Candidato ao governo, fundador da UDR vem de uma oligarquia do século 19 que se deu bem na ditadura de 1964; entre os doadores de sua campanha, um pecuarista indiciado na CPI do Narcotráfico
Por Alceu Luís Castilho e Bruno Stankevicius Bassi
Favorito na disputa para o governo goiano, segundo o Ibope, o senador Ronaldo Caiado (DEM) ilustra como poucos a ascensão da bancada ruralista no Congresso. O fundador da União Democrática Ruralista (UDR) é, desde os anos 80, um dos principais porta-vozes dos latifundiários na guerra – por vezes, literal – contra a reforma agrária. Não à toa, Caiado está entre os políticos que mais recebem dinheiro de empresários do agronegócio.
Nestas eleições, a lista de doadores conta com nomes conhecidos. Alexandre Funari Negrão é ex-piloto de automobilismo e pecuarista em Nova Crixás, mesmo município onde o senador detém 1.874 hectares. Xandy, como ficou conhecido nas pistas, é dono da fazenda Conforto, de 12 mil hectares, uma das maiores referências em confinamento bovino no Brasil e principal fornecedora de gado para a JBS, com 90 mil bois abatidos por ano. Ele doou R$ 100 mil para a campanha de Caiado.
Fundador da Medley, empresa farmacêutica comprada pela francesa Sanofi por US$ 664 milhões, o empresário paulista foi indiciado em 2000 pela CPI do Narcotráfico após ser flagrado fornecendo produtos químicos para o refino de cocaína, através do Instituto de Química de Campinas. Xandy Negrão também foi indiciado por sonegação fiscal e desacato.
Seu filho, o piloto da Stock Car Xandinho Negrão ganhou evidência no ano passado após se casar com a atriz global Marina Ruy Barbosa, tetraneta da “Águia de Haia”, Ruy Barbosa, o patrono da República. O evento nababesco, chamado de “casamento do ano”, foi bancado pela fortuna do pecuarista.
UDR PROTAGONIZOU ESCALADA DA VIOLÊNCIA NO CAMPO
A influência de Ronaldo Caiado no meio latifundiário foi consolidada ao longo de cinco mandatos representando os interesses do setor na Câmara e, desde 2014, no Senado. Mas vem de sua atuação à frente da UDR. Criada em 1985 como uma resposta da elite rural contra o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a entidade é dona de um passado sombrio.
Entre as vítimas da UDR, a grande responsável pela popularização do termo “ruralista” (antes usado bem mais esporadicamente, conforme levantamento do observatório), a mais famosa é o líder extrativista Chico Mendes. O tiro de escopeta que matou um dos maiores símbolos da luta pela reforma agrária – conhecido no mundo por sua face ambientalista – foi encomendado por Darly Alves, representante da organização no Acre.
No auge da UDR, entre 1985 e 1989, a violência no campo atingiu seu ponto mais extremo, com 640 assassinatos. Mas não parou por ali. Em 1996, com a intensificação das ocupações pelo MST, o número de mortes voltou a crescer. Antenor Duarte do Valle, um dos personagens centrais do massacre de Corumbiara, foi fundador da UDR em Rondônia. Dois anos depois, em 1998, dois dirigentes da entidade no noroeste do Paraná, Marcos Prochet e Tarcísio Barbosa, foram denunciados pelo envolvimento no assassinato do líder sem-terra Sebastião Camargo Filho. O processo ainda corre na Justiça.
Durante a Constituinte, a mobilização dos latifundiários soterrou a proposta do Plano Nacional de Reforma Agrária. Em julho de 1987, uma marcha convocada pela UDR com 30 mil pessoas sitiou Brasília, imprimindo um clima de tensão e ameaças nas sessões. Fazendeiros entravam armados nas reuniões e, em mais de uma ocasião, o debate terminou em pancadaria. A vitória dos grandes proprietários alçou Ronaldo Caiado ao estrelato, convencendo o então deputado a concorrer à presidência em 1989. Sem simpatia popular, o presidente da UDR recebeu menos de 1% dos votos.
DA MONARQUIA À DITADURA DE 1964: INFLUÊNCIA
Apesar de ser formado em Medicina, a fortuna do candidato ao governo de Goiás foi construída na pecuária, dentro de uma tradição coronelista. Durante a Primeira República, o avô de Ronaldo, o senador Totó Caiado, era famoso por indicar aliados para cargos-chave no estado, então chamado Goiás Velho.
