Em conversa com o empreiteiro, nos anos 90, Fernando Henrique exaltou o papel do BNDES para o capitalismo brasileiro; outro sócio da ReceptaBio também foi da Odebrecht
Por Alceu Luís Castilho
Sociedade de pesquisa contra o câncer formada por Emílio Odebrecht, Jovelino Mineiro, José Fernando Perez e Ludwig Institute, a Recepta Biopharma S.A, a ReceptaBio, tem também a BNDES Participações como acionista. A holding do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) possui 12% das ações da empresa, idealizada por Perez e apoiada desde o início por Jovelino Mineiro.
Em 2015 e em maio de 2017 o representante da BNDESPar na assembleia de acionistas foi o engenheiro químico Pedro Lins Palmeira Filho. Em 2016, o advogado Pedro Marinho Abreu. Em agosto de 2017 a empresa foi representada em assembleia por um procurador, Rodrigo Cesar Villas Boas Cardoso.
Palmeira Filho também faz parte do Conselho de Administração da Biomm Technology, fábrica de insulina controlada pelo empresário Walfrido dos Mares Guia, ministro do Turismo durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. (Ex-vice-governador do tucano Eduardo Azeredo, Mares Guia se livrou do mensalão tucano, em 2014, após o caso prescrever.)
Em uma das reportagens da série mostramos que o advogado José de Oliveira Costa, diretor da Fundação Fernando Henrique Cardoso, representou Jovelino Mineiro e Emílio Odebrecht em uma das assembleias de acionistas: “FHC, o Fazendeiro – Sócios em empresa, Emílio Odebrecht e Jovelino Mineiro já foram representados em assembleia pelo advogado de FHC“.
‘ODEBRECHT FICOU MARCADA PELA CORRUPÇÃO, CURIOSO’
Em maio de 1996, conforme relata no primeiro volume de seus “Diários da Presidência”, Fernando Henrique Cardoso recebeu Odebrecht e Mineiro no Palácio da Alvorada. Na época ele considerava o BNDES o “grande instrumento para a organização do capitalismo brasileiro”. Confira:
– Também à noite, recebi aqui, com o Nê, o Emílio Odebrecht. Curioso, a firma Odebrecht ficou tão marcada pela CPI dos Anões do Orçamento, com o negócio da corrupção, e no entanto o Emílio é um dos homens mais competentes do Brasil em termos empresariais . Ele veio discutir comigo uma espécie de radiografia dos grupos empresariais brasileiros. Eu queria conversar sobre isso com ele, acho que temos que organizar o capitalismo brasileiro, e o BNDES é o grande instrumento para essa organização.
Muito antes da Operação Lava-Jato, entre 1993 e 1994, a CPI do Orçamento tinha revelado, com detalhes, um esquema de desvio do orçamento da União. Entre os deputados mencionados como autores de emendas que beneficiavam a Odebrecht estava um jovem baiano chamado Geddel Vieira Lima (MDB) – hoje no presídio da Papuda, em Brasília.
Confira aqui a série completa sobre as relações entre Fernando Henrique Cardoso, os amigos pecuaristas (como Jovelino Carvalho Mineiro Filho) e a Odebrecht: “FHC, o Fazendeiro”.
OUTROS INVESTIDORES: JOVELINO E ODEBRECHT
A Biopharma foi criada em 2006. Mas a BNDES Participações só entrou no projeto em 2012, com um aporte conjunto de R$ 35 milhões, dividido entre ela e os dois grandes “investidores-anjo” do projeto: o empreiteiro Emílio Odebrecht – atualmente em prisão domiciliar – e o pecuarista Jovelino Mineiro. O site da ReceptaBio informa que o aporte da BNDESPar naquele ano foi de R$ 28,9 milhões. A empresa ficou com 16% das ações.
“Há alguns anos o empresário José Fernando Perez cochichou ao ouvido de Pedro Palmeira, chefe do departamento da área farmacêutica do BNDES”, relatou na época o Valor Econômico, “que estava criando uma empresa de biotecnologia, a Recepta Biopharma”. Os dois participavam de um seminário em Ribeirão Preto (SP).
Palmeira chefiava, mais precisamente, o Departamento de Produtos Intermediários, Químicos e Farmacêuticos (Defarma). “Através dessa indústria de biotecnologia no Brasil, estaremos dando um passo significativo para a redução da vulnerabilidade do SUS, que é a dependência total das importações no abastecimento de produtos biotecnológicos”, declarou ao jornal.
