Articulador do impeachment de Dilma Rousseff, parlamentar controla Dataprev e tem o poder de nomear e barrar presidentes do órgão indigenista
Por Bruno Stankevicius Bassi
O ano de 2016 foi decisivo para o deputado federal André Moura (PSC-SE). Pouco conhecido até então, ele foi catapultado de membro do baixo clero a líder do governo na Câmara. Além de articulador pessoal de Michel Temer. Nos últimos dois anos, acumulou prestígio a ponto de controlar a indicação de cargos-chave na Fundação Nacional do Índio (Funai). Ele ganhou o direito de lotear uma estatal, a Dataprev, entre parentes e correligionários.
Toda essa performance lhe rendeu a nomeação de seu partido para concorrer pela primeira vez ao Senado. O deputado não pertence à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o braço mais conhecido da bancada ruralista. Os únicos três representantes sergipanos no grupo são pouco atuantes, o que torna Moura protagonista entre os ruralistas de Sergipe.
Filho de dois ex-deputados estaduais, Moura começou cedo na política. Foi prefeito de Pirambu (SE) aos 25 anos, onde acumulou as primeiras denúncias por improbidade administrativa. No último dia 15 de fevereiro, foi condenado pela Procuradoria-Geral da República pelo desvio de verbas no município. No total, o deputado é réu em sete investigações, uma delas por tentativa de homicídio contra o ex-aliado Juarez Batista dos Santos, a quem elegeu como sucessor na prefeitura de Pirambu, em 2005.
André Moura foi o principal líder do Movimento Pró-Impeachment, que articulou deputados e senadores para viabilizar a destituição da presidente Dilma Rousseff em razão das “pedaladas fiscais”. Ele se sentou com diversas lideranças ruralistas para fortalecer o movimento. Em um desses encontros, realizado na sala dos líderes tucanos, participaram nomes de peso como o tucano Nilson Leitão (PSDB-MT), Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Beto Mansur (MDB-SP).
Mansur, o “deputado dos bois vivos”, foi um dos destaques da reportagem sobre a bancada ruralista de São Paulo. Assim como os sergipanos, os paulistas preferem se manter fora da frente agropecuária: “Candidatos de SP preferem defender o setor da cana a participar da FPA“. Durante as próximas semanas, De Olho nos Ruralistas publicará reportagens sobre a influência de Leitão e de Heinze em seus respectivos estados.
OSMAR SERRAGLIO: ‘A FUNAI É DO PSC’
Moura foi membro proeminente da “tropa de choque” de Eduardo Cunha (MDB-RJ), formada para blindar o presidente da Câmara das acusações de corrupção que o levaram à prisão, em outubro de 2016. O deputado sergipano foi anunciado como líder do governo na Casa apenas seis dias após a posse de Temer como presidente interino, em maio daquele ano.
O apoio a Temer e Cunha compensou. Em 2017, no dia 28 de abril, o presidente da Funai, Antonio Costa, foi exonerado por Temer, sem maiores explicações. Ao ser questionado sobre o porquê da mudança, o então ministro da Justiça, Osmar Serraglio (MDB-PR), respondeu: “Não estou sabendo de demissão. Vi pela imprensa que ele seria demitido. Na verdade, a Funai é do PSC, do André Moura”.
No lugar de Antonio Costa, o partido indicou um de seus quadros, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas. Durante os doze meses em que o militar ficou à frente da Funai, servidores de carreira e indigenistas foram sendo progressivamente substituídos em prol das indicações políticas de Moura e do PSC. Mesmo assim, aos olhos da bancada ruralista, Franklimberg não estaria colaborando o suficiente. Pressionado, Temer o exonerou em abril.
Em seu lugar, Moura emplacou o nome de Wallace Moreira Bastos, o preferido da FPA. Bastos coordenava a Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério dos Transportes. Em seu curriculum, nenhuma experiência que se aproxime da gestão de um órgão indigenista: antes de se tornar servidor público, o novo presidente da Funai havia sido sócio em redes de fast food.