No livro 1889, o jornalista Laurentino Gomes cita uma carta enviada pelo ex-senador do Império Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso ao filho Joaquim Inácio Cardoso, um dos líderes da Proclamação da República ao lado de Ruy Barbosa: “Vocês fizeram a República que não serviu para nada. Aqui agora, como antes, continuam mandando os Caiado”.
Joaquim Inácio Cardoso é avô do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cuja face agrária foi tema de uma série especial do De Olho nos Ruralistas.
Em 2014, Antônio Ramos Caiado Filho – tio de Ronaldo – entrou para a “lista suja” do trabalho escravo após quatro empregados de sua carvoaria em Nova Crixás serem flagrados trabalhando em jornadas de até 19 horas, sem qualquer equipamento de proteção individual.
Um dos tios do senador, Emival Ramos Caiado, foi deputado federal pela UDN e pela Arena, o partido da ditadura pelo qual se elegeu para o Senado. Outro tio, Ecival Ramos Caiado, também foi deputado federal pela Arena. Foi Emival Caiado quem fez a lei que determinou a mudança da capital do Rio para Brasília – mais perto das propriedades da família.
ELE POSSUI PELO MENOS 8 MIL HECTARES
Ronaldo Caiado declarou R$ 8,1 milhões em bens em 2018. Ele ainda não forneceu detalhes sobre cada item. Mas De Olho nos Ruralistas informa seu patrimônio rural por análise das candidaturas anteriores. A maior parte dos bens do senador vem das milhares de cabeças do gado – mais do que do preço das fazendas, extremamente defasado em relação aos valores atuais.
Em 2010, quando foi reeleito para seu quarto mandato consecutivo na Câmara (ele teve também um mandato entre 1991 e 1994), Caiado declarou 8.241 hectares. As sete fazendas declaradas há oito anos voltam a aparecer genericamente como “bens imóveis”, em 2018, pelo mesmíssimo valor, incluídos os centavos.
As sete fazendas mais antigas espalham-se por seis municípios. Com valores muito distintos. A Fazenda São Bento Limoeiro, em Americano do Brasil, por R$ 108.259,75. A Fazenda Conquista, em Itaberaí, por R$ 296.379,12. A Fazenda Escalada, em Mara Rosa, uma herança de Maria Xavier Caiado, por apenas R$ 1.173,60. A Fazenda Lago Bonito, entre Crixás e Mozarlândia, mais uma herança da mãe, por R$ 10.562,40. A Fazenda Aldeia Maria, mais uma em Mara Rosa, herança do pai, Edenval Ramos Caiado, por R$ 600 mil. As Fazendas Santa Maria e Segredo, em Nova Crixás, por R$ 699.524,59 e R$ 44.518,01.
Em 2014 aparecem mais sete fazendas na declaração. A São Bento do Limoeiro, em Americano do Brasil, por R$ 108.259,75. As Fazendas Boa Vista e Furna da Onça, em Anápolis, por R$ 34 mil e R$ 213.920. A Fazenda Crispim, em Hidrolina, por R$ 196.682,83. As Fazendas Gonçalo, a Cabeceira do Capivara (junção com Córrego do Meio) e mais uma Furna da Onça, em Nerópolis, por R$ 285.280, R$ 13.750 e R$ 56.080. O senador não informou o tamanho dessas propriedades.
Juntas, as 14 fazendas somam R$ 2.668.390,05. Com a ressalva de que pelo menos seis delas têm o mesmo valor desde os anos 90. Somente as sete fazendas que constam da declaração de 2010 somam 8.241 hectares. Não é difícil deduzir que o total real esteja entre 10 mil e 15 mil hectares, numa estimativa tímida, numa faixa ampla que vai do centro de Goiás ao norte do estado.
DO REBANHO DE R$ 4 MILHÕES À MINERAÇÃO
De 2010 para cá, em oito anos, o patrimônio de Ronaldo Caiado, antes de R$ 5,95 milhões, cresceu 36%. Em relação a 2006, quando ele tinha R$ 3,67 milhões (quase tudo em fazendas e gado), mais do que dobrou.
Em 2014, eleito para o Senado, ele não mencionou o número de hectares, mas registrou a posse de um rebanho de 3.539 cabeças de gado. O preço declarado pelas reses somava R$ 3,64 milhões – metade do patrimônio daquele ano, R$ 7,23 milhões.
Nas eleições de 2018, o valor do rebanho do fundador da UDR cresceu R$ 690 mil, chegando a R$ 4,3 milhões. Vinte anos antes, em 1998, eleito pela primeira vez para a Câmara, Ronaldo Caiado possuía 1.830 reses em seis fazendas.