Os investidores apostavam na criação de um grande sucesso mundial de vendas no combate ao câncer de ovário.
Ao interesse público, soma-se o privado. Emílio Odebrecht contou que, além de confiar nos parceiros, viu ali um negócio. Ele é criador de gado nelore. Jovelino Mineiro não somente cria de gado de alto nível, mas lidera há anos associações de criadores, ao lado de outros personagens desta série de reportagens, como Pedro Novis, ex-presidente da Odebrecht e delator da Lava-Jato.
Segundo a revista Dinheiro Rural, Mineiro convidou Perez no início dos anos 2000 para fazer, nos Estados Unidos, o mapeamento genético do zebu. “Desse encontro nasceu a Recepta Biopharma”, diz a revista. A partir daí é que foi acionado o dono da Odebrecht. “No meu caso foi o boi quem levou à pesquisa do câncer”, afirmou o pecuarista.
SÓCIO PRESIDIU CONSÓRCIO NA DISPUTA DAS TELES
São sócios da Recepta desde o início José Fernando Perez, o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, de Nova York (representado pelo advogado Stephen Charles O’Sullivan, cônsul honorário da Irlanda, dono da Mineradora Killmalock do Brasil e de vários outros empreendimentos milionários), e o vice-presidente José Barbosa Mello, ex-CEO da Pegasus Telecom.
Barbosa Mello foi diretor-superintendente, nos anos 90, do consórcio Stelar Telecom, na corrida das teles durante a privatização promovida pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Controlado pela Odebrecht, esse consórcio era formado também por uma operadora dos Estados Unidos, a Airtouch, pela construtora Camargo Corrêa, pelo Unibanco e pelo grupo Folha da Manhã – que edita o jornal Folha de S. Paulo. Mas o consórcio não abocanhou nenhuma região.
O livro “Sérgio Motta – um Trator em Ação” (Geração Editorial, 1999), uma biografia do ministro das Telecomunicações do primeiro governo FHC, conta que, “num dia banal”, em abril de 1996, o ministro recebeu Emílio Odebrecht, o vice-presidente da Odebrecht, Luiz Almeida, que presidia o consórcio Stelar Telecom, e José Barbosa Mello. A Stelar foi um desenvolvimento da Odebrecht Automação e Telecomunicações, a OTL. O consórcio concorria à banda B da telefonia celular.
PERSONAGENS SE ENCONTRAM NA DANÇA
Muito além da pesquisa genética (mas não sem alguns graus de parentesco), personagens desta série de reportagens encontram-se na lista de conselheiros da Associação Pró-Dança, em São Paulo.
José Fernando Perez preside a organização que tem Maria do Carmo Abreu Sodré Mineiro – casada com Jovelino Mineiro – como vice-presidente. A Organização Social (OS) tem como principal atividade a administração da São Paulo Companhia de Dança, a partir de contratos feitos em 2009 e 2014 – em governos tucanos – com a Secretaria de Estado da Cultura.
Um dos membros do Conselho de Administração é José de Oliveira Costa, o advogado de Jovelino Mineiro e de Fernando Henrique Cardoso. Maria do Carmo também faz parte do Conselho Fiscal da Artesol, organização filantrópica criada por Ruth Cardoso. Ela é uma das três integrantes desse conselho. Outra é Maria Cecília Oliva Perez, casada com José Fernando Perez – que ressalta a condição voluntária do trabalho dele e da mulher.
Leia mais sobre outras conexões culturais e filantrópicas de pecuaristas e dos amigos de FHC nesta reportagem: “FHC, o Fazendeiro – Emílio Odebrecht, Jovelino Mineiro e advogado de FHC compõem a direção do Masp“.
FINEP SE TORNOU ACIONISTA EM 2016
A ReceptBio informa em seu site que recebe verbas da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em programas dos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), que teve Perez como seu diretor científico.
E que, em 2016, a Finep se tornou acionista da empresa, por meio da Inova Empresa Fundo de Investimento em Participações, com um aporte de R$ 30 milhões. O representante da Finep no Conselho de Administração é o médico Victor Hugo Gomes Odorcyk. O investimento da Finep – vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia – visa viabilizar a criação de uma filial da Recepta na Europa.
LEIA A SÉRIE COMPLETA:
“FHC, o Fazendeiro – tudo sobre as terras da família, os amigos pecuaristas e a Odebrecht”.