Pesquisas mostram que tem aumentado risco de deformidades congênitas; abortos espontâneos no Paraná também estão relacionados ao uso de pesticidas
Por Izabela Sanchez
Duas pesquisas de instituições de renome denunciam a relação entre os agrotóxicos e a má-formação congênita em recém-nascidos. A Universidade da Califórnia e o Instituto Fiocruz chegaram à mesma conclusão: a exposição de mulheres grávidas a regiões que concentram monoculturas tem aumentado as chances de que os bebês apresentem uma série de deformidades.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia publicaram na revista Nature, em dezembro de 2016, um estudo sobre o impacto dos pesticidas nas gestantes da região de San Joaquin Valley, o Vale Central da Califórnia, um dos símbolos mundiais do agronegócio. Segundo a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, a EPA, a região é uma das maiores áreas “agricultáveis” do mundo.
Ali se produz, entre outros alimentos largamente utilizados pela indústria, a uva, que culmina em um consumo de vinhos de larga escala em todo o mundo. Na região vivem cerca de 4 milhões de pessoas. E essas pessoas, apontam os pesquisadores, estão completamente expostas aos danos dos venenos utilizados nas culturas.
O estudo comparou 500 mil nascimentos em San Joaquin Valley, entre 1997 e 2011, com os níveis de pesticidas utilizados na região. O resultado? Foram encontrados, em média, 975 quilos de substância para cerca de 2,6 km de área plantada, a cada ano.
Os pesquisadores Ashley E. Larsen, Steven D. Gaines e Olivier Deschênes descobriram que, para as gestantes expostas em cerca de 5% dessa área, os pesticidas podem levar a um aumento de até 9% na má-formação congênita.
As deformidades decorrentes disso podem abranger desde o sistema nervoso até o respiratório. Os agrotóxicos estão por trás, por exemplo, da má-formação conhecida como “testículo não descido” e da fenda palatal. Os pesquisadores criticam o excesso de agrotóxicos utilizados na agricultura norte-americana, o que tornou difícil, explicam, diferenciar os compostos.
Quem mais corre riscos são as mães com baixo grau escolar e as com origem latina, que representam 37% e 68% das gestantes expostas aos pesticidas, respectivamente. A Califórnia, lembram os estudiosos, é o estado mais populoso dos Estados Unidos e representa 12% de todos os nascimentos do país.
A influência dos venenos na saúde das mães e dos bebês, segundo o estudo, não se dá apenas na má-formação. Nascimentos prematuros e diminuição do peso dos recém-nascidos também estão relacionados.
Para o tempo de gestação e probabilidade de gestação curta (37 semanas) há efeitos negativos da alta exposição a pesticidas. A alta exposição de grupos (95% de exposição) a pesticidas cumulativos durante a gestação reduz o tempo de gravidez em 0,1% ou 9h e aumenta a probabilidade de nascimento prematuro em 8%. Para anomalias no nascimento, estar nos grupos de baixa e alta exposição a pesticidas cumulativos durante a gravidez aumenta a probabilidade de má-formação em 9% (5,8% dos nascimentos dessa amostra têm uma anomalia).
NO PARANÁ, 14% DO CONSUMO BRASILEIRO
No Brasil, as notícias também não são nada boas. É o que descobriram pesquisadores do Instituto Fiocruz ao analisar a distribuição temporal das má-formações congênitas no Paraná, entre 1994 e 2004. O estudo descobriu nada menos que 41 pesticidas utilizados no Estado, com destaque para a região de Cascavel. Todos eles podem ter relação com diversas anomalias do nascimento.
Lidiane Silva Dutra e Aldo Pacheco lembram que no mercado brasileiro o uso de pesticidas cresceu cerca de 190% em 10 anos. O Paraná, um dos estados que mais utiliza os agrotóxicos, responde por 14% desse consumo. A substância mais utilizada no estado é o glifosato, também conhecido como roundup, menina dos olhos da gigante Monsanto (agora parte da corporativa Bayer, um negócio que custou R$ 66 bilhões à farmacêutica alemã).