Caiado também tem atuação no setor de mineração. Segundo reportagem do The Intercept, a Rialma, conglomerado presidido por seu primo, Emival Ramos Caiado Filho, planeja instalar sete pequenas centrais hidrelétricas na Chapada dos Veadeiros, uma delas dentro do território quilombola Kalunga.
No Senado, Ronaldo Caiado vinha atuando pela flexibilização do licenciamento ambiental, justamente a etapa restante para que o projeto energético de seu primo se torne realidade.
LATIFUNDIÁRIOS E USINEIROS FINANCIAM CAMPANHA
Essa não é a única ligação de Caiado com mineradoras. Um dos principais apoiadores de sua campanha para governador, com aporte de R$ 80 mil, é Domingos Sálvio Gomes de Oliveira, sócio no Grupo Pirineus, maior produtor de calcário em Goiás.
Mas entre os entusiastas da candidatura de Ronaldo Caiado, a maioria pertence à classe dos latifundiários. Alfredo Angelo Soncini Filho, sócio do Grupo Engebanc, doou R$ 150 mil. Ele é dono da Usina Caçu, produtora de açúcar e etanol com 8 mil hectares de cana em Vicentinópolis (GO).
Outra quantia significativa veio do presidente da Cosan, Rubens Ometto. Dono de uma fortuna de R$ 4,2 bilhões, o empresário é figura carimbada no mundo da política. Em 2014, a Cosan injetou um total de R$ 30 milhões em candidatos de todo país, sendo R$ 450 mil na campanha de Caiado para o Senado. Em 2018, sem a possibilidade do financiamento privado de campanha, Ometto tornou-se o maior doador do país, distribuindo R$ 6,3 milhões entre 50 candidatos.
Por meio da Raízen, a Cosan controla 860 mil hectares de área agrícola cultivada, onde caberiam 11 municípios do tamanho de Goiânia. No estado, a empresa possui fazendas e usinas no município de Jataí. Outros 280 mil hectares estão vinculados à Radar S/A, joint venture com o Tiaa-Cref, grupo que administra fundos de pensão nos Estados Unidos e na Europa. A Radar é acusada de comprar terras oriundas de grilagem no Piauí e Maranhão.
Mas a lista não para por aí. Maria José Teixeira Gontijo, também usineira, doou R$ 100 mil. Sua empresa, a Agropecuária Lago Azul, é dona de fazendas em Ipameri e Cristalina. Elder Lopes de Oliveira, que contribuiu com R$ 50 mil, é pecuarista em Petrolina de Goiás. Há também políticos aliados, como o suplente de Caiado no Senado, Luiz Carlos do Carmo (MDB), que repassou R$ 100 mil para a campanha do “chefe”, e o ex-deputado federal Herculano Anghinetti (PPB-MG), com R$ 150 mil.
Ronaldo Caiado também tentou o governo goiano em 1994, sem sucesso. Em sua segunda tentativa, em 2018, ele arrecadou R$ 1,9 milhão, valor equivalente a 20% de todas as doações de pessoa física recebidas pelos candidatos do DEM em 2018. É o primeiro colocado nas pesquisas.
TERRA DE RURALISTAS, GOIÁS TEM FORÇA NA FPA
Apesar do protagonismo notório como ruralista, Caiado não é o único goiano na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que tenta alçar voos mais altos. Seu adversário na corrida pelo governo, Daniel Vilela (MDB), o segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, também pertence a esse braço institucional da bancada do agronegócio.
Vilela é filho do ex-governador Maguito Vilela (MDB), ex-prefeito de Aparecida de Goiânia e dono de terras em Jataí. Para vice de sua chapa, ele escolheu outro colega ruralista, o deputado federal Heuler Cruvinel (PP), pecuarista e dono de 528 hectares em Acreúna (GO).
Com 11 deputados federais e um senador (o próprio Caiado), Goiás é o oitavo estado com mais membros na FPA. Sete deles concorrem à reeleição. Entre eles, o nome mais expressivo é o de Jovair Arantes (PTB).
O petebista é investigado junto com o sobrinho Rogério Papalardo Arantes, ex-diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na Operação Registro Espúrio, por fraudes sindicais no Ministério do Trabalho. Arantes era a segunda opção da FPA para a disputa da presidência da Câmara no biênio 2017-2018, caso Marcos Montes (DEM-MG) desistisse da candidatura. O mineiro perdeu a eleição para outro colega de partido de Ronaldo Caiado, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Veja a situação dos outros deputados goianos que integram a Frente Parlamentar da Agropecuária: