Bancada ruralista já propôs 25 Projetos de Lei que ameaçam demarcação de terras indígenas e quilombolas

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PEC 215 e Marco Temporal são propostas mais conhecidas e viraram guarda-chuvas de outros projetos; outros PL autorizam mineração e atividades poluidoras em territórios tradicionais

Por Izabela Sanchez

Um levantamento do De Olho nos Ruralistas – com base em informações de organizações como o Instituto Socioambiental (ISA) – mostra que há pelo menos 25 Projetos de Lei tramitando no Congresso que configuram ameaças aos direitos dos povos indígenas e quilombolas. A maioria dos projetos foi sintetizada em projetos guarda-chuva, como a PEC 215, que pretende transferir para o Congresso a demarcação de terras tradicionais. A Proposta de Emenda Constitucional recebeu o texto de 10 desses 25 Projetos de Lei e é uma bomba prestes a explodir em Brasília.

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Quase todos os projetos (24 deles) foram apresentados pela bancada ruralista. Ela foi decisiva para derrubar a investigação contra o presidente Michel Temer, por corrupção passiva, no Congresso: “Metade dos votos para Temer saiu da Frente Parlamentar da Agropecuária“.

A troca de favores motivou mais um pedido de investigação na Procuradoria-Geral da República: o presidente é acusado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) de improbidade administrativa, por utilizar a máquina pública para prejudicar os direitos dos povos tradicionais e se manter no poder.

Um observatório jornalístico sobre o agronegócio, o De Olho nos Ruralistas detalha, até o dia 16 de novembro, algumas iniciativas do governo Temer e de sua base parlamentar que provocam retrocessos sociais e ambientais. A editoria De Olho nos Retrocessos consiste numa cobertura especial – uma editoria específica – e em boletins semanais, com uma seleção do que foi publicado sobre o tema, ao longo da semana, na imprensa brasileira. Para receber o boletim clique aqui.

Confira aqui os principais projetos que ameaçam os povos originários e tradicionais:

O FANTASMA DA PEC 215

Pronto para ir à votação na Câmara, a proposta que quer dar ao Congresso o poder de demarcar as terras indígenas e quilombolas – hoje uma atribuição do Ministério da Justiça – tem como autor o ex-deputado Almir Sá (PL-RR). Ele foi denunciado pela Procuradoria da República na 1ª Região, em Brasília, no escândalo conhecido como “farra das passagens”. O político e mais oito ex-deputados de Roraima são acusados de uso indevido de passagens aéreas quando exerciam o mandato parlamentar.

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Almir Sá foi um dos parlamentares que tentaram derrubar a homologação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, efetivada durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2009. À época, ele e mais seis deputados protocolaram decreto legislativo na Câmara, visando suspender a homologação da reserva. O deputado também assinou a petição que julgou a demarcação no Supremo Tribunal Federal.

Um dos projetos apensados à PEC 215 é a PEC 117/2007, do deputado Edio Lopes (PMDB-RR). O integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também quer dar ao Congresso o poder de decidir sobre a demarcação de terras. Elas passariam a ser regulamentadas apenas através de lei.  O deputado também é autor do PL 1003/2015, que quer desocupar terras homologadas apenas após o pagamento do valor da terra e das benfeitorias aos fazendeiros.

AUTORES DOS PROJETOS SÃO INVESTIGADOS

O levantamento do observatório também mostra que a maioria desses parlamentares responde a processos judiciais.  Em 2014, a Segunda Turma do STF aceitou denúncia da PGR contra Edio Lopes, acusado de peculato. Ele teria contratado três funcionários fantasmas, entre 2005 e 2006, quando era deputado estadual em Roraima. A denúncia diz que eles não apareciam no trabalho nem prestavam os serviços para os quais foram contratados.

Outro político que engordou a PEC 215 foi o ex-deputado Abelardo Lupion (DEM-PR). Ele era um líder atuante da bancada ruralista e deixou o Congresso para ser um dos coordenadores da campanha do tucano Aécio Neves a Presidência da República, em 2014. Ele é autor da PEC 411/2009, que também transfere ao Congresso a prerrogativa da demarcação de terras.

Ex-deputado Lupion: família de ruralistas no Paraná.

