Juízes dizem à ONU: “Estado Brasileiro persegue lideranças indígenas”

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Indígenas de três etnias acendem velas em protesto em frente ao STF contra 3 decisões que anularam atos administrativos de demarcações de terras (Valter Campanato/Agência Brasil)

Documento entregue por Cimi, Fian Brasil, Justiça Global e Juízes para a Democracia enfatiza omissão do Executivo e do Judiciário em relação à garantia de direitos dos povos originários

A Associação Juízes para a Democracia (AJD), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Foodfirst Information and Action Network (Fian Brasil) e a Justiça Global entregaram este mês ao Conselho de Direitos Humanos da ONU um relatório sobre a situação dos direitos humanos dos povos indígenas. Trecho-chave: “O Estado Brasileiro persegue lideranças e dificulta a atuação dos movimentos e organizações de apoio, inviabilizando não só a fruição de direitos como a plenitude da vida democrática”.

O documento aponta retrocesso de direitos em três eixos: acesso à justiça, criminalização (de lideranças e de organizações que defendem os povos indígenas) e entraves jurídicos para efetivar a demarcação de terras. Em comparação com as recomendações de 2012, as organizações concluem que a maior parte delas não foi efetivada pelo Estado.

JUSTIÇA À REVELIA

Em relação ao primeiro eixo, o direito dos povos indígenas de acesso à justiça, o documento aponta uma judicialização dos conflitos sem a participação das etnias. “Ao Poder Judiciário cabe não dar andamento a qualquer processo que tenha possibilidade de atingir a esfera de direitos dos índios, de qualquer natureza, sem que a eles seja possibilitado participar”, diz o documento. Mas se torna rotina que, na maioria dos processos, “os povos indígenas sequer são chamados para integrarem os mesmos e apresentarem defesa ou manifestação”.

O exemplo mencionado é o da Terra Indígena Guyraroká, do povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Em 2015 a comunidade foi surpreendida com uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a posse permanente – conforme ato do Ministério da Justiça, em 2009 – de 11.401 hectares. “Até a decisão, os indígenas sequer haviam tomado conhecimento da ação judicial”, enfatizam as organizações, que pedem a nulidade dessa decisão.

DEMARCAÇÃO LENTA

Sobre a lentidão nos processos de demarcação de terras, a AJD, o Cimi, a Fian e a Justiça Global informam à ONU que  obras públicas são realizadas sem qualquer diálogo com as comunidades afetadas, “descumprindo a necessidade de consulta e participação”. E que os órgãos oficiais permanecem vulneráveis às pressões dos poderes econômicos e políticos locais. “Assim temos o extermínio, a desintegração social, opressão, mortes, ameaças, marginalização, exclusão, fome, miséria e toda espécie de violência física e psicológica”.

Conclusão: o Estado não cumpre seu papel. E a demora em todas as instâncias do Judiciário “agrava ainda mais a notória situação de violência”, “rompe com o trato dos direitos humanos” e “agrava a situação das comunidades indígenas”. Por isso o documento pede prioridade absoluta, por meio do Conselho Nacional de Justiça, a partir de um mapeamento minucioso de todos os processos em trâmite.

Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil

VIOLÊNCIA

O relatório entregue às Nações Unidas descreve a movimentação dos representantes do agronegócio – os ruralistas – nos últimos anos para retomar a tramitação de instrumentos danosos aos povos indígenas, como a PEC 215, “que inviabiliza novas demarcações de terras indígenas e titulações de terras quilombolas e legaliza a invasão e a exploração das terras indígenas já demarcadas”.

Em paralelo a isso, parlamentares da bancada ruralista, dirigentes de sindicatos rurais patronais e associações de produtores de commodities agrícolas “espalham o ódio e o terror contra os povos e suas comunidades”, com discursos de incitação ao ódio e à violência ao longo de 2014 e 2015. Consequência: “assassinatos de lideranças indígenas que lutavam pela demarcação”, ou na proteção de suas terras, e “sistemáticos ataques paramilitares contra comunidades indígenas ao redor do Brasil”.

Contra os Guarani Kaiowá, diz o documento, foram mais de dez ataques, “desferidos por milícias comandadas por fazendeiros”, que resultaram em liderança assassinada” e dezenas de indígenas, inclusive crianças e idosos, feridos”. O assassinato de 891 indígenas entre 2003 e 2015 – 426 deles no Mato Grosso do Sul – é descrito como um genocídio.

CRIMINALIZAÇÃO

As organizações apontam aumento, nos últimos anos, da tentativa dos ruralistas de criminalizar lideranças indígenas, profissionais de antropologia, organizações e pessoas da sociedade civil que atuam em defesa dos povos indígenas. Como na CPI do Cimi, na Assembleia do Mato Grosso do Sul, e a CPI da Funai/Incra, na Câmara.

Juízes e indigenistas descrevem ainda o agravamento, em 2015, das invasões para exploração ilegal de madeira e outros bens, “pela prática macabra de atear fogo intencionalmente no interior dessas terras”. “A ação dos madeireiros resultou na ampliação em larga escala das queimadas e consequente destruição generalizada da fauna e da flora”. No caso do povo Guajajara, no Maranhão, as queimadas atingiram metade dos 413 mil hectares da Terra Indígena Arariboia.

A omissão do Estado, portanto, ocorre, segundo as organizações, “desde a falta de ações preventivas e efetivas na proteção das terras indígenas até a impunidade dos assassinos das lideranças”.

O documento termina falando da resistência dos povos aos “projetos de morte e a própria morte que o Estado e outros atores sociais lhes imputam”.

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