O glifosato representa 27% dos venenos utilizados nas monoculturas paranaenses de grão, como a soja e o milho, analisadas pela pesquisa. Em segundo lugar vem a atrazina, também conhecida por outro nome: o herbicida Proof, produzido pela suíça Syngenta (a corporação foi comprada pela estatal chinesa estatal ChemChina por R$ 42 bilhões). A atrazina corresponde a 7,41% dos agrotóxicos utilizados no estado.
Esses princípios ativos selecionados por serem sabidamente disruptores endócrinos representam 32,6% (32.172 toneladas) do total de agrotóxicos consumidos no Estado (98.624 toneladas). A soma dos cinco princípios ativos com maior consumo – glifosato, atrazina, acefato, 2,4-D e epoxiconazol/piraclostrobina – ultrapassa 50% do total de agrotóxicos utilizados.
Os pesquisadores analisaram cerca de 14 má-formações em recém-nascidos. São 56 municípios expostos aos venenos. As Unidades Regionais (URs) com maior consumo de agrotóxico (média 2014-2015) foram Cascavel (5.107,46 toneladas), Ponta Grossa (3.526,73 toneladas) e Toledo (3.336,95 toneladas). Das 20 URs apresentadas, 11 tiveram consumo de agrotóxicos acima de 1 tonelada.
Entre 1994 e 2003, analisam os pesquisadores, foram 141 os recém-nascidos que apresentaram a chamada “espinha bífida”, uma espécie de protuberância na coluna dos bebês. Entre 2004 e 2014 esse número saltou para 346, um aumento de 145%. Essa má-formação é caracterizada por um fechamento incompleto do tubo neural.
Outras formações do sistema nervoso, que entre 1994 e 2003 atingiram 572 recém-nascidos, apresentaram um aumento de 113% entre 2004 e 2014, quando nasceram 1.218 bebês com essa anomalia. Os especialistas explicam que as má-formações que mais têm relação com os agrotóxicos são a do “testículo não descido” e as “má-formações congênitas do aparelho circulatório”.
A segunda maior associação encontrada no Paraná foi referente às “má-formações congênitas do aparelho circulatório”. Foram encontradas associações entre tetralogia de Fallot e o neocotinóide imidacloprida; síndrome da hipoplasia do coração esquerdo e o fungicida azoxistrobina; estenose pulmonar valvar e os herbicidas norflurazon, 2,4-D e paraquat; defeito do septo ventricular perimembranoso e o acaricida abamectin; defeito de septo atrial e hexazinona, o herbicida 2,4-D, o acaricida óxido de fembutatina e os inseticidas clorpirifós e lambda-cialotrina.
ABORTOS ESPONTÂNEOS
Além das má-formações congênitas, o estudo da Fiocruz relaciona os pesticidas ao aumento de abortos espontâneos entre as famílias de agricultores. Elas estão expostas a maior risco de óbitos fetais, mas a expansão das fronteiras agrícolas, comentam os pesquisadores, faz toda a população ficar exposta, incluindo a urbana.
O estudo também cita a contaminação da água utilizada pela população paranaense:
– Os dados referentes ao estado demonstram que, ao longo do tempo, o agronegócio tem avançado e, apesar de haver regiões mais ou menos agrárias, a contaminação da população aumenta como um todo, demonstrando que as fronteiras agrícolas e os desdobramentos referentes a ela estão cada vez mais próximos de centros urbanos, seja por meio de uma aproximação literalmente física ou por meio dos contaminantes existentes na água, no ar ou nos alimentos ingeridos por essa população.
(Foto principal: San Joaquin Valley, no Vale Central da Califórnia, um dos símbolos mundiais do agronegócio / Divulgação/Zocalo Public Square)