“Desertos Verdes” dá voz a indígenas, camponeses e quilombolas; eles são expulsos, ameaçados e veem aviões das grandes empresas despejarem veneno na mata e nos rios
Por Fábio Vendrame
Escassez de água e degradação sistemática do meio ambiente constituem os impactos mais evidentes da monocultura do eucalipto no Sul da Bahia e Norte do Espírito Santo. Recém-lançado no YouTube, o documentário “Desertos Verdes: Plantações de Eucalipto, Agrotóxicos e Água” dá voz a indígenas, quilombolas e camponeses da região. Do ponto de vista dessas comunidades, a exploração comercial do eucalipto representa uma tragédia com desdobramentos imprevisíveis.
O vídeo de 23 minutos e 34 segundos, dirigido por Marcelo Lopes e Ivonete Gonçalves de Souza, foi elaborado pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes). Traz relatos de exploração de trabalhadores, expulsões, ameaças e, claro, degradação contumaz da Mata Atlântica e de suas fontes naturais de água. O mais alarmante, contudo, parece ser a constatação de que o uso intensivo de agrotóxicos tem vitimado fauna e flora de forma contundente.
Não é de hoje que a monocultura do eucalipto – e também a do pinus – ganhou a fama de produzir “desertos verdes” onde se instala. Decorre do fato de que essa espécie de árvore consome quantidades enormes de água para se desenvolver. Mas não só. Toda a vegetação nativa é derrubada e dá lugar a uma única espécie, que é plantada de forma extremamente adensada – uma árvore bastante próxima da outra. Isso produz uma imensa sombra debaixo do plantio, tornando o local inóspito tanto para o crescimento de outro tipo de vegetação como para a fauna silvestre.
“Deserto tem a ver com não presença de vida. Se a gente pegar regiões do Norte do Espírito Santo ou o Sul da Bahia, onde essas empresas estão instaladas, elas têm vastas extensões de terra, onde toda a vegetação nativa foi retirada e deu lugar a uma única espécie, que é o eucalipto”, já explicava em março de 2015 o agrônomo Gabriel Fernandes, assessor técnico da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, em entrevista dada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Acaba que você tem uma grande plantação que, apesar de verde, é um ambiente que não vai ter vida, não proporciona alimento, não proporciona as fontes necessárias para que os animais se multipliquem ali”.
As empresas a que o agrônomo se referia na entrevista são enumeradas pelos protagonistas do documentário. Algumas delas pelo menos. Destaques para Suzano e Veracel. Outra gigante do setor, a Fibria, resultado da fusão entre Aracruz e Votorantim Papel e Celulose, ganha menção honrosa no fim do documentário como uma das responsáveis por despejar quantidades industriais de inseticidas do grupo químico neonicotinoide, produto derivado da nicotina, para “proteger” as plantações de eucalipto da indesejada lagarta parda.
AGROTÓXICOS ATINGEM A POPULAÇÃO
Esse e outros tipos de veneno, chamados eufemisticamente pelo agronegócio de “defensivos agrícolas”, vêm sendo pulverizados sobre a região. Herbicidas e formicidas são os mais utilizados. Os campeões são o Roundup, à base de glifosato e alcunhado “mata mato”, e o Isca-mirex, usado para o “controle” de formigas. Dentre os principais fabricantes dos produtos mencionados aparecem Bayer, Monsanto, Basf, Griffin Corporation, Syngenta e Sumitomo Chemical.
Feitas a partir de aeronaves, as fumigações ocorrem toda semana e atingem não apenas as plantações, mas também cursos d’água e a população. Moradores relatam efeitos nefastos, que vão sendo percebidos ao longo do tempo e conforme o grau de exposição a esses agentes químicos.
A olho nu, contudo, quem já teve a oportunidade de visitar a região de Caravelas, por exemplo, no Sul da Bahia, constata a transformação absoluta da cobertura vegetal. Ali, bem pertinho de onde os portugueses avistaram pela primeira vez a terra que passaria a se chamar Brasil, antes os olhos se perdiam na exuberância da Mata Atlântica, mas hoje se cansam com a monotonia de uma paisagem que nem nativa é – o eucalipto é uma espécie originária da Oceania.