Projeto que forma cineastas indígenas teve atividades interrompidas, diz o cineasta Vincent Carelli; ele aponta desmonte de política do Ministério da Cultura
Os grandes rituais de iniciação indígena acontecem de geração em geração, a cada 15 anos. São rituais complexos, em que se discutem durante meses a coreografia, os cantos, as palavras a ser usadas. A possibilidade de registrar esses rituais, mantendo assim a sua memória, foi o que levou várias etnias não só a acolher, mas a requisitar a presença do Vídeo nas Aldeias, com suas oficinas de filmagem voltadas para os índios. O projeto cresceu e formou dezenas de cineastas indígenas.
Depois de 30 anos de atividades, porém, reconhecido internacionalmente, ele está prestes a fechar suas portas, mantendo apenas um endereço virtual. A informação foi passada pelo cineasta Vincent Carelli, criador do projeto, em debate realizado na segunda-feira, na sede do Outras Palavras.
“Foi justamente a velha geração que vislumbrou a possibilidade de uma memória possível com essa ferramenta”, recorda Carelli, diretor premiado dos filmes “Martírio” e “Corumbiara“. A primeira experiência foi entre os Nhambiquara, e provocou uma catarse coletiva, em que eles reviveram as rezas, a furação de beiços e nariz, tradições que não praticavam havia 20 anos.
O cineasta conta que as atividades de formação da Vídeo nas Aldeias foram interrompidas “pelo desmonte da política revolucionária da era Gilberto Gil e do Juca Ferreira no Ministério da Cultura, uma onda de valorização da diversidade cultural brasileira que repercutiu em todos os editais de financiamento das empresas mistas e particulares”. Apesar disso, diz ele, existe hoje uma rede de resistência indígena latino-americana:
– Tem todo um movimento importante acontecendo em termos de jornalismo nativo, a nova geração se ligando no que acontece no Canadá, no Chile. A Rádio Yandê é uma rádio web feita por indígenas, mais de 80 correspondentes pelo Brasil afora que fazem seus trabalhos e sustentam do próprio bolso essa experiência de etnojornalismo, abrindo novas perspectivas, frentes de diálogo e de curtição também. Grande parte da audiência da Yandê é internacional.
Além da Yandê, Carelli aponta ainda a Rádio Mapuche, do Chile, e a Erbol, da Bolivia.
As declarações foram dadas durante debate sobre um filme do Vídeo nas Aldeias, “O Mestre e o Divino“, de Tiago Campos, que estreia nesta quinta-feira (17/11) em São Paulo. O cinedebate teve a participação de Campos, de Carelli, da antropóloga Sylvia Caiuby, diretora do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP, e do jornalista Alceu Castilho, editor do De Olho nos Ruralistas, e a parceria da Taturana Mobilização Social.