Saúde, até o dia 27 o Mato Grosso possuía a terceira maior taxa de mortalidade por Covid-19 entre os estados brasileiros, com 271,8 óbitos a cada 100 mil habitantes. Neste quesito, o estado do Centro-Oeste fica atrás somente de Amazonas e Rondônia.
Ao todo, 9.470 mato-grossenses perderam a vida para a Covid-19. Destes, 161 são indígenas, de acordo com levantamento realizado pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
GOVERNO ATUA PARA ABRIR ÁREAS INDÍGENAS AO AGRONEGÓCIO
A abertura da colheita no território Xavante é mais um capítulo no lobby pela abertura das terras indígenas à agropecuária. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, fazendeiros e políticos tornaram-se presença constante nos festivais de abertura da safra, trajando cocares, penachos e outros adereços.
Além dos dirigentes da Aprosoja e da Funai, participaram do evento alguns dos principais expoentes da bancada ruralista no Congresso, como os deputados Neri Geller (PP-MT), Nelson Barbudo (PSL-MT) e José Medeiros (Podemos-MT), além dos deputados estaduais Gilberto Cattani (PSL-MT) e Xuxu Dal Molin (PSC-MT).
Essa pressão se materializou em fevereiro do ano passado com o envio ao Congresso do Projeto de Lei nº 191/2020, que pretende liberar a pesquisa e lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos, o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica e o plantio de sementes transgênicas em terras indígenas. Assinada pelo governo federal e apoiada pelo presidente da Funai, a proposta foi duramente criticada por líderes indígenas e por deputados da oposição durante debate na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, realizado nesta segunda-feira (26).
O projeto conta ainda com o apoio da Aprosoja, que fez do evento na TI Sangradouro a primeira agenda oficial de Antonio Galvan como presidente da organização nacional desde sua posse. Ao microfone, ele puxou o coro em defesa da soja:
— Somos parceiros, sim, em todo o Brasil, dos indígenas que quiserem produzir alimentos em parte das áreas deles, de acordo com a lei. A produção, principalmente de soja, vai ter o apoio incondicional da entidade em todos os estados brasileiros.
| Bruno Stankevicius Bassi é repórter e coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |
Foto principal (Ascom/Funai): abertura da colheita de arroz na TI Sangradouro teve aglomeração e ruralistas sem máscara
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