A declaração de bens de Lupion apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral em 2010 aponta um patrimônio de R$ 5,9 milhões. Ele possui empresas de pecuária e madeireiras. Nas eleições de 2010 ele recebeu um total de R$ 1,8 milhão em doações diretas. Os principais doadores foram empresas do ramo sucroalcooleiro, como a Cosan, e produtoras de fertilizantes – além de empresas de armas e munições.

Lupion também foi citado por um dos delatores da Odebrecht na operação Lava-Jato. Ele teria recebido R$ 250 mil, não declarados à Justiça Eleitoral, para duas campanhas eleitorais. Segundo o G1, Valter Luís Arruda Lana, ex-diretor da Odebrecht na região Sul, cita dois repasses de valores não contabilizados feitos pelo grupo ao político. Segundo ele, foram R$ 150 mil para as eleições de 2010 e R$ 100 mil nas eleições municipais de 2012.

Em 2006, o Estadão contou que a Fazenda Santa Rita, de 351 hectares, de propriedade da Monsanto, multinacional que domina a tecnologia de transgênicos, foi repassada para o nome do ex-deputado por um valor abaixo do preço real. A reportagem afirma que a terra foi subavaliada e vale pelo menos três vezes mais que o declarado. Segundo o jornal, a fazenda foi comprada por R$ 690 mil, mas deveria custar entre R$ 2,3 milhões e R$ 2,9 milhões.

Neto do ex-governador paranaense Moisés Lupion, o político fundou e presidiu a União Democrática Ruralista (UDR) do Paraná. Em 2005, durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Terra, recomendou a aprovação de um projeto de lei para tipificar a ocupação de terras como crime hediondo e ato terrorista. Ele também votou contra a PEC do Trabalho Escravo e a favor da alteração do Código Florestal.

ASSEMBLEIAS DECIDINDO SOBRE DEMARCAÇÃO?

Outro apêndice da PEC 215 pretende incluir as Assembleias Legislativas no processo de demarcação de terras. É a PEC 257/2004, do ex-deputado Carlos Souza (PL-AM). Ele é réu em um processo movido pelo Ministério Público do Estado do Amazonas, que investiga o envolvimento dele e de outros integrantes de sua família em uma quadrilha que explorava o tráfico de drogas. Em dezembro de 2009, segundo o Estadão, quando era vice-prefeito de Manaus, Carlos Souza chegou a ser preso, mas foi liberado oito dias depois.

Ele é irmão de outro ex-deputado estadual amazonense, Wallace Souza, morto em 2010. O jornal explica que Wallace teve o mandato cassado em 2009, acusado de comandar a quadrilha. Segundo a peça acusatória, ele seria o responsável pela execução de traficantes rivais. De quebra, enviaria equipes de reportagem de um programa de TV comandado por ele, Carlos Souza e outro irmão, o ex-deputado estadual Fausto Souza, aos locais onde os corpos estavam. Motivo: aumentar a audiência.

Ex-deputado Odacir Zonta ainda frequenta as reuniões da Frente Agropecuária.

Ex-deputado, Odacir Zonta (PP-SC) também teve Projeto de Lei adicionado à PEC 215. O PL 156/2003 quer excluir da lista de terras a serem demarcadas as que estiverem ocupadas por pequenas propriedades rurais que sejam exploradas em regime de economia familiar. Zonta é um dos 16 políticos de Santa Catarina citados na “farra das passagens”.

A PEC 215 recebeu proposta de outro catarinense para que as terras tradicionais sejam trocadas por outras do mesmo tamanho. É o que propõe a PEC 415/2009, de autoria do ex-deputado federal Gervásio Silva (PSDB-SC), mais uma anexada à PEC 215. O deputado foi investigado, pelo STF, sob a acusação de atentado violento ao pudor e de lesão corporal.

Além da permuta de terras, a PEC 215 ganhou o PL 275/2004, de autoria do ex-deputado e atual senador Lindbergh Farias (PT-RJ). O projeto visa “regulamentar a exploração e aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais” em terras indígenas, além de estabelecer que a demarcação da terra a exploração de recursos sejam realizados mediante regulamentação pelo Congresso. Segundo o site Atlas Político, o senador – de oposição ao governo Temer – responde a seis inquéritos no STF, uma ação por improbidade administrativa no Tribunal Regional Federal da 2ª Região e a dez ações no Tribunal de Justiça do Rio Janeiro.

