Citado em escândalo de corrupção no órgão ligado ao Ministério da Agricultura, Pablo Said é diretor da Conaf Brasil, que se apresenta como parceira do governo federal; integrantes já foram recebidos pelo atual ministro, Marcos Montes, e por Tereza Cristina
Por Mariana Franco Ramos e Alceu Luís Castilho
Não é só pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que os lobistas Pablo Said Lopes da Silva e Gedir Santos Ferreira — destaques de reportagem de O Globo — costumam circular. Diretor e presidente, respectivamente, da Confederação Nacional da Agricultura Familiar do Brasil (Conaf), organização que se apresenta como parceira do governo federal, eles são figuras carimbadas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Desde que Jair Bolsonaro foi eleito, há pouco mais de três anos, a dupla participou de pelo menos quinze reuniões oficiais, em cinco pastas: Agricultura e Pecuária, Cidadania, Turismo, Desenvolvimento Regional e Relações Exteriores (esta última, ainda na gestão Temer). Isso sem contar solenidades e outros encontros fora da agenda. O levantamento foi realizado pelo De Olho nos Ruralistas.
Said comanda também a Frente Brasileira de Habitação Popular (FBHP), citada no mais novo escândalo de corrupção do governo Bolsonaro. Segundo a reportagem publicada por O Globo na semana passada, ele ofereceu propina ao advogado Marconi Gonçalves, que comandou o Incra no Maranhão entre novembro de 2021 e janeiro deste ano.
Gonçalves prestou depoimento à Polícia Federal (PF) em fevereiro, quando contou que a proposta envolvia um suposto esquema de construção de casas populares financiado com dinheiro público. “Ele informou que era o empresário responsável pela construção dessas casas, que tinha trânsito livre na autarquia e era amigo do presidente Geraldo Filho”, disse o ex-superintendente.
MAIORIA DOS ENCONTROS OCORREU NO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA
Além dos seis encontros com o diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento do Incra, Giuseppe Serra Seca Vieira, os lobistas estiveram em pelo menos outros nove, apenas na Esplanada. A maioria aconteceu no Ministério da Agricultura, o Mapa.
Ferreira preside ainda o Instituto Nacional do Desenvolvimento da Agricultura Familiar (Indafer). Em fevereiro de 2019, ele participou de audiência com Marcos Montes Cordeiro, então secretário-executivo e hoje ministro. Quatro meses depois, esteve com o secretário de Políticas Agrícolas, Eduardo Sampaio Marques. Houve ainda reuniões na pasta em abril de 2021 (virtual) e em março de 2022.
No Ministério do Turismo, o presidente e o diretor da Conaf foram recebidos pelo subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração, José Roberto Vieira Santos, em novembro de 2021, para tratar sobre “turismo rural, alinhado ao agronegócio familiar”.
Ferreira esteve com a secretária de Articulação e Parcerias do Ministério da Cidadania, Ivonice Aires Campos Dias, e com o secretário de Articulação e Gestão de Informação, Ronaldo França Navarro, em 23 de fevereiro deste ano. E, em novembro de 2018, dois meses antes da posse de Bolsonaro, se reuniu com o embaixador de Benim no Brasil, Boniface Vignon, no Ministério das Relações Exteriores.
O lobista foi ao gabinete da ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em 24 de janeiro de 2019. Mas a magistrada não o recebeu, e sim sua chefe de gabinete, Mara Elisa Oliveira. Said se encontrou com o então secretário nacional de Habitação, Celso Matsuda, em fevereiro de 2019, no Ministério do Desenvolvimento Regional. Em pauta, o programa Minha Casa, Minha Vida.
RECORDISTA DE REUNIÕES COM A CONAF RECEBEU EDUARDO BOLSONARO
Nome mais citado nas agendas com os lobistas da Conaf, Giuseppe Serra Seca Vieira esteve recentemente com um dos filhos do presidente. O diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento do Ministério da Agricultura recebeu Eduardo Bolsonaro no dia 09. A audiência contou com as presenças de outros quatro servidores do instituto. A pauta, porém, não foi informada.
Vieira também acompanhou o presidente do Incra, Geraldo de Melo Filho, no encontro com representantes da mineradora Belo Sun, ligada ao banco canadense Forbes & Manhattan (F&M), em 25 de novembro de 2021, como mostrou reportagem da Agência Pública.
Engenheiro agrônomo, o diretor foi superintendente do instituto na Bahia, no Pará e no Mato Grosso, até ser nomeado por Tereza Cristina (PP-MS) ao cargo no governo federal. Em 29 de março, durante evento para entrega de títulos de terra em Ponta Porã (MS), posou em foto ao lado da pré-candidata ao Senado pelo Mato Grosso do Sul, do presidente da autarquia e de Jair Bolsonaro. Foi a despedida de Tereza do ministério.
FERREIRA SE ENCONTROU COM TEREZA CRISTINA E “TIETOU” BOLSONARO
A convite de Tereza Cristina, a quem a Conaf se referia como “competentíssima” ministra, Gedir Santos Ferreira participou do lançamento do Plano Safra 2021/2022, no dia 21 de junho de 2021, em Brasília, e “tietou” Jair Bolsonaro. A página da confederação na internet, recheada de elogios ao governo, informou que o lobista fez parte de um restrito grupo de participantes.
Na ocasião, ele “reforçou seu apoio ao governo federal” e pediu ajuda para implementação dos projetos da Conaf. “Somente assim é possível transformarmos a vida de nossos trabalhadores, tornando-os empreendedores rurais, pessoas independentes e livres de assistencialismo”. Segundo Ferreira, o pleito foi bem recebido, pois a agora ex-ministra e o presidente têm a mesma visão que ele.
Aberta oficialmente em dezembro de 2016, pouco tempo após o impeachment de Dilma Rousseff, a Conaf ganhou força — e livre trânsito — no governo Bolsonaro. A organização diz estar presente em todos os estados brasileiros e cita entre seus parceiros relevantes diversos órgãos públicos, caso do Incra, do Ministério da Cidadania, do Mapa e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A relação é estreita a ponto de, tanto no site como nas redes sociais, as citações ao governo e aos membros do primeiro escalão serem sempre elogiosas. “Bom dia, Presidente @jairbolsonaro, @planalto, @BolsonaroSP, @FlavioBolsonaro somos a única Confederação Laboral do país que apoiou e apoia o governo, acreditando em novos tempos”, dizia post de janeiro de 2019.
Quem também é bastante lembrado é o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil-GO). “O Estado de Goiás precisa explorar melhor a Agricultura Familiar e o Empreendedorismo Familiar Rural, estamos juntos @ronaldocaiado rumo a um Goiás melhor!”, comemorava a Conaf, em fevereiro do mesmo ano.
E as relações com políticos de direita e do centrão não param por aí. A confederação se filiou à Força Sindical, ligada ao deputado federal Paulinho da Força (SD-SP), em 2016. De acordo com Ferreira, a escolha se deu por ser a central com a qual a categoria mais se identifica. A ideia seria transformar agricultores familiares em empreendedores “que trabalham mais como empresas”.
Dois anos depois, o vice-presidente da Conaf, Lucas Laudano Santos, filho do ex-prefeito de Almadina (BA) e militante da Força Sindical, foi nomeado no gabinete do deputado federal Bebeto (PSB-BA).
O Indafer, igualmente presidido por Ferreira, possui até mesmo convênio firmado com o Mapa, de R$ 1.046.400,00. Com vigência de 6 de novembro de 2019 a 29 de junho de 2020, o acordo tinha como objetivo “promover ações de articulação, capacitação, fomento e fortalecimento da qualificação de demandas, visando ampliar e fortalecer o acesso ao Programa Nacional de Crédito Fundiário nos estados da Bahia, de Sergipe, Alagoas e Pernambuco”. A prestação de contas ainda não está disponível.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
|| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do observatório. ||
Foto principal (Divulgação/Conaf): presidente da Conaf se encontrou com Bolsonaro e Tereza Cristina em solenidade do Plano Safra 2021/2022