Sobrevivente de atentado em Colniza (MT) conta que PMs e seguranças continuam ameaçando

In De Olho nos Conflitos, Em destaque, Principal, Últimas
Delegado acusa seguranças, mas isenta Riva, o proprietário. (Foto: Associação de Moradores da Gleba União)

Valmir Januário tomou um tiro nas costas; chacina no dia 5 teve um posseiro morto e foi o 1º grande conflito agrário do governo Bolsonaro; ex-governador Silval Barbosa diz que ele e ex-deputado José Riva compraram área com dinheiro de propina 

Por Lázaro Thor Borges, em Cuiabá

As vítimas do primeiro ataque a trabalhadores sem terra do governo Bolsonaro, no dia 5 de janeiro em Colniza (MT, continuam sofrendo ameaças e temem pela própria vida. O atentado no município a 1.065 quilômetros de Cuiabá, no extremo noroeste do estado, provocou a morte do posseiro Eliseu Queres de Jesus, de 38 anos, e deixou nove pessoas feridas. Um dos sobreviventes, o lavrador Valmir Nunes Januário, 42, relata os momentos de angústia que tem vivido.

Barracão construído pelos posseiros. (Foto: Associação de Moradores da Gleba União)

Januário não sai de casa desde que tomou um tiro nas costas e viu seu amigo morrer. “Em Colniza, quem manda é o Riva, ninguém está do nosso lado, falam na cidade que vão matar mais”, diz. “Quando eu dei entrada no hospital um dos policiais virou para mim e disse: ‘Tinha que ter matado era todo eles’. Falou isso quando eu agonizava de dor”.

Os camponeses estavam acampados a cinco quilômetros da Fazenda Bauru. Era o primeiro sábado do ano. Eles foram buscar água em um rio próximo da estrada municipal que passa pela fazenda, conta Valmir, quando foram surpreendidos pelos seguranças:

– Até hoje eu não entendi, um segurança olhou para o outro e sorriu aquele riso de deboche e começaram a atirar. Eu corri por oito metros, caí, e corri por mais oito até me jogar no chão, nem em filme eu vi tanto tiro, acho que foram quinze minutos só com eles atirando e nós correndo.

À polícia, os seguranças disseram que sofreram uma emboscada dos posseiros. Eles apresentaram fotos de tiros que atingiram a caminhonete da empresa Unifort Segurança Patrimonial, contratada por Riva para proteger as terras.

O delegado Alexandre Nazareth da Silva, responsável pelo inquérito, constatou que os tiros foram disparados pelas armas dos seguranças, e decretou a prisão em flagrante de quatro homens. Em menos de 24 horas, o juiz Alexandre Sócrates Mendes mandou soltar os suspeitos sob a alegação de que agiram em legítima defesa da propriedade.

Segundo o presidente da Associação de Moradores da Gleba União, Derisvaldo Corrêa de Sá, 47 anos, policiais militares sempre frequentaram a fazenda. No dia do atentado, a PM teria impedido a entrada do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência na fazenda: “Tem dia que é oito da noite e os policiais militares estão saindo da fazenda. No dia do ataque tivemos de levar os feridos em moto e caminhonete porque a PM não deixou entrar o Samu”.

Durante o tiroteio, Valmir Januário conseguiu subir na garupa de uma moto e fugiu. Ele trabalhava plantando e colhendo café no sítio do pai. Sem conseguir andar, pretende ir para Cuiabá fazer tratamento.

Eliseu Queres era seu amigo e vizinho na ocupação. Morreu na hora com diversos tiros pelo corpo. “O barraco dele ficava há um barraco do meu”, lembra-se Januário. Era uma pessoa que só queria o bem, ajudava todo mundo, não fazia mal a ninguém”.

Ocupação com 200 famílias data dos anos 2000. (Foto: Associação de Moradores da Gleba União)

DELEGADO NÃO VÊ PROPRIETÁRIO COMO SUSPEITO

Na avaliação do delegado Alexandre Nazareth, responsável pelas prisões, os policiais militares tiveram de isolar a cena do crime, impedindo algumas movimentações. Ele diz desconhecer a atuação da PM em defesa da propriedade:

– Quando cheguei à cena do crime a PM tinha prendido todos os suspeitos, fez um trabalho exemplar. Desconheço que a Polícia Militar tenha essa aproximação com os seguranças, o que eu sei é que o dono da empresa é um policial aposentado, mas isso não quer dizer nada.

O delegado informou que não há elementos que apontem a participação do ex-deputado José Riva – por muitos anos uma espécie de dono da Assembleia Legislativa – no conflito. Segundo ele, a delegacia de Colniza investiga ameaças de seguranças a posseiros e de posseiros a seguranças. Ao todo, são oito boletins de ocorrência.

No dia 5, quando ocorreu o ataque, a delegacia contava apenas com o próprio delegado e com um investigador. Ele admite a carência de efetivo, mas diz que ela foi suprida após o conflito, quando a Secretaria de Estado de Segurança Pública enviou ao município equipes especializadas.

O inquérito sobre o caso deve ser concluído em até 30 dias. Mesmo prazo para o resultado de uma perícia técnica para provar se as armas que dispararam contra a caminhonete foram dos próprios seguranças.

POSSEIROS DIZEM QUE RIVA PROMETEU VENDER TERRA

Valmir Januário deixou sua casa e não consegue andar. (Foto: Associação de Moradores da Gleba União)

A esperança de conseguir uma fatia de terra é antiga entre os integrantes da Associação de Moradores da Gleba União. A ocupação, iniciada nos anos 2000, teve seus picos de violência nos últimos anos. Os posseiros acusam Riva de tentar dar um golpe: em 2017, ele prometeu que pediria a reintegração de posse para fatiar a área e vender para cada um. Os camponeses dariam 25% de entrada e o restante seria pago em três anos.

“Vendi minha casa por R$ 70 mil em Colniza para investir na terra contando que ia ser nossa”, rememora Valmir. “Comprei a terra de outro posseiro, estava produzindo, tinha pepino, mandioca e arroz, mas com a reintegração perdemos tudo”.

José Riva responde na Justiça pela acusação de não quitado a terra completamente. A antiga proprietária, a empresária Magali Pereira Leite, sustenta em ação judicial que o ex-deputado deve pela propriedade, em valores atualizados, R$ 20 milhões.

 

You may also read!

Doador de campanha de Nikolas protagoniza conflito com quilombolas em Minas

Sócio da Ônix Céu Aberto, Gabriel Baya Andrade doou R$ 20 mil para o deputado, líder de campanha contra

Read More...

Tigrinho, golpistas e ex-sócio de Trump: quem financiou Nikolas Ferreira?

De Olho nos Ruralistas conta quem são os doadores de campanha do deputado mineiro, articulador das notícias falsas que

Read More...

Vídeo mostra como mercado, imprensa, Legislativo e Judiciário naturalizaram Bolsonaro

De Olho nos Ruralistas reúne informações e imagens sobre a ascensão do político patrocinada por empresários e jornalistas; omissão

Read More...

Leave a reply:

Your email address will not be published.

Mobile Sliding Menu