Ministro da Justiça diz a empresário, em áudio, que protege grupo rival; restante da imprensa silencia; ele indicou suspeito de chefiar esquema
Dono de frigoríficos no Paraná, Reinaldo Gomes de Morais conversa com o atual ministro da Justiça, Osmar Serraglio, então deputado federal (PMDB-PR). Pede que devolva o Serviço de Inspeção Federal (SIF) dele – que estaria sendo retido na Superintendência de Agricultura do Estado do Paraná por pressão do deputado. Outro frigorífico está usando as instalações do empresário. Serraglio responde:
– Não adianta você achar que vai me convencer, cara. Eu tenho que proteger uma firma que é lá de Umuarama.
– O frigorífico é meu, deputado.
– Você quer dar um chute no cara.
– Deputado, o frigorífico é meu.
– Você assinou que era para ele mandar lá. Se voltar o SIF é mais uma complicação.
– Mas então, deputado, o senhor vai estar apoiando uma coisa ilícita. O senhor está apoiando uma coisa ilícita!
– Por que nós estamos dando cobertura para o Célio? (dono de outra rede de frigoríficos)
– Mas então, deputado, dando cobertura para uma coisa ilícita.
O diálogo, gravado pela Justiça, foi divulgado na sexta-feira pelo Jornal da Record. Mas, até esta segunda-feira (27/03), não ganhou repercussão no restante da imprensa.
Em outra conversa, que abre a reportagem da Record, Morais pede o SIF de volta ao superintendente, Daniel Gonçalves Filho. É ele que, em outro momento, Serraglio chama de “grande chefe”. Considerado pela Polícia Federal um dos líderes da organização criminosa investigada no Paraná, Gonçalves responde que está sendo pressionado pelo deputado para que não devolva:
– Eu sou um cara que está sendo pressionado de tudo que é lado. Tem um problema. Você está com um deputado, mas o outro tem quatro, cinco. Você imagina o que estou passando, cara. Quem que é o presidente do PMDB hoje, fala aí pra mim?
– O Serraglio.
– Tá. Quem está com o Celinho?
– O Serraglio, andando pra cima e pra baixo.
– Vou fazer o quê?
Celinho é Celio Batista Martins Filho, dono de outra rede de frigoríficos, como a Agroindustrial Parati e a Unifrango Agroindustrial. Serraglio teria tentado fazer uma fusão entre os dois grupos. Não conseguiu. E, conforme as investigações, passou a proteger as empresas de Celinho – que doaram R$ 80 mil para sua campanha a deputado federal, em 2010. A Parati, R$ 50 mil. A Unifrango, R$ 30 mil.
O dono de frigoríficos que aparece no diálogo interceptado, Reinaldo Morais, é dono de vários empresas de alimentos: a Frangobras, desde 2004; a BR Frango Alimentos, desde 2007; a Suinobras, desde 2009; a Rema Agropecuária (de bovinos), desde 2009; e a Frango Natura, desde 2010. O capital social dessas empresas ultrapassa R$ 82 milhões. E ele possui empresas em outros segmentos – não é um pequeno empresário, portanto.
A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) confirma na reportagem que Gonçalves foi demitido durante sua gestão do Ministério da Agricultura – ele foi readmitido durante a gestão de Blairo Maggi. E que Serraglio foi um dos que pressionaram para que ele não fosse demitido: “Veio uma insistência para que eu o mantivesse, porque (segundo o deputado) o processo administrativo era uma injustiça”.
Ex-chefe de gabinete de Serraglio, investigado pela Carne Fraca, Ronaldo Troncha confirma à emissora que Gonçalves foi indicado pela bancada de deputados do PMDB na Câmara. O que, conforme Serraglio disse ao Jornal da Record, seria uma “praxe”. Ainda segundo a reportagem, Troncha pretende fazer delação premiada.
O ministro da Justiça reconheceu, em entrevista ao Jornal da Record, ter participado da indicação de Gonçalves. Mas procurou diluir essa poder na bancada paranaense do PMDB – e particularmente atribuindo a indicação ao senador oposicionista Roberto Requião (PMBD-PR).
AS INDICAÇÕES POLÍTICAS
De Olho nos Ruralistas trouxe na quarta-feira (22/03) detalhes sobre as indicações políticas para as Superintendências de Agricultura. O Estadão mostrou, nesse dia, que pelo menos 19 das 27 Superintendências têm indicações de partidos, PMDB e PP à frente. O observatório deu nome aos bois: ““Carne Fraca”: políticos ruralistas indicam quem fiscaliza sua comida“.
O superintendente na Bahia, Osanah Setúval, por exemplo, é afilhado político dos irmãos pecuaristas Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro do governo Temer, e Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), deputado federal. Em Alagoas, o superintendente Alay Correia é afilhado político do senador alagoano Renan Calheiros, ex-presidente do Senado. Em Roraima, quem manda nas indicações do PMDB – como a do superintendente Plácido Alves – é o líder do governo no Senado, o ex-ministro Romero Jucá.
O deputado federal Hugo Motta (PMDB-PB) indicou o superintendente na Paraíba. A importância do cargo é tamanha que, em outros estados, o indicado já foi deputado. É o caso do superintendente no Sergipe, o pecuarista José Everaldo de Oliveira, deputado federal entre 1991 e 1995. E do mineiro Márcio Kangussu, produtor rural e dono de quatro fazendas, indicado pelo PSDB.
AS DOAÇÕES DE CAMPANHA
O observatório analisou as doações de campanha para Osmar Serraglio, em 2006, 2010 e 2014. A Agroindustrial Parati Ltda abre a lista, conforme mostrou o Jornal da Record, com doações que totalizam R$ 50 mil. A Unifrango Agroindustrial, também do empresário Martins Filho, o Celinho, doou R$ 30 mil. Nesse ano o atual ministro recebeu doações de mais duas empresas agropecuárias: a Expoagro, de Foz do Iguaçu (que também fez doação em 2006) e a Klabin. Em 2006 ele foi financiado também pelas empresas Campagro Insumos Agrícolas, produtora de agrotóxicos em Campo Mourão (PR), Alimentos Zaeli, de Umuarama (PR), Sementes Sojamil, de Chopinzinho (PR), Siviero Cereais, de Clevelândia (PR), e Sollo Sul Insumos Agrícolas, presente em vários municípios paranaenses. No ano seguinte, diante da morte do fundador da Zaeli, Serraglio fez um discurso em homenagem à empresa, no plenário da Câmara.
Nas últimas eleições, em 2014, outras empresas doaram para o atual ministro da Justiça: a Avenorte Agrícola, de Cianorte (PR), com R$ 20 mil; a Cooperativa Agrária Agroindustrial, produtora bilionária de grãos em Guarapuava (PR), com R$ 30 mil; a usinas paulistas Copersucar e Cosan, com R$ 100 mil e R$ 75 mil; a avícola Gonçalves & Tortola, de Maringá (PR), com R$ 50 mil; a Pisa Indústria de Papéis, de Jaguariaíva (PR), com R$ 22,7 mil; e as avícolas paranaenses Somave Agroindustrial e SW Indústria e Comércio de Alimentos, com R$ 5 mil cada. Mas, principalmente, a JBS, investigada na Carne Fraca, com R$ 200 mil.
A Agrária inaugurou três obras, em outubro, em evento com a presença do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, dos deputados Osmar Serraglio e Sergio Souza, atual presidente da Comissão de Agricultura da Câmara (outro com ligações perigosas na Carne Fraca), e do governador do Paraná, Beto Richa. “Vim entregar um abraço do presidente da república Michel Temer à Agrária e todos os seus cooperados”, declarou Maggi.
Em 2006, a Avenorte foi um dos seis frigoríficos proibidos pelo Ministério da Agricultura de vender frango. Motivo: excesso de água. As empresas foram multadas em até R$ 25 mil. A prática de vender o frango com excesso de gelo é uma antiga forma de lesar o consumidor, que ainda fica exposto à contaminação de outros alimentos que estejam na pia. (Alceu Luís Castilho)
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