Cerca de 400 indígenas moram em duas aldeias em Boca do Acre; eles registraram a destruição em fotos e vídeos e contam que, desta vez, a invasão foi maior que em outras vezes; foram abaixo castanheiras, copaíbas, ipês, cumarus e tucumãs
Por Leonardo Fuhrmann
No fim de julho, os indígenas das Aldeias Cajueiro e Floresta voltaram a ver fazendeiros incendiando e derrubando as matas onde vivem. A comunidade de 400 indígenas da etnia Apurinã, em Boca do Acre, no sudoeste do Amazonas, registrou com fotos e vídeos a devastação. O cacique Rosenildo Nascimento da Silva Apurinã, da Aldeia Floresta, conta que, dessa vez, a invasão foi maior:
— Foi uma destruição muito maior do que as outras, mais de dez alqueires. Derrubaram as castanheiras, que usamos para a colheita, copaíbas, ipês, cumarus e tucumãs, que usamos para produzir nosso artesanato. Depois que registramos a destruição, os fazendeiros estão fazendo ameaças.
O cacique Raimundo Pinheiro da Silva Apurinã, da Cajueiro, Raimundo diz que os fazendeiros contam com a ajuda de PMs da região na tentativa de intimidar os indígenas e mantê-los em silêncio sobre os ataques ao território. Ele mostra em vídeo sua indignação:
A atuação contra os indígenas e o ambiente já foi alvo de atenção do Ministério Público Federal no Amazonas. Graças à intervenção dos procuradores da República, foi assinado, em 2017, um termo de convivência, em que os agressores se comprometiam a parar com as intimidações e o desmatamento.
Mas a trégua defendida pelo documento teve uma duração curta. Os fazendeiros retomaram a destruição e a violência contra seu povo no início de 2019, como se não houvesse acordo nenhum. “Eles falam que vão nos expulsar daqui, que somos caboclos e que caboclos não têm direito à terra”, relata Raimundo.
Ele diz que falta apoio do poder público na região, por isso está procurando apoio em outras regiões para conter os ataques. “A gente não quer violência, mas temos de nos defender de alguma forma”, diz.
INDÍGENAS JÁ DENUNCIARAM TENTATIVA DE LOTEAMENTO
O primeiro contato com os brancos e os Apurinã foi na década de 50 e o drama dos indígenas da Aldeia Cajueiro se arrasta desde então. Eles estão unidos aos Jamamandi, povo que vive na mesma área e luta junto pela demarcação do território Lourdes-Cajueiro. A história da demarcação começou em 2004, com um primeiro estudo que acabou sem a produção de um relatório final. ” A gente nem sabe os motivos para não ter sido concluído”, conta o cacique Raimundo.
Dois anos depois, em 2006, os Apurinã denunciaram que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tinha planos de fazer um loteamento em parte de sua área. O projeto não foi para frente graças à atuação da Fundação Nacional do Índio. A Funai mostrou que se tratava de uma área de estudo, por causa da presença dos povos originários.
Um novo levantamento na região teve início só em 2014, mas problemas burocráticos com a equipe responsável evitaram sua conclusão. Os autores não eram do corpo técnico da Funai. O trabalho atrasou, mas teria sido sido encaminhado à direção da Funai nos últimos meses.
A luta desses povos se unem de outros povos como os Yaminawa, que também procuram reconhecimento de suas áreas no mesmo município. Dez terras indígenas estão dentro das divisas de Boca do Acre, cinco delas demarcadas e outras cinco à espera dos estudos antropológicos, caso de Lourdes-Cajueiro.
A violência contra os povos indígenas no município ameaça outros líderes, como Antonio Apurinã. De Olho nos Ruralistas contou essa história em 2017: “Agora todo fazendeiro tem o CAR”, diz indígena ameaçado em Boca do Acre“.
PECUÁRIA É PRINCIPAL FATOR DE DEVASTAÇÃO NO SUL DO AMAZONAS
Os indígenas não são as únicas vítimas que a expansão da pecuária na região sudoeste do Amazonas provoca. Os municípios que ficam nas divisas com Acre e Rondônia — Lábrea, Apuí, Boca do Acre e Novo Aripuanã — formam o arco do desmatamento do sul do Amazonas.
Segundo o Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia (Imazon), esses municípios estão entre os principais palcos de destruição no estado. De agosto de 2020 a junho de 2021, foram 143 km² de floresta derrubada. Em todo o Amazonas, o desmatamento no período cresceu 51%. Uma das consequências é a erosão nas margens dos rios, principalmente na região sul do estado.
| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
Foto principal (Divulgação): cacique Rosenildo Apurinã foi um dos que registraram a destruição
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