Dados são do Instituto de Defesa Agropecuária do Mato Grosso; empresa já teve frigorífico embargado por comprar em área desmatada ilegalmente
Por Cauê Seignemartin Ameni
Não foi apenas na compra de políticos que a JBS S/A avançou o sinal. Na compra de gado também. Antes de fazer o acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF) que atingiria o coração do governo de Michel Temer, a empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista fez um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPF, em 2013. Comprometendo-se a não comprar gado bovino para abate de fazendas localizadas em áreas de preservação ambiental.
A JBS quebrou o acordo – segundo o Ministério Público do Estado de Mato Grosso – ao comprar reses de um fazendeiro muito específico: o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), braço direito do presidente. De Olho nos Ruralistas teve acesso às Guias de Transporte Animal (GTA’s) fornecidas pelo Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso. Elas mostram que o frigorífico comprou 449 cabeças de gado da Fazenda Cachoeira, propriedade do ministro e de seu ex-assessor Marcos Tozzatino – o nome que aparece na guia ao lado.
Foram 240 cabeças para o abate na JBS de Pontes e Lacerda, em 2016, e 209 cabeças para a unidade de São José dos Quatro Marcos, em 2014. A fazenda fica próxima de um terceiro município mato-grossense chamado Vila Bela da Santíssima Trindade, na fronteira com a Bolívia, a 520 quilômetros de Cuiabá.
SEM LICENÇA PARA A PECUÁRIA
A Fazenda Cachoeira está embargada desde novembro pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) por desmatamento ilegal de 755 hectares. Além disso, não possui autorização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente para a pecuária. Na decisão, o desembargador Luiz Carlos da Costa ordenou: 1) o bloqueio de R$ 38,2 milhões de Padilha, sua esposa Maria Eliane Padilha e outros sócios; 2) a retirada, no prazo de 60 dias, de todo rebanho existente, sob pena de uma multa diária de R$ 100 mil.
O ministro não é o único fazendeiro da região a explorar ilegalmente as reservas do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, no Mato Grosso. Por causa do desmatamento irregular, pecuária sem licença e até mesmo trabalho escravo, o Ministério Público Estadual (MPE) ingressou com 50 ações civis públicas, em dezembro, contra fazendeiros localizados – parcial ou totalmente – no interior do parque. Dias depois, a Justiça acatou o pedido e bloqueou R$ 949 milhões dos proprietários.
O Parque Ricardo Franco não é um parque qualquer. Suas reservas são reconhecidas internacionalmente por sua exuberância natural, envolvendo vegetação amazônica, Cerrado e Pantanal, fauna e espécies em risco de extinção. Possui mais de 100 cachoeiras — entre elas a Jatobá, com uma queda d’água de 280 metros, a maior do Mato Grosso.
GADO MIGRA DE FAZENDA EM FAZENDA
Por conta do bloqueio, Padilha foi obrigado a transportar 1.301 cabeças de gado para a fazenda Paredão. Que também pertence ao ministro. Segundo o MPE, Padilha controla mais quatro imóveis que invadem as reservas do parque. As fazendas Paredão I e II, com 4.123 hectares, que tiveram 2.268 hectares desmatados ilegalmente, ficam totalmente na área do parque. Estão interligadas na prática, mas separadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Nelas foram apreendidas 1.900 cabeças de gado no ano passado.
Os outros dois imóveis do ministro são a Fazenda Palmital e o Sítio Minas Gerais, ambos controlados pela Agropecuária Jasmin. Eles também ficam dentro do parque, mas não foi apurado se houve ou não desmatamento.
Os documentos obtidos pelo De Olho nos Ruralistas mostram transporte de gado para outras fazendas. O MPE suspeita que o ministro tenha feito isso para burlar a fiscalização. Entre 2014 e 2016, a Fazenda Cachoeira transportou 4.439 cabeças de gado para outra fazenda do sócio Marcos Tozzatti, a Barra Mansa, em Nova Lacerda, fora do parque estadual. Entre 2015 e 2017 o caminho foi inverso: a Barra Mansa transportou 3.172 cabeças de gado para a Cachoeira.
Entre 2015 e 2017, outro destino: a Fazenda Cachoeira transportou 553 cabeças para a Fazenda Palmital. E recebeu dela, em 2015, 200 cabeças.
A multa por descumprir o Termo de Ajustamento de Conduta, segundo a cláusula nº 4, será de “50 vezes o valor da arroba boi gordo por animal adquirido”. O MPE enviou para o MPF as GTA’s provando o descumprimento do acordo. O MPF pode, agora, executar o TAC.
JBS E GOVERNO BLINDAM PADILHA
Uma reportagem publicada há duas semanas pelo Zero Hora mostra que existe uma preocupação em comum entre os diretores da JBS e o governo Temer: blindar Padilha a qualquer custo. Em áudio anexado na delação de Ricardo Saud, o diretor de relações institucionais da JBS conversa com o deputado federal afastado Rodrigo Loures (PMDB-RS), ex-assessor especial do presidente obrigado a devolver uma mala com R$ 500 mil de propina. O diálogo mostra que Padilha seria mentido no foro privilegiado, mesmo afastado da Casa Civil, por meio da nomeação de um ministro interino.
O diálogo:
Rodrigo Loures – Eu acho, na minha opinião pessoal, que a situação do ministro Padilha é muito difícil.
Ricardo Saud – Muito.
Loures – A gente tem que aguardar aquele tempo que eu te falei. Demora para o Ministério Público Federal apresentar denúncia. Porque o que o presidente falou: “aquele que for denunciado em investigação do MPF será afastado do governo”.
Saud – Foi ótimo, né…
Loures – Se esta denúncia vier a ser aceita pelo Supremo Tribunal Federal, tá demitido.
Saud – Mas daí tem o prazo que você falou, então não vai ser nunca.
Loures – Eu acho que o que que vai acontecer… vai afastar o Padilha e outros, eventualmente outros, quando oferecerem a denúncia. Vamos imaginar que daqui a três meses.
Saud – Mas já deu tempo de fazer a investigação?
Loures – Acho que eles têm tudo pronto. Aí o Temer vai ter que afastar. Afasta, mantém o foro e ai vai ficar lá, Ricardo, um ano, dois, sob investigação.
Saud – Aí fica sem cargo.
Loures – Ele sai e fica e põe lá um interino. Põe lá um interino.
Saud – Ah, e o cara não perde o foro!
Loures – Aí o Padilha não perde o foro.
Saud – Põe e ainda ajuda os caras.
Loures – Claro.
Saud – Isso é companheirismo.
Loures – Então ele vai proteger. .. e enquanto essa investigação durar, qual é o limite do Padilha? É o dia trinta e um de dezembro de 2018, quando o presidente Temer deixar o Governo.
Saud – Aí perde o foro.
CARNE FRIA
A JBS já foi flagrada comprando gado oriundo de outras áreas desmatadas. A Operação Carne Fria, deflagrada em março pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), dias após a Operação Carne Fraca, interditou 15 frigoríficos e 20 fazendas nos estados do Pará, Tocantins e Bahia. Motivo: compra de gado oriundo de áreas embargadas. Entre os frigoríficos estavam unidades da JBS em Redenção e Santana de Araguaia, no Pará.
O Ibama estava prestes a divulgar a operação, uma das mais técnicas que já realizou, mas teve a ação abafada pelo governo federal, segundo reportagem do portal O Eco: “Operação ‘Carne Fria’ do Ibama autua JBS, mas governo federal tenta abafar”.
OUTRO LADO
A assessoria do ministro Eliseu Padilha informou ao Zero Hora que não comentaria a delação de Ricardo Saud.
Sobre o desmatamento dentro do parque, a assessoria do ministro declarou: “Não tenho nada a declarar, pois o alegado fato não existe”.
A JBS divulgou em março uma nota sobre a Operação Carne Fria:
– A JBS reitera que não comprou e não compra nenhum animal de fornecedores incluídos na lista de áreas embargadas do Ibama e vem cumprindo integralmente o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), assinado com o Ministério Público Federal do Pará em 2009.
A Companhia não é e não pode ser responsabilizada pelo controle e movimentação de gado de seus produtores. A empresa não tem acesso a Guia de Transito Animal (GTA) – documento de posse e de uso exclusivo do governo -, único responsável pelo controle de trânsito animal. Dessa maneira, é um absurdo que o Ibama queira imputar à indústria frigorifica a responsabilidade por garantir esse controle.
No que é de sua responsabilidade, a JBS trabalha com um sistema de monitoramento sofisticado com imagens de satélite e análise de documentos públicos. Fornecedores irregulares são imediatamente excluídos. Nas três últimas auditorias independentes, a JBS obteve mais de 99,9% de conformidade com critérios socioambientais aplicados à compra de gado.
Foto principal: Marcos Corrêa/PR
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