FILHA DE SENADOR RURALISTA GANHOU CARGO
Não foi apenas na Funai que André Moura liderou a indicação de cargos políticos. No início de julho, após reportagem veiculada no jornal O Globo, a Controladoria Geral da União abriu investigação para apurar o loteamento de, pelo menos, 16 cargos comissionados na Dataprev, empresa estatal de tecnologia e dados da Previdência Social, vinculada ao Ministério da Fazenda. O salário dos nomeados chegava, em alguns casos, a R$ 18,9 mil.
Entre os escolhidos, advogados, parentes e correligionários de Moura. Uma delas, Silvia Renata Pinto de Campos, assessora da diretoria do Dataprev no Rio de Janeiro, pertence a um tradicional clã de políticos ruralistas do Mato Grosso. Seu pai, Júlio Campos (DEM-MT), foi governador nos 1980 e, na década seguinte, elegeu-se senador. Também ocupou a prefeitura de Várzea Grande (MT). Em 2012, o pecuarista perdeu uma batalha judicial com credores e viu sua fazenda em Barão de Melgaço (MT), de 8.443 hectares, ser leiloada para quitar uma dívida de R$ 1,5 milhão contraída durante a tentativa de sagrar-se novamente governador do estado, em 1998.
Aposentado da política, Julio Campos prepara a filha mais velha, Laura, para concorrer nas eleições municipais de 2020. Seu irmão, Jayme Campos, tio de Laura e Silvia, exerceu os mesmos cargos (governador, senador, prefeito), sempre na esteira do mais velho. Em outubro, concorre a mais um mandato como senador. Em sua declaração de bens, extremamente detalhada, o candidato declara 31.626 hectares.
Outro dos cargos no Dataprev, também de assessor, foi confiado a Marcos Antonio Menezes Sobral, irmão do secretário-executivo da Secretaria de Governo da Presidência, Carlos Henrique Menezes Sobral, também conhecido, na era Temer, como o “nomeador-geral da República”.
Carlos Henrique é vinculado ao grupo político do ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB-BA). A história do enriquecimento de Geddel e seus irmãos abriu a segunda etapa da série De Olho na Bancada Ruralista, relativa à região Nordeste. Leia em: “Ruralistas da Bahia multiplicam em até 18 vezes suas fortunas”.
SUPLENTE FOI BARRADO POR CRIME AMBIENTAL
Apesar de André Moura não pertencer formalmente à Frente Parlamentar da Agropecuária, nem ser dono de terras, o candidato do PSC tem sido aliado na defesa dos interesses ruralistas, como no caso do sucateamento da Funai. O primeiro suplente de sua chapa para o Senado, no entanto, esteve envolvido de forma mais direta em conflito agrário.
José Aguinaldo Neves Cunha teve seu registro de candidatura indeferido nesta semana pelo Tribunal Regional Eleitoral em Sergipe, por ter condenação criminal. Ele foi pego extraindo clandestinamente argila e outros recursos minerais do povoado Sambaíba, no município de Itabaiana, ocasionando dano ambiental à comunidade. O outro suplente de André Moura, Edvaldo dos Santos, também teve o registro cancelado por não apresentar seus antecedentes criminais.
Entre os parlamentares do Sergipe, apenas três são signatários da FPA: os deputados Pastor Jony (PRB) e Laercio Oliveira (PP), que concorrem à reeleição, e o senador Eduardo Amorim (PSDB), que disputa o governo do estado contra Mendonça Prado (DEM). Nenhum dos três tem atuação marcante na bancada ruralista.
Enquanto isso, os anos no Congresso foram benéficos para os deputados sergipanos. Os patrimônios de Laércio Oliveira e Pastor Jony triplicaram desde a última eleição, em 2014. Para André Moura, os últimos quatro anos foram ainda mais favoráveis: seus bens quadruplicaram, passando de R$ 255 mil, em 2014, para R$ 963 mil. Em 2006, ele declarou R$ 106 mil – nove vezes menos que o patrimônio atual.