Massacre de Pau D’Arco: Liga dos Camponeses diz que fazenda fica em terra pública

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Dez pessoas foram assassinadas no Pará, mesmo número do Massacre de Corumbiara, em 1995; Fetraf diz que não compactua com “luta armada”

Por Alceu Luís Castilho

Pelo menos dez camponeses foram assassinados pela polícia nesta quarta-feira em Pau D’Arco, no sudeste do Pará. É uma das maiores matanças no campo desde o fim do período militar. O número de mortos é o mesmo do Massacre de Corumbiara, em Rondônia, em 1995. No ano seguinte foi a vez do Massacre de Eldorado dos Carajás, também no Pará, com 19 executados. Os dois estados têm liderado, nos últimos anos, as estatísticas sobre assassinatos no campo.

Em nota, a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) do Pará e Tocantins informou nesta quarta-feira que a fazenda onde foram mortos os camponeses – onze, em sua versão – fica em terras públicas. “A terra pela qual foram assassinados os 11 camponeses, a Fazenda Santa Lúcia, era parte do império de Norato Barbicha [o pecuarista e madeireiro Honorato Babinski], que já morreu, mas os seus milhares de hectares grilados ficaram para sua mulher”.

Segundo a Liga dos Camponeses, uma das assassinadas presidia a associação dos camponeses que lutava pela área, a Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Pau D’Arco. Chamava-se Jane. A nota da LCP diz ainda que entre os mortos estavam sete camponeses de uma mesma família. “Eles já participaram, junto com a Liga dos Camponeses Pobres do Pará e Tocantins, de diversos protestos e fechamento de estradas”.

A nota é assinada também pela Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres. A LCP é um movimento que defende a revolução agrária. Com táticas mais agressivas que a de outras organizações, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Liga tem forte atuação em Rondônia, estado que liderou, nos dois últimos anos, o número de assassinatos por conflitos no campo no Brasil.

REINTEGRAÇÃO DE POSSE OU BUSCA

“A Delegacia de Conflitos Agrários (Deca), outras polícias, pistoleiros e seguranças particulares estavam na área para fazer segurança para o latifundiário”, acusa a LCP. “E fizeram a chacina para vingar a morte de um suposto pistoleiro que teria morrido na região. A Deca foi a Pau D’Arco para matar camponeses”.

O Brasil de Fato informa que as mortes ocorreram em função de uma ação das Polícias Civil e Militar. Uma advogada da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá (PA), Andreia Silvério, disse ao jornal que a ação ocorreu durante um processo de reintegração de posse da fazenda.

Segundo a advogada, o juiz determinou que a polícia local cumprisse a ordem, o que vai contra orientações do Tribunal de Justiça e da Ouvidoria Agrária Nacional: “Quem deve cumprir as reintegrações de posse é o comando da PM do batalhão especial, que fica em Belém”.

A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará afirmou em nota que a ação policial não era uma reintegração de posse, e sim o cumprimento de 16 mandados judiciais, entre prisões preventivas, temporárias e mandados de busca e apreensão. Os policiais buscavam suspeitos de matar um segurança da fazenda, Marcos Montenegro, em abril.

VERSÕES DIFERENTES

A LCP diz ser mentira a versão de que os policiais foram recebidos a tiros e reagiram:

– Todo mundo que conhece armamento sabe que aquelas poucas que foram apreendidas e mostradas não encorajariam ninguém a enfrentar a polícia. É só ver os corpos dos companheiros assassinados para concluir que foram fuzilados, e não estavam em posição de confronto.

A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado do Pará (Fetraf), em nota, contesta a versão da Liga dos Camponeses. A organização diz que alguns acampados da fazenda Santa Lúcia participaram de enfrentamentos com armas de fogo. E que as orientações aos líderes do acampamento não foram seguidas:

– A Fetraf preza pelo diálogo e pelo o entendimento mútuo por parte do Incra, proprietário da área e por parte dos trabalhadores. Jamais apoiaremos a luta armada.

Pará tem histórico de mortes no campo. (Foto: Agência Brasil)

Segundo a Fetraf, ao menos 40 trabalhadores rurais foram mortos em conflitos no último ano no Pará. “Entendemos que o recuo nesse momento é mais inteligente”, diz a organização. “Não queremos pactuar e tão pouco participar de outros episódios que por ventura possam vir a acontecer”.

A LCP conta que uma das fazendas do mesmo proprietário, a Cipó, já esteve tomada pela LCP do Pará e Tocantins. Mas foi alvo de reintegração de posse. De acordo com o movimento, apenas 200 dos 800 alqueires (1/4 de 2.176 hectares) são documentados: “Os outros 600 alqueires são terras do Estado”.

A Liga responsabiliza pelo massacre a Delegacia de Conflitos Agrários e o governo estadual, administrado por Simão Jatene (PSDB). Este último também foi mencionado pela Fetraf.

DO PARANÁ AO PARÁ

O Brasil de Fato ouviu um integrante da Liga dos Camponeses Pobres (LCP-PA), Paulo Oliveira. Ele contou que outras 14 pessoas foram baleadas em Pau D’Arco. Ele reforçou a informação de que a fazenda Santa Lúcia foi grilada pela família Babinski: “São terras públicas que eles grilaram. As famílias entraram e foram despejadas de forma violenta, e tentaram retornar agora, mas tinha um mandado de despejo e aconteceu esse episódio”.

Pau D’Arco, no Pará: região de conflitos.

O paranaense Honorato Babinski era o dono da Agro Pastoril Conceição do Araguaia, fundada em 1969 e localizada na zona rural de Pau D’Arco. A atividade da empresa era a pecuária bovina, em sociedade com sua ex-mulher, Maria Inez Resplande de Carvalho. A fazenda Santa Lúcia I, em Pau D’Arco, aparece em lista do Cadastro Ambiental Rural (CAR) com 5.694 hectares, em nome de Honorato Babinski Filho.

Babinski também tinha uma madeireira no Paraná. Deixou três filhas e dois filhos, que disputam seu espólio entre eles e com Maria Inez. Uma delas, Vania Babinski Malinski, possui uma fazenda registrada em Curitiba e uma empresa exportadora de madeiras em Belém, em sociedade com um dos maiores madeireiros no Pará, o também paranaense João Carlos Malinski.

Em 2014, ela movia uma reintegração de posse contra mais de 20 ocupantes de uma fazenda de 4 mil hectares em Santa Maria das Barreiras (PA). A reportagem não conseguiu localizar a família.

MISSÃO OFICIAL

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão informou ontem que enviaria a procuradora Deborah Duprat a Pau D’Arco, junto com o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Darci Frigo, e o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, deputado Paulão (PT-AL).

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