Enquanto em São Paulo o governador João Doria busca privatizar terras públicas estaduais, com aval da Assembleia Legislativa, em Brasília a base aliada ao presidente Bolsonaro no Congresso se prepara para liberar mais agrotóxicos
Por Mariana Franco Ramos
Hoje adversários, mas até pouco tempo atrás aliados, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), continuam ligados em questões agrárias, mais precisamente aquelas que atacam os povos do campo e promovem a destruição do ambiente. Na mesma semana, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e a Câmara dos Deputados pautaram, respectivamente, os projetos de lei 410/21, que favorece a privatização das terras públicas estaduais, e 6.299/02, conhecido como Pacote do Veneno.
O PL 410 foi aprovado em sessão extraordinária e virtual na noite desta terça-feira (08), por 57 votos favoráveis e 4 contrários, e segue agora para sanção ou veto de Doria. Conforme o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ele vai na mesma linha do programa Titula Brasil, do Executivo federal, que ganhou o apelido de Grila Brasil, por favorecer a grilagem. A proposta transfere às famílias assentadas, em definitivo, o título de domínio dos seus lotes nos assentamentos criados pelo governo, mediante o pagamento de 5% do valor da terra.
Esses assentamentos estão localizados numa área de aproximadamente 150 mil hectares e atualmente são de responsabilidade da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania. Com o título de domínio, o assentado se tornará um proprietário particular, podendo assim vender ou negociar a propriedade.
Além do aspecto privatista, o MST destaca várias “armadilhas” do texto, que podem acarretar em dívidas impagáveis para o assentado. Isso porque a outorga do título definitivo é resolúvel, ou seja, depende do cumprimento de determinadas condições rígidas. “Assim, o PL 410 atende aos interesses privados de especulação das terras dos assentamentos de reforma agrária”, avalia o movimento.
Segundo o governo, a transferência será possível apenas para produtores que fazem o uso do espaço há pelo menos dez anos ou que tenham a sua concessão há cinco anos. O secretário de Justiça, Fernando José da Costa, informou que a medida deve impactar 30 mil pessoas, de 7.133 famílias. “Eles estavam aguardando essa oportunidade de ter a sua terra própria, da sua emancipação, de ter o seu livre arbítrio de poder trabalhar na terra com a sua propriedade”, disse o líder do governo na Casa, Vinicius Camarinha (PSB), à Alesp.
PACOTE DO VENENO DEVE SER VOTADO NESTA QUARTA
Em Brasília, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), colocou o Pacote do Veneno (PL 6299/2002) na pauta de votação desta quarta-feira (9). Primeiro item do chamado “combo da morte”, preparado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e pelo Planalto, a entrar em discussão em 2022, o PL abre a porteira para o registro de agrotóxicos, incluindo cancerígenos.
Lira chegou a colocar a matéria em votação no final de 2021, depois de um pedido de urgência feito por deputados da FPA. Na época, porém, após pressão de parlamentares da oposição e de representantes da sociedade civil nas redes sociais, ele voltou atrás. No entanto, prometeu retomar o tema no retorno das atividades legislativas.
O texto substitui completamente a legislação de 1989 e é criticado por pesquisadores e organizações sociais. O abaixo-assinado “Chega de Agrotóxicos” soma mais de 1,7 milhão de apoios. A gravidade é ainda maior se considerarmos que, apenas em 2021, o governo Bolsonaro liberou 641 novos pesticidas, alguns deles extremamente tóxicos e muitos proibidos na União Europeia.
Curiosamente, a FPA chama o pacote de “Lei do Alimento Mais Seguro”. “O que o projeto de Lei 6299/02, de nossa relatoria, traz nada mais é do que o aperfeiçoamento e a modernização do que se tem hoje”, argumenta Luiz Nishimori (PL-PR). “Os pesticidas são remédios para as plantas e a salvaguarda nos plantios”, acrescenta.
O paranaense tem interesse direto na matéria, como mostrou reportagem do De Olho nos Ruralistas. Ele foi presidente da Mariagro Agrícola Ltda, hoje em nome de sua mulher, Akemi Nishimori, e de sua mãe, Fumi Nishimori, já falecida. Outra empresa, a Nishimori Agrícola, está em nome de dois filhos. O Tribunal de Justiça do Paraná considerou, em 2015, que as empresas da família pertencem ao mesmo grupo.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
Foto principal (Twitter): governador de São Paulo e presidente permanecem ligados em pautas que atacam os povos do campo
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