A PEC 215 incorporou ainda o texto de outras propostas idênticas, como a PEC 37/2007, do ex-deputado federal Eliene Lima (PP-MT); a PEC 579/2002, do ex-deputado federal Ricarte de Freitas (PSDB-MT); e a PEC 291/2008, do ex-senador Ernandes Amorim (PTB-RO). Todas transferindo ao Congresso o poder de demarcação.

A proposta de emenda (PEC 161/2007) do deputado Celso Maldaner (PMDB/SC), foi além. Igualmente adicionada à PEC 215, ela inclui nas atribuições do Congresso, além da demarcação de terras, a criação das Unidades de Conservação. O deputado é mais um membro atuante da Frente Parlamentar da Agropecuária.

DE OLHO NO MARCO TEMPORAL

Uma das barganhas da bancada ruralista para apoiar Michel Temer é a vinculação da tese do Marco Temporal a todas as demarcações de terras tradicionais. A interpretação jurídica foi criada durante o julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, e afirma que só podem ser consideradas tradicionais as terras que estavam efetivamente ocupadas por povos indígenas ou quilombolas em 1988, na data da promulgação da Constituição.

A tese ainda está em disputa. Foi regulamentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) para ser vinculada a todos os procedimentos de demarcação, como um presente de Temer aos ruralistas. Mas é contestada por organizações indigenistas e por juristas. Entenda aqui um pouco dessa polêmica: “‘Marco Temporal levará à extinção de povos indígenas e regularizará grilagem’, diz professor da USP“.

Dos 25 projetos de lei identificados pelo observatório, 3 deles propõem o Marco Temporal como interpretação jurídica. É o caso da proposta trazida pelo deputado Geraldo Simões (PT-BA) no PL 6818/2013. O deputado enfatiza no texto do projeto que “o esbulho possessório ocorrido anterior a 05 de outubro de 1988 descaracteriza a habitação permanente”. O deputado não está mais na lista dos integrantes da FPA, onde atuou por muitos anos. Mas compõe o que pode ser chamada de uma “bancada ruralista do PT”.

Esse PL foi anexado a outro projeto articulado pelos ruralistas: o PL 490/2007, que alia a regulamentação do Marco Temporal à demarcação de terras pelo Congresso. A autoria é do ex-deputado Homero Pereira, falecido em 2013. Ex-presidente da FPA, Homero foi um nome forte na defesa dos interesses do agronegócio. Ele foi relator da proposta que alterou o Código Florestal e dá nome a um prêmio oferecido pelos ruralistas na Câmara.

Em julho de 2008, quando era membro da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, emitiu um parecer negativo ao Projeto de Lei 436, de 14 de março de 2007, apresentado pela deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA). O projeto previa a obrigatoriedade da compra de coberturas de seguros contra o rompimento de barragens. O PL foi arquivado no mesmo dia do rompimento das barragens da Samarco, o crime ambiental ocorrido em Mariana (MG) em novembro de 2015.

Outro projeto que estabelece a tese do Marco Temporal é o PL 1216/2015, do deputado Covatti Filho (PP-RS). O projeto foi anexado ao PL 6818/2013, do deputado Geraldo Simões. Covatti também é membro da FPA e recebeu, entre as doações de campanha, R$ 200 mil da JBS, um dos principais pivôs da crise política do governo Temer, investigada em operações da Polícia Federal como a Lava-Jato, a Carne Fraca e a Carne Fria.

EXPLORAÇÃO DE MINÉRIO EM TERRA INDÍGENA

Além dos projetos que estabelecem o Marco Temporal e os que foram adicionados à PEC 215, o Congresso guarda mais ameaças aos povos indígenas e quilombolas nas pautas em tramitação. Fruto da CPI – controlada pelos ruralistas – que investigou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o PL 684/2017 pretende anular um decreto que demarcou diversas terras quilombolas em 2003.

O PL que regulamenta a proposta da CPI “susta a aplicação do Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003”. O projeto aguarda designação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara.

(Foto: Agência Brasil/EBC)

E tem mais: o PL 3509/2015, do deputado ruralista Luiz Claudio (PR-RO), quer regulamentar a exploração o e aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas. Esse e outros projetos foram adicionados ao PL 1610/1996, do senador Romero Jucá (PMDB/RR), uma das figuras-chave da era Temer, que também trata de mineração em terras indígenas.

