Deputado blinda sua fortuna, segundo PGR; outro ruralista paranaense, o ex-ministro Osmar Serraglio, é acusado de liderar esquema denunciado pela Operação Carne Fraca
Por Igor Carvalho
Relevante para o PIB do agronegócio, o Paraná é também importante para a formação da bancada ruralista. Ao todo, 20 deputados federais do estado integram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), segundo lugar em representatividade no país, à frente de São Paulo e Rio, só perdendo para Minas Gerais, com 32 parlamentares na FPA.
Entre os deputados federais paranaenses, dois nomes despontam no cenário nacional e chamam a atenção pela força com que manobram na Câmara, ao mesmo tempo em que carregam acusações na Justiça: Osmar Serraglio e Alfredo Stoffels Kaefer, ambos do PP.
O primeiro foi considerado o líder do esquema para burlar fiscalizações em frigoríficos apontados pela operação “Carne Fraca”. O segundo é acusado de blindar seu patrimônio pessoal, usando suas empresas para concentrar as dívidas, segundo a Procuradoria Geral da República (PGR).
EMPRESAS DO DEPUTADO SOMEM DA DECLARAÇÃO
Kaefer foi criado entre Toledo e Cascavel. no Paraná. Ainda como estudante de Administração de Empresas, na Fundação Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Facivel), durante a segunda metade da década de 1970, Kaefer fundou a Diplomata Industrial e Comercial, que viria a ser um dos maiores frigoríficos de aves e suínos do Brasil e servir de plataforma para sua carreira política.
O começo da carreira política se deu em 2006, pelo PSDB, partido ao qual esteve vinculado por dez anos, quando concorreu ao cargo de deputado federal. À época, Alfredo Kaefer declarou possuir R$ 72 milhões em patrimônio e chamou a atenção por ter sido o parlamentar que mais gastou em campanha, com R$ 2,9 milhões.
Em 2014, os números apresentados à Justiça Eleitoral mostravam Kaefer como o deputado federal mais rico entre todos os ocupantes da Câmara. O patrimônio do parlamentar somava R$ 108 milhões. Em 2018, a declaração de bens do paranaense despencou para R$ 1,3 milhão. Quatro anos atrás, o deputado tinha R$ 15 milhões em cotas e participações em 16 empresas e mais de R$ 93 milhões em créditos, inclusive da empresa que leva seu nome e da sua esposa Clarice Roman. Este ano, ele não declarou nenhuma empresa e apenas R$ 950 mil a receber da esposa, acusada pela Justiça de ser testa-de-ferro ou, como se expressou o juiz do caso, boneco-de-palha do marido.
A complexa relação de Kaefer com suas empresas e o dinheiro passa por inúmeros processos judiciais, que podem explicar como o ruralista, importante referência da FPA, se movimenta no cenário político, onde impera o “toma lá, da cá”.
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou duas denúncias formuladas pela Procuradoria Geral da República contra o deputado. De acordo com a PGR, ele incorreu em crimes para que suas empresas fossem beneficiadas em um processo falimentar. À época, para garantir o ressarcimento dos credores, a procuradoria exigiu o bloqueio de R$ 341 mil em bens da companhia e de outras 14 empresas ligadas ao parlamentar paranaense.
GRUPO CHEGOU A FATURAR R$ 1 BILHÃO
O Grupo Diplomata alcançou um faturamento de R$ 1 bilhão em 2011 e tinha 30 empresas em sua composição, entre shopping centers, fábricas de ração e supermercados. Em 2014, após milhares de processos fiscais, ações trabalhistas e ações em juízos cíveis, o conglomerado entrou em recuperação judicial. Kaefer conseguiu recuperar o controle das empresas em 2017, após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Neste período, em 2013, o frigorífico Diplomata, em Capanema (PR), foi palco de uma cena bizarra. Sem que a empresa oferecesse ração, frangos famintos acabaram atacando seus próprios pares, bicando-os atrás de comida. Os animais foram salvos pelos vizinhos que resolveram alimentá-los.
“Ao longo dos anos, valendo-se de ampla estrutura empresarial, Alfredo Kaefer fez diversos atos de confusão patrimonial, de blindagem de seu patrimônio pessoal e de concentração de dívidas em empresas, com a capitalização de outras não englobadas no Processo de Recuperação Judicial”, afirmou Raquel Dodge, procuradora-geral da República, na denúncia em que acusa o deputado paranaense por falsidade ideológica e fraude contra os credores do Grupo Diplomata.
Outra denúncia formulada pela PGR é contra a mulher de Kaefer, Clarice Roman. Ela teria emitido, em conluio com o deputado, duplicatas falsas que levaram prejuízo a empresas que trabalhavam em parceria com o grupo, como a Cooperativa Agropecuária Sul (Coopersul). A fraude causou danos de até R$ 249 mil, de acordo com o órgão.
Em 2017, um grupo de deputados e senadores formou uma comissão mista que tentava, por meio da MP 783, anistiar as dívidas tributárias das próprias empresas. Somadas, elas chegavam a R$ 3 bilhões. Em agosto daquele ano, De Olho nos Ruralistas revelou o valor do débito dos parlamentares com a União. Os dois líderes entre os políticos eram Newton Cardoso Jr. e Alfredo Kaefer, com R$ 83,5 milhões e R$ 52,8 milhões em dívidas, respectivamente.
Um levantamento realizado pelo Congresso em Foco em maio escancara mais uma das facetas do deputado paranaense. De acordo com o estudo, 178 deputados federais respondem a ações penais ou inquéritos; entre eles, 68 (38,2%) são integrantes da FPA. Kaefer é o segundo entre os ruralistas, com nove processos. O paranaense responde a uma ação penal por crimes contra o sistema financeiro nacional e por formação de quadrilha. Os oito inquéritos são divididos entre crimes contra o patrimônio, contra a ordem tributária, apropriação indébita previdenciária, estelionato, crimes falimentares e lavagem de dinheiro.
SERRAGLIO: PROPINAS PARA FISCAIS?
Em 2017, a bancada ruralista emplacou a indicação do deputado federal Osmar Serraglio (MDB-PR) para o Ministério da Justiça do governo Michel Temer. O parlamentar acumulava a função de coordenador Jurídico da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). As diversas acusações contra o deputado, no entanto, garantiram-no apenas três meses no cargo.
Nascido em Erechim, no Rio Grande do Sul, Osmar Serraglio, de 68 anos, optou pelo Paraná, onde vive desde a época em que cursou Direito, na cidade de Curitiba. Foi na cidade de Umuarama que fixou residência, onde foi professor de Direito Administrativo até 1990, pela Universidade Paranaense (Unipar). Concluiu seu mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), onde foi orientado por Michel Temer.
Em 2016, Serraglio afirmou que o então deputado federal Eduardo Cunha merecia ser “anistiado” por sua atuação no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Quando Cunha foi julgado na Câmara, o gaúcho votou por sua cassação, traindo o ex-aliado.
O deputado foi o relator da PEC 215, que transfere para o Congresso os poderes para demarcação de terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de preservação, retirando a prerrogativa do Executivo, prevista no Estatuto do Índio, de 1973. O texto apresentado por ele defende o “marco temporal”, que prevê que os povos indígenas só podem requerer áreas que estavam ocupadas na data da promulgação da Constituição, em 1988, o que deixa de fora centenas de grupos expulsos de suas terras nos anos anteriores.
No dia 17 de março de 2017, o país acordou com as notícias da Operação Carne Fraca, a maior da Polícia Federal, segundo a instituição, desencadeada após dois anos de investigação. O processo culminou na constatação de que fiscais do Ministério da Agricultura favoreciam frigoríficos, mediante propina, facilitando a produção de alimentos adulterados e emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização efetiva.
Serraglio, então ministro da Justiça, era um dos atores do esquema. O deputado aparece em interceptação telefônica realizada pela Polícia Federal. De acordo com a instituição, o deputado ligou para Daniel Gonçalves, então superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná e considerado o “líder do esquema” pelos agentes federais, para pedir informações privilegiadas sobre a fiscalização de um frigorífico.
‘O SENHOR ESTÁ APOIANDO UMA COISA ILÍCITA’
Em outra escuta, Serraglio é pressionado pelo proprietário de um frigorífico, que pede que o parlamentar devolva o Serviço de Inspeção Federal (SIF) dele – que estaria sendo retido na Superintendência de Agricultura do Estado do Paraná por influência do então deputado:
– Não adianta você achar que vai me convencer, cara. Eu tenho que proteger uma firma que é lá de Umuarama.
– O frigorífico é meu, deputado.
– Você quer dar um chute no cara.
– Deputado, o frigorífico é meu.
– Você assinou que era para ele mandar lá. Se voltar o SIF é mais uma complicação.
– Mas então, deputado, o senhor vai estar apoiando uma coisa ilícita. O senhor está apoiando uma coisa ilícita!
– Por que nós estamos dando cobertura para o Célio? (dono de outra rede de frigoríficos)
– Mas então, deputado, dando cobertura para uma coisa ilícita.
Com crescimento patrimonial de 407% entre 2006 (R$ 1,4 milhão) e 2018 (R$ 7,1 milhões), Serraglio foi alvo de doação milionária da JBS nas eleições de 2014. Ao todo, o frigorífico investiu R$ 200 mil na campanha do deputado. Eleito desde 1998 para a Câmara, onde completou cinco mandatos seguidos.
Além de Serraglio e Kaefer, a bancada ruralista do Paraná tem outro grande expoente, o deputado Luiz Nishimori (PR), defensor dos agrotóxicos e perseguidor dos orgânicos. Confira em outra reportagem da série: “Em doze anos, relator do PL do veneno aumenta patrimônio de R$ 58 mil para R$ 981 mil“.
Veja na tabela abaixo quem mais da bancada pretende voltar ao poder: