Ricardo Salles e equipe do MMA se reuniram 31 vezes com indústria automobilística

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Ricardo Salles com o presidente da Kia Motors em evento no Yacth Club (Foto: Yacth Club)

Dossiê Ambiente S.A. mostra conexão de ex-ministro do Meio Ambiente e de seu sucessor Joaquim Leite com empresas do setor, entre elas a Volkswagen, multada por poluição e líder em reuniões com o governo; candidato a deputado, Salles emprestou carro de representante da Kia Motors e recebeu doações de canavieiros

Por Bernardo Fialho

Com o carro emprestado do presidente da Kia Motors, o candidato Ricardo Salles atropela um motoboy. (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

No dia 1º de setembro, Ricardo Salles, candidato a deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro, palestrou em um evento com o tema “Sustentabilidade e Agronegócio” na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo. Na saída da faculdade, um grupo de jovens protestava indignado com a presença do líder bolsonarista no local. Ao tentar fugir dos manifestantes, Salles atropelou a moto de um entregador. O veículo, segundo noticiado pelo UOL, está registrado em nome de José Luiz Gandini, responsável pela representação da montadora sul-coreana Kia no Brasil. A empresa se limitou a dizer que Salles e Gandini são amigos. 

As relações entre o ex-ministro com grandes empresas automobilísticas, no entanto, é de longa data. Com Gandini, em julho de 2019, Salles participou do lançamento da 46ª Semana de Vela de Ilhabela, no Yacht Club da cidade do litoral paulista, onde o amigo do ex-ministro ocupava o cargo de “comodoro” – denominação dada aos mandatários desse tipo de agremiação.

Além da importadora, o Grupo Gandini possui atuação no ramo imobiliário e na agropecuária, com a criação de bovinos em Itu (SP). Na Justiça Federal do Espírito Santo, Gandini é acusado de atuar junto a uma quadrilha de grileiros do Distrito Federal para forjar a existência de imóveis rurais no Piauí em nome da Kia Motors do Brasil, com o objetivo de adquirir benefícios tributários. A ação corre em segredo de justiça. Em Salto (SP), a família mantém o Gandini Centro Tecnológico, um laboratório independente de emissões veiculares, para homologação de automóveis da Kia e de outras empresas.

Mas Gandini não é o único aliado de Salles no setor automobilístico. Sob sua gestão, o Ministério do Meio Ambiente e os órgãos de fiscalização ambiental foram marcados pelo entra-e-sai de montadoras e entidades representativas do ramo.

Entre as agendas oficias do ex-ministro, do atual chefe do MMA Joaquim Leite e do presidente do Ibama Eduardo Fortunato Bim, foram 31 reuniões com montadoras e entidades representativas do ramo automobilístico. Cerca de metade com a Volkswagen. Também aparecem no levantamento as montadoras Toyota, General Motors, Mitsubishi, Bravo Motors e Agrale, além de associações representativas do setor. Fora da lista de reuniões, a estadunidense Chevrolet aparece ligada diretamente a Salles por outro motivo: em 2019, o político foi investigado pelo Ministério Público Federal por divulgar uma propaganda pró-agronegócio da montadora em sua conta no Twitter.

MONTADORAS COM MULTAS AMBIENTAIS TÊM LIVRE ACESSO AO MMA

Os dados das agendas dos chefes do MMA, Ibama e ICMBio durante o governo Bolsonaro foram o tema principal do relatório Ambiente S/A, terceiro da série Dossiê Bolsonaro, que detalha interferência direta em órgãos ambientais de líderes da bancada ruralista e empresas com autuações por desmatamento. Ao todo, foram mapeadas mais de 700 reuniões com o setor privado, enquanto movimentos sociais e ambientalistas foram recebidos apenas em 10 oportunidades.

Relatório mostrou 700 reuniões do MMA com atores privados.

Líder em reuniões com o governo, a Volkswagen se reuniu sete vezes com os ministros do Meio Ambiente de Bolsonaro: quatro vezes com Ricardo Salles e três vezes com Joaquim Leite. Em 2020, a montadora alemã foi multada em R$ 50 milhões por poluição, em decorrência do lançamento de óxidos de nitrogênio (NOx) na atmosfera, em desacordo com as exigências do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Protagonista do escândalo do “Dieselgate” – quando utilizou, entre 2009 a 2015, técnicas fraudulentas para reduzir as emissões de gases poluentes nos testes regulatórios – a empresa realizou ainda outros sete encontros com Eduardo Bim, presidente do Ibama.

Outro ator com livre trânsito no MMA de Bolsonaro é a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), cujos representantes se reuniram oito vezes com membros da pasta. Entre os encontros, consta a participação direta de Joaquim Leite em uma coletiva de imprensa da organização, em junho de 2022, quando defendeu as ações do governo em prol do setor.

A Anfavea representa as montadoras com fábricas no Brasil, o que não inclui a Kia – de José Luiz Gandini, o amigo de Salles – que importa seus veículos fabricados no exterior. Por outro lado, a também sul-coreana Hyundai, que é dona do controle acionário da Kia Corporation, é uma das associadas. Gandini também foi presidente de outra organização presente na agenda de autoridades do ministério, a Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes (Abeifa).

A agenda de Ricardo Salles, cabe lembrar, se encontra incompleta no período entre a posse, em janeiro de 2019, e novembro de 2020. Neste período, houve pelo menos uma reunião com montadoras que aparece fora da agenda: em setembro de 2019, segundo revelou o The Intercept Brasil, Salles se reuniu com o presidente da Volkswagen na Alemanha.

CANAVIEIROS SE JUNTAM À INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA EM LOBBY DO ETANOL

Ricardo Salles em evento com a Unica, em 2019, para o lançamento do RenovaBio. (Foto: Unica)

A alta cúpula do MMA manteve 17 encontros com o setor canavieiro durante o governo Bolsonaro, entre janeiro de 2019 e agosto de 2022. Durante a gestão de Salles foram quatro encontros, incluindo um almoço na sede da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), em março de 2021. Seu sucessor, Joaquim Leite, realizou cinco reuniões, duas delas em conjunto com representantes da indústria automotiva. Uma das pautas que conecta os dois setores é o RenovaBio, um programa de descarbonização de combustíveis, adiado por Bolsonaro como resposta para baratear o óleo diesel.

Segundo o dossiê Ambiente S.A., entre as empresas mais recebidas pelo MMA está o grupo Cosan, da tradicional família Ometto. Hoje o grupo é o maior produtor de açúcar e etanol do mundo.

Em 2018, quando foi derrotado na disputa por uma vaga na Câmara, Salles recebeu R$ 25 mil de Marcelo Campos Ometto, conselheiro da Unica, e outros R$ 25 mil de João Guilherme Ometto, líder do setor canavieiro no estado de São Paulo. Para 2022, Salles já recebeu mais de R$ 1,1 milhão de empresários. Deste valor, R$ 100 mil vieram de Marcelo Ometto e R$ 50 mil de Rubens Ometto Silveira Mello, dono da Raízen (joint venture entre Cosan e Shell) e um dos dez maiores bilionários do Brasil.

Em 2008, a Cosan passou a controlar os ativos brasileiros da ExxonMobil e criou a Rumo, empresa de logística do grupo, alvo de fusão em 2015 com a América Latina Logística (ALL). No governo Bolsonaro foram 30 encontros da Cosan, da Rumo e da Shell com os órgãos federais vinculados ao ambiente.

MONTADORAS EUROPEIAS USAM COURO PROVENIENTE DE ÁREAS DE DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA 

Couro brasileiro é usado nos carros europeus. (Foto: Victor Moriyama/Rainforest Foundation Norway)

O couro que a Europa compra do Brasil vem de empresas que podem ter desmatado  1.345.118 hectares de floresta amazônica em dois anos, de julho de 2018 a junho de 2020. Os dados são do estudo “Conduzindo o desmatamento: a contribuição da indústria automotiva europeia para o desmatamento no Brasil”, feito pela organização Aidenvironment a pedido da Rainforest Foundation Norway.

Segundo o estudo, divulgado pelo De Olho nos Ruralistas, apesar de depender do couro brasileiro, a indústria europeia não tem qualquer tipo de fiscalização sobre a origem do produto. Cerca de 80% do couro bovino brasileiro são exportados, tornando o Brasil líder, movimentando cerca de US$ 1 bilhão.

O setor automotivo europeu consome boa parte, transformando-o em cobertura para bancos, painéis e volantes de carros. A Itália concentra 80% das indústrias que processam couro para o setor. (Colaborou Luís Indriunas)

Imagem principal (Yacht Club Ilhabela): Ricardo Salles com José Luiz Gandini, da Kia Motors em evento no Yacht Club Ilhabela

| Bernardo Fialho é estudante de Direito na UFRJ e pesquisador, com foco em sindicatos e movimentos sociais. |

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