Membro da FPA, Luiz Claudio teve a campanha para deputado financiada pela CMPC Celulose Riograndense, maior conglomerado de papel e celulose da América Latina, pertencente ao Grupo Matte. Terceiro maior patrimônio empresarial e familiar do Chile, segundo o Jornal GGN, o grupo teve aprovado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) um crédito de US$ 1,2 bilhão de um total de US$ 2,1 bilhões para a quadruplicação, em Guaíba, da antiga fábrica Borregaard. Hoje conhecida como CMPC – Celulose Riograndense, ela doou R$ 200 mil à campanha do deputado.

DA POLUIÇÃO ÀS INDENIZAÇÕES

Outros dois projetos – além daquele do deputado Edio Lopes – querem indenizar os proprietários pelas terras que forem demarcadas. Atualmente a União permite que apenas as benfeitorias sejam pagas aos fazendeiros. Uma das propostas foi apresentada pelo deputado federal Geraldo Resende (PSDB-MS), a PEC 161/2003. A outra, a PEC 409/2001,pelo ex-deputado Hugo Biehl (PP-SC).

As duas foram anexadas à PEC 132/2015, que aguarda criação de Comissão Temporária na Câmara e saiu do Senado, onde tramitou como PEC 71/2011. A autoria é do senador Paulo Bauer (PSDB-SC), membro da FPA e líder do PSDB no Senado. O senador é citado na delação premiada de diretores da JBS. Conforme planilha entregue por Joesley Batista ao Ministério Público Federal (MPF), ele teria recebido R$ 100 mil em propina dissimulada de doação oficial para a campanha dele ao Senado em 2010, quando foi eleito, e R$ 400 mil na eleição de 2014, em campanha para o governo catarinense.

(Foto: Mídia Ninja)

Outro integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária a propor leis que podem prejudicar os povos tradicionais é o deputado Ronaldo Benedet (PMDB-SC). Ele é autor do PL 1546/2015, um projeto mais amplo que regulamenta empreendimentos e atividades que utilizem componentes poluidores, mas que tem um capítulo específico sobre esses empreendimentos em Terras Indígenas.

O projeto foi apensado ao PL 8062/2014, que distribui para os entes federados “a competência de definir quais empreendimentos devem estar sujeitos a licenciamento ambiental”. O PL tem como autor uma das vozes mais eloquentes da bancada ruralista: Alceu Moreira (PMDB-RS), vice-presidente da FPA Sul e presidente da CPI da Funai: “Presidente da CPI da Funai recebeu dinheiro a pedido, diz delator da JBS“.

Os dois projetos foram adicionados ao PL 3729/2004, que cria um novo sistema de licenciamento ambiental e é visto por especialistas como um enfraquecimento da legislação. O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma nota de repúdio à proposta. Uma análise feita pela Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF afirma que as mudanças poderão trazer “prejuízos irreversíveis à proteção e à gestão ambiental”, relata o Estadão, por conta do excesso de flexibilização das regras.

TERRAS ‘INVADIDAS’ NÃO SERÃO DEMARCADAS

Simone Tebet. (Foto: Jonas Pereira/Agência Senado)

Dona de uma fazenda em região de conflitos no Mato Grosso do Sul, a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) não faz parte da Frente Parlamentar da Agropecuária, controlada por deputados, mas é nome forte da bancada ruralista no Senado. É dela o PLS 494/2015 que quer excluir dos processos de demarcação as terras que forem alvo de conflitos e ocupações indígenas.

O projeto altera a Lei nº 6.001/73, o Estatuto do Índio, para dispor que “no caso de turbação, esbulho ou ocupação motivados por conflitos de caráter indígena sobre imóvel particular em relação ao qual não haja nenhum trabalho de estudo antropológico de identificação por iniciativa formal do órgão federal de assistência aos índios, ficará proibido o início de qualquer ato destinado à demarcação desse imóvel como terra indígena nos dois anos seguintes à sua desocupação ou, no caso de reincidência, no dobro desse prazo”.

A senadora teve a campanha regada por ruralistas. Recebeu R$ 1,7 milhão da JBS; R$ 700 mil da Iaco Agrícola; R$ 300 mil da Rio Claro Agroindustrial; R$ 100 mil da Fibria Celulose e outros R$ 70 mil da Usina Eldorado. A Eldorado Celulose pertencia ao grupo J&F, controladora financeira da JBS, também está sob investigação na Lava-Jato, mas foi vendida por R$ 15 bilhões ao grupo holandês Paper Excellence. A fazenda que a senadora possui em Caarapó (MS) foi declarada por R$ 457 mil.

Foto principal: Jornalistas Livres

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