Em relatório, Cimi descreve ‘ataque ruralista’ generalizado contra povos indígenas

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(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Documento aponta papel do Congresso e mostra como direitos foram pulverizados em 2016, do número zero de demarcações ao aumento dos homicídios e da mortalidade infantil

Por Izabela Sanchez

Os números são eloquentes: 118 mortes; 106 suicídios; 735 casos de mortalidade infantil. Eles compõem os índices de violência contra indígenas no ano passado, em todo o Brasil, organizados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no relatório “Violência Contra os Povos Indígenas 2016“. Enquanto alguns números diminuíram comparados a 2015, a abrangência das violências aumentou.

O documento mostra um retrato caótico da assistência e da proteção dos direitos das etnias em todo o país. Para o Conselho Indigenista, o cenário denuncia a consolidação da ideologia ruralista junto ao governo de Michel Temer, que pulverizou as ameaças contra os povos indígenas.

O presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi, considera que, além do racismo que perdura na sociedade brasileira, a intolerância estimulada publicamente tem posicionado os povos indígenas como ameaças – e não ameaçados – e gerado agressões ainda mais brutais:

Entendemos que o incremento da violência responde, entre outras coisas, aos inflamados pronunciamentos de representantes do poder público, que menosprezam, ironizam ou desconsideram os direitos constitucionais dos povos e das comunidades originárias e tradicionais e, deliberadamente, incentivam agricultores a utilizarem quaisquer meios para deter as iniciativas de coletividades historicamente espoliadas e desrespeitadas.

FUNAI: MENOR ORÇAMENTO EM DEZ ANOS

À míngua, a situação dos povos indígenas acompanha as verbas destinadas pelo governo federal à assistência e garantia dos direitos. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) culminou, junto ao governo Temer, no menor orçamento da Funai em 10 anos.

Manifestação em 2017. (Foto: Christian Braga/Jornalistas Livres)

Assim resume um dos capítulos do relatório, escrito por Ricardo Verdum, doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB):

Comparado com o orçamento de 2015, o valor autorizado para ser utilizado em particular pela Funai e pela Sesai em 2016 é menor que o do ano anterior em cerca de R$ 111,9 milhões. Este ‘enxugamento’ ocorreu em todos os objetivos, inclusive na ação de promoção, proteção e recuperação da saúde indígena.

A redução da proposta orçamentária agravou-se em 2017. Segundo Verdum, ela não se explica somente pelas mudanças políticas havidas em 2016: “O último aumento na dotação orçamentária da Funai ocorreu em 2013, ocasião em que chegou a ser de R$ 193 milhões”.

O pesquisador descreve fatias não aplicadas e cortes observados em todas as autarquias que respondem pela assistência aos povos indígenas. O Congresso autorizou apenas R$ 1,534 bilhão para as autarquias em 2016. No dia 31 de dezembro, conta ele, as unidades orçamentárias responsáveis pelas oito ações haviam empenhado 86,76% deste total. Ou seja, R$ 203 milhões não chegaram a ser empenhados.

DEMARCAÇÕES ESTÃO TRAVADAS

A demarcação de terras indígenas costuma ser, historicamente, um dos gargalos do Estado, mas 2016 mostrou que a a prioridade do governo para as demandas ruralistas deixou muito pior o que já não ia bem. Verdum afirma que o orçamento e o recurso financeiro disponibilizados à Funai “vêm numa trajetória declinante desde 2014”.

Segundo o Cimi, o total de terras indígenas no Brasil passou de 1.113, em 2015, para 1.296, em 2016. Um olhar mais detalhado nos números indica, no entanto, que apenas 30,9% dessas terras tinham seus processos administrativos finalizados. A lentidão nos processos de demarcação mostra um horizonte preocupante:

– Os dados atualizados em 19 de setembro de 2017 apontam a preocupante existência de 836 terras indígenas, o que corresponde a 64,5% do total, com alguma providência a ser tomada pelo Estado brasileiro. Ou seja, com exceção das terras registradas, das reservadas e das dominiais, 836 terras apresentam pendências administrativas para terem seus procedimentos demarcatórios finalizados.

O governo Temer, conforme o relatório, não homologou nenhum território tradicional. Amazonas e Mato Grosso do Sul, os dois estados com o maior números de indígenas do Brasil, ilustram as maiores listas de procedimentos emperrados. No Amazonas 199 terras estão nesta situação; em Mato Grosso do Sul, 74.

MORTALIDADE INFANTIL AUMENTOU 23%

O efeito dominó que atingiu a Funai e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) também pode ser observado na quantidade de modalidades e casos de violência registrados pelo Cimi em todo o país. O Conselho registrou 128 casos por omissão do poder público. Entre eles, 42 casos foram de desassistência na saúde. Os mais atingidos pelo desmonte na saúde indígena, indica o Cimi, são os mais vulneráveis.

O relatório mostra 735 casos de mortalidade infantil em 2016, um aumento de 23% em relação à 2015, quando a violência atingiu 599 crianças indígenas.

Amazonas e Mato Grosso do Sul, novamente, destacam-se no ranking de violência contra pessoas indígenas. Dos 118 óbitos distribuídos em 19 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei), 44 óbitos por agressões ocorreram na área de abrangência do Dsei Yanomami. Outros 18 no Dsei de Mato Grosso do Sul.

O Conselho Indigenista Missionário é uma das principais organizações que acompanham a rotina das etnias indígenas no Brasil. Levantamento da instituição afirma que ocorreram 56 assassinatos em 2016. Mato Grosso do Sul é o estado onde foram registrados mais casos: 15. Por trás dos números, explica o Cimi, está o aumento da violência interna, o que indica a desestrutura de diversas comunidades:

As outras 44 pessoas, do sexo masculino, tinham idade entre 2 e 58 anos. Do total de vítimas, incluindo homens e mulheres, 8 eram menores, e tinham idade entre 2 e 17 anos. Pelo menos 18 mortes ocorreram em decorrência de brigas e/ou consumo de álcool. Em 5 casos, observou-se que as mortes se deram em virtude de conflitos fundiários nos estados da Bahia, Maranhão e Mato Grosso do Sul.

Enterro de Clodiodi Souza, assassinado em junho de 2016, em Caarapó (MS).

Para o secretário executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, a situação de violações e violências contra os povos indígenas foi profundamente agravada em 2016:

Aos dados de violência, propriamente ditos, foram agregados elementos políticos estruturantes que interferiram diretamente na relação do Estado brasileiro com os povos originários e subverteram as determinações Constitucionais vigentes no país.

Ele observa que voltou com muita força a tentativa de se implementar a teoria da unicidade absoluta do Estado. “Com o golpe político-jurídico-midiático que levou Michel Temer à presidência da República, a ideologia do ‘Um só país para um só povo’ foi turbinada e começou a exalar pelas janelas do poder Executivo brasileiro”, afirma.

NÚMEROS PODEM SER PIORES

O Cimi criticou, no relatório, a dificuldade de conseguir os dados para quantificar as violências, o que impossibilitou uma análise mais aprofundada. A Sesai, por exemplo, não detalha as ocorrências, especialmente sobre quem são os agressores – indígenas ou não.

A organização também teve de solicitar os dados três vezes, com base na Lei de Acesso à Informação (12.527/2011). Após a terceira solicitação a Sesai alegou que os dados são preliminares. E que, quanto à cobertura, os óbitos foram estimados “em aproximadamente 64% do valor esperado”. O órgão destacou a baixa cobertura entre os menores de 1 